quinta-feira, 11 de abril de 2024

Merval Pereira - O corporativismo perdeu

O Globo

Como o Supremo é a última instância da Justiça, aquela que pode errar por último, sua interpretação do que seja constitucional é a que prevalece, mesmo quando, como nesse caso, possa parecer um pouco flexível demais

O bom senso prevaleceu, e a Câmara aprovou a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão, apesar da movimentação de bolsonaristas e representantes do Centrão para afrontar o Supremo Tribunal Federal (STF).

Tratava-se de uma disputa mais política que jurídica, desde o primeiro momento. O Supremo e o Ministério Público acataram o relatório da Polícia Federal mesmo que provas concretas não existam. Os oposicionistas da Câmara, guiados nos bastidores pelo ex-deputado cassado Eduardo Cunha, tentavam derrotar o governo atingindo o Supremo, que acusam de estar aparelhado, assim como a Polícia Federal.

Como o Supremo é a última instância da Justiça, aquela que pode errar por último, sua interpretação do que seja constitucional é a que prevalece, mesmo quando, como nesse caso, possa parecer um pouco flexível demais.

Pelas regras em vigor, nenhum dos três denunciados como mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes deveria ser julgado pelo Supremo. Chiquinho Brazão era vereador na época do crime, seu irmão Domingos já era do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e o delegado Rivaldo Barbosa nunca deixou de ser delegado.

Pela regra que passará a valer quando o Supremo terminar o julgamento sobre o foro especial, que já tem cinco votos a favor, Chiquinho Brazão, por ser deputado federal, vai para o Supremo e carrega seus cúmplices.

Caso a Câmara tivesse decidido pela liberação de Chiquinho Brazão, seria criada uma crise de bom tamanho. Nunca houve rejeição de uma prisão como essa, por motivo de ação criminal ligada a milícias. Os deputados acham perigoso o precedente de autorizar uma prisão sem flagrante óbvio. Eu acho perigoso a Câmara, por corporativismo e interesse próprio, desrespeitar uma decisão do STF para proteger milicianos.

Os indícios de certo movimento dentro da Câmara para dar uma resposta ao ministro Alexandre de Moraes por meio da libertação de Brazão acabaram mostrando-se insuficientes para derrotar a maioria. Mas nunca esteve tão próximo o impeachment de um ministro do STF. Se acontecer, será uma crise institucional sem igual. Será difícil achar uma solução que não implique a desmoralização de um dos Poderes diante do outro.

É comprovado que o ex-deputado Eduardo Cunha está por trás desse movimento. Ele é do Rio, deve ter ligação com o grupo dos irmãos Brazão e visa a algum ganho político, além da vontade de enfraquecer Alexandre de Moraes.

O relatório da PF aprovado pelo MP, usado pelos deputados como motivo para a prisão, é cheio de indícios, mas realmente não apresenta nenhuma prova concreta de que Chiquinho Brazão tenha sido mandante do crime. Em outras ocasiões, não seria aceitável pelo Congresso.

Este rigor todo agora, apesar da falta de provas, é pelo medo do que possa acontecer caso qualquer um dos parlamentares venha a ser preso por crimes cometidos. É muito perigoso para a democracia se os deputados começarem a se proteger. Poderão fazer qualquer coisa, contando com apoio de seus pares. Não corresponde a uma democracia real.

 

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