Ação contra PCC mostra caminho para derrotar o crime organizado
O Globo
Êxito depende de aposta em inteligência,
investigação financeira e coordenação de autoridades estaduais e federais
A maior facção criminosa do Brasil, o
Primeiro Comando da Capital (PCC), conhecida pelo envolvimento em tráfico de
drogas, de armas e noutras atividades ilegais, tem progressivamente adotado a
estratégia perniciosa de se infiltrar em negócios formais e nos Poderes do
Estado. O fato gravíssimo, apontado por Lincoln Gakiya, promotor do Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público
de São Paulo, exige uma resposta na mesma medida: uma estratégia nacional de
combate ao crime organizado. A Operação Fim da Linha, deflagrada nesta semana
em São Paulo, é um exemplo de como vencer essa batalha. Quando trabalham em
conjunto, as instituições têm capacidade de reação poderosa.
Agindo de modo coordenado, autoridades estaduais e federais apostaram na inteligência para desbaratar um esquema envolvendo empresas de ônibus paulistanas, suspeitas de lavar o dinheiro de tráfico de drogas, roubos e outros crimes para o PCC. Tanto a UPBus como a Transwolff (TW) disputaram licitações em São Paulo sem concorrentes e venceram. Juntas, transportavam 700 mil passageiros por dia nas zonas Sul e Leste da capital paulista. No ano passado, a TW, com frota de 1.306 ônibus, recebeu R$ 748 milhões da Prefeitura paulistana para operar 143 linhas. Menor, a UPBus, com 159 veículos, ficou com R$ 88 milhões.
De acordo com as investigações, um dos
expedientes usados para lavar o dinheiro ilícito era distribuir dividendos
milionários aos sócios — suspeitos de vínculos com o PCC — mesmo nos anos em
que as empresas davam prejuízo. Entre 2015 e 2022, período em que uma das
empresas registrou perdas acumuladas de mais de R$ 5 milhões, um dos sócios
recebeu quase R$ 15 milhões. A Prefeitura paulistana assumiu provisoriamente a
operação das linhas de ambas. A intervenção será mantida enquanto durar a
investigação. Para evitar sabotagem, a Polícia
Militar aumentará o patrulhamento nas garagens, pois um dos
principais alvos da operação, suspeito de integrar a cúpula do PCC, segue
foragido.
Ao todo, a Justiça bloqueou R$ 596 milhões,
com o sequestro de 43 imóveis e bens de 28 empresas. A lista inclui joias,
relógios, lanchas e até um helicóptero. Um dos imóveis pertencentes ao PCC
estava declarado com valor de R$ 800 mil, embora seja avaliado em R$ 10
milhões. Os mandados de busca e apreensão foram executados principalmente na
capital paulista, mas também em cidades próximas como Barueri, Cotia, Guarujá,
Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itaquaquecetuba, Itu, Mauá, Santana do
Parnaíba, São Bernardo do Campo e São José dos Campos. A extensão da operação
demonstra o alcance estarrecedor dos negócios vinculados ao crime organizado.
As investigações revelam que foi criada uma
“constelação” de empresas ligadas às companhias de transporte para driblar o
Fisco. Pelos cálculos do Ministério Público, foram pelo menos 29. A origem da
operação desta semana está justamente na Receita Federal, que deslindou
esquemas tributários suspeitos e movimentações financeiras atípicas. As
empresas apresentavam débitos tributários, mas, graças a compensações
fraudulentas estimadas em ao menos R$ 25 milhões na esfera federal, obtinham
certidões negativas para participar de licitações. A complexidade dos esquemas
requeria a participação de contadores experientes, também alvos das
investigações. Como em toda operação de sucesso ao desarticular máfias mundo
afora, esta também demonstra a importância de seguir a trilha financeira do
crime, tarefa para a qual é fundamental a atuação de organismos especializados
em coibir a lavagem de dinheiro, como o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf).
A atuação do PCC por meio de empresas que
prestam serviços a prefeituras não é novidade. Na cidade litorânea do Guarujá,
uma empresa que controla acesso e limpeza nas unidades de saúde era gerida por
um suspeito vinculado à facção, morto a tiros em março. O Ministério Público
reconhece a atuação do PCC na coleta de lixo e na assistência social em mais de
um município. Outro ponto de preocupação são as ocupações irregulares de
terrenos, que contam com a conivência de servidores. Dados de 2022 revelaram a
existência de ao menos 250 loteamentos clandestinos ligados ao PCC na capital
paulista.
Até o momento não há, segundo Gakiya,
indícios de atuação criminosa de políticos nem de funcionários públicos no
esquema desbaratado nesta semana. Mas ainda há empresas sob investigação. Em
entrevista à GloboNews, ele mencionou a suspeita de uso de dinheiro do crime
organizado em campanhas eleitorais, alerta especialmente relevante em ano de
eleições municipais. “Não é incomum a gente verificar financiamento a campanhas
de prefeitos e vereadores”, disse.
A tentativa preocupante do PCC de se
infiltrar nas instituições do Estado não deve ser motivo para desalento. Outros
países assolados pelo crime organizado já demonstraram o caminho para
combatê-lo. A Operação Fim da Linha mostra como é possível segui-lo no Brasil.
Decisões judiciais firmes e a cooperação entre Ministério Público, Polícia
Militar, Receita e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
garantiram a execução da primeira fase. Foi um avanço a colaboração entre
autoridades estaduais e federais. Trata-se de demonstração eloquente da
necessidade de uma força-tarefa nacional para desarticular todas as
ramificações das facções criminosas — o ideal é que a coordenação caiba ao
governo federal. O Estado brasileiro conta com competência, poder de
investigação e capacidade de coletar inteligência para enfrentá-las. Basta as
autoridades levarem a tarefa a sério.
PL das Fake News morre por pretensão censória
Folha de S. Paulo
Projeto ficou inviabilizado devido ao intento
de determinar a verdade nas redes, em ameaça à liberdade de expressão
A despeito do apoio e das pressões de
governo, chefes do Legislativo e ministros do Supremo Tribunal Federal, o
projeto de lei que pretende endurecer a regulação da internet —conhecido
como PL das
Fake News—
estava empacado na Câmara dos
Deputados e não reunia chances de avançar.
Os defensores do texto tentaram uma última
cartada com o entrevero
entre o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e o empresário Elon Musk, do X —estaria
demonstrada aí, argumentaram, a necessidade de mudar a legislação.
Entretanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
preferiu aproveitar o episódio para enterrar
a proposta e anunciar um grupo de trabalho para rediscutir o tema. A
decisão suscitou resmungos previsíveis, mas o fato é que não havia muito mais a
ser feito. Por bons motivos, inexistia consenso em torno da regulação.
O principal deles se revela no nome pelo qual
ficou conhecido o projeto. Seus apoiadores declaram o intento de coibir a
proliferação de informações falsas —e também as manifestações que supostamente
ameaçam a democracia— na internet. Tal propósito, embalado em discursos
hiperbólicos, mal se distingue de um ímpeto censório.
Alexandre de Moraes é o mais vocal dos
apologistas da regulação das redes sociais. Há poucos dias, disse que elas não
podem ser usadas para uma "lavagem cerebral do mal". Como magistrado,
tem cometido não poucos abusos ao retirar contas de usuários do ar.
Aperfeiçoamentos da legislação de fato são
necessários, e em prazo não muito extenso. É preciso que se determine melhor
quais são as responsabilidades das chamadas big techs. Cumpre ainda lidar com
seu excessivo poder de mercado.
Não se pode fazê-lo, no entanto, com
restrições à liberdade de expressão, um pilar da democracia. Seria absurdo, por
exemplo, incumbir algum órgão ligado ao Executivo de determinar quais são os
discursos válidos e quais não são.
Se alguém usa a palavra para cometer crimes,
isso só pode ser estabelecido a posteriori pelo Judiciário, no âmbito do devido
processo legal, com direito a contraditório e possibilidade de recurso.
Em tempos de polarização, esse é um
território que se presta a mitificações. O Supremo tomou nos últimos anos
decisões marcadas pela heterodoxia —e já passa da hora de voltar à normalidade.
Isso não apaga seus méritos no enfrentamento das investidas golpistas sob Jair
Bolsonaro (PL).
De modo análogo, é descabido afirmar que a
internet se tornou uma terra sem lei. Tudo o que é ilegal no mundo físico
também o é no virtual. À Justiça cabe examinar tais casos, o que precisa ser
feito com serenidade e autocontenção.
Longe do fim da linha
Folha de S. Paulo
É preciso apurar laços com crime e criar
sistema de ônibus mais funcional em SP
Indícios da infiltração do crime organizado
no sistema dos ônibus municipais de São Paulo remontam aos anos 1990, quando
perueiros clandestinos, sob a égide da chamada "máfia dos
transportes", circulavam sobretudo pelos bairros mais periféricos.
Parte dessas cooperativas foi absorvida na
reorganização do transporte público promovida em 2003, ainda na gestão Marta
Suplicy (PT).
Apesar de convertidas em viações oficiais,
suspeita-se que muitas não se desvencilharam dos laços com a ilegalidade e são
usadas para lavar dinheiro —por vezes sem abrir mão de conexões políticas.
Nova incursão nesse seara ocorreu na terça
(9), quando o Ministério
Público deflagrou a Operação Fim da Linha mirando duas
empresas, Transwolff e a Upbus, que teriam ligações com o Primeiro Comando da
Capital (PCC). Foram presas quatro pessoas, e apreendidas armas e drogas.
Nas investigações, a Receita Federal apontou
um esquema de desvios tributários, sob o auxílio de experientes contadores.
O ilícito alcançaria cifras estratosféricas:
entre 2020 e 2022, contas dos envolvidos movimentaram nada menos que R$ 732
milhões. A Justiça já determinou o bloqueio de R$ 600 milhões em patrimônio.
Responsáveis por transportar cerca de 700 mil
passageiros diariamente, apenas as duas empresas receberam mais de R$ 800
milhões em subsídios da administração Ricardo Nunes (MDB) em 2023. A prefeitura
interveio nas viações e já assumiu o controle das linhas.
A operação dos coletivos em São Paulo sempre
esteve longe de ser sustentável, eficaz ou transparente. A tarifa está
congelada artificialmente desde 2020, e o despejo de
subsídios para bancar os custos cresce ano a ano (chegará a R$
5,3 bilhões neste 2024, um recorde).
Há distribuição desequilibrada das linhas,
atrasos, veículos precários e perda significativa de passageiros após a
pandemia; a contabilidade das viações é nebulosa e, pelas suspeitas, sujeita a
fraudes.
Cabe a este e ao próximo prefeito, seja qual
for, desenvolver um sistema funcional —eliminar brechas para atividades
criminosas é somente um dos desafios.
Vitória da inteligência
O Estado de S. Paulo
Operação que desbaratou o esquema do PCC para
lavar dinheiro por meio de concessões de ônibus em SP mostra que o bom combate
ao crime organizado não depende só da violência
O bom combate às facções criminosas, por mais
poderosas que sejam, pode ser travado sem que um só tiro seja disparado pelas
forças do Estado. Não raro, são as ações de inteligência que têm provocado os
abalos mais sensíveis nos negócios dessas facções – que há bom tempo operam
como verdadeiras máfias no Brasil e no exterior –, e não a aposta na força
bruta policial.
Foi exatamente o caso da Operação Fim da
Linha, deflagrada no dia 9 passado para desbaratar um esquema de lavagem de
dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio do transporte público de
São Paulo. Desde fevereiro, os detalhes da exploração de concessões de linhas
de ônibus pelo PCC, entre outros contratos com a administração pública, têm
sido revelados por uma série de reportagens do Estadão.
O sucesso da Fim da Linha – fruto de uma
cooperação entre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)
do Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal e o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – foi materializado pelo cumprimento
de 52 mandados de busca e apreensão e pela prisão de três acionistas e um
contador de duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo, a Transwolff e a
UPBus. A Justiça também determinou o bloqueio de centenas de milhões de reais
em bens dos investigados a fim de resguardar futuras reparações. Um baque e
tanto nas finanças do PCC.
“Hoje (terça-feira passada) é um dia
histórico para o Ministério Público de São Paulo”, disse o promotor Lincoln
Gakiya, membro do Gaeco paulista e um dos mais devotados servidores públicos ao
combate ao crime organizado, em particular ao PCC.
Esse desfecho só foi possível porque houve
uma profícua colaboração entre as autoridades estaduais e federais. Nesse
sentido, tratando-se de um esquema de lavagem de dinheiro, a participação do
Cade e da Receita Federal foi determinante para apoiar as investigações do
Gaeco de São Paulo. Restou evidente que, além da primazia da inteligência sobre
a violência, a união de esforços entre entes federativos – respeitadas suas
atribuições constitucionais, por óbvio – é fundamental para o sucesso de ações
de combate a grupos criminosos cada vez mais audazes e que não reconhecem
fronteiras.
Há pelo menos 30 anos, desde quando o
transporte público na capital paulista começou a ser explorado de forma
clandestina pelos chamados “perueiros”, já se sabia que a atividade fazia
crescer os olhos dos criminosos. Afinal, está-se falando de um ramo que
movimenta bilhões de reais numa metrópole como São Paulo – e boa parte em
dinheiro vivo. De lá para cá, sob o beneplácito de agentes públicos por vezes
incompetentes, por vezes corruptos, o negócio prosperou, digamos assim. Algumas
das antigas cooperativas de motoristas que foram legalizadas pela Prefeitura se
transformaram em grandes empresas de ônibus a serviço do crime, como é o caso
das ora suspeitas Transwolff e a UPBus.
Por essa razão, a Justiça, corretamente,
ordenou que a Prefeitura de São Paulo assumisse a gestão das duas empresas
enquanto correm as investigações. O objetivo claro é evitar que os 17 milhões
de passageiros transportados por ambas todos os meses sejam prejudicados – o
que decerto levaria a um colapso da mobilidade na metrópole.
Ao fim e ao cabo, cumpriram-se mandados
judiciais contra suspeitos de envolvimento com a facção criminosa mais poderosa
do País sem que uma gota de sangue fosse derramada, como já foi dito. Porém,
ainda é cedo, evidentemente, para comemorar o triunfo total do Estado
Democrático de Direito sobre um de seus maiores algozes.
Da mesma forma que o PCC só deixou de ser um
grupelho formado no interior de uma penitenciária paulista para ser o que é
porque agentes públicos se deixaram corromper pelo caminho, alguns “perueiros”
só viraram grandes empresários a serviço do crime organizado porque o Estado
foi negligente, para dizer o mínimo. Portanto, até que as investigações avancem
sobre os agentes públicos que traíram seus mandatos, o fim da linha dessa
promiscuidade estará longe.
Nos EUA, justiça; no Brasil, impunidade
O Estado de S. Paulo
Multa milionária do Departamento de Justiça
dos EUA a uma empresa envolvida em caso de corrupção na Petrobras torna mais
escandalosa a nulidade de provas e delações no Brasil
De 2003, primeiro ano da primeira gestão Lula
da Silva, a 2014, ano em que foi deflagrada a Lava Jato, investigação policial
que abalou os alicerces políticos do País, a multinacional sueca Trafigura,
especializada na comercialização de commodities, pagou propina religiosamente a
um executivo da Petrobras para intermediar a venda de petróleo brasileiro. Para
cada barril, vinte centavos de dólar iam para o bolso do então gerente de
Comércio Externo de Óleos Combustíveis da petroleira, num esquema que movimentou
milhões de reais.
Nos sete anos de duração da Lava Jato, o nome
da Trafigura – e de dois representantes no Brasil – integrou o rol de dezenas
de empresas, nacionais e estrangeiras, suspeitas de favorecimento mediante
suborno a políticos e a executivos da Petrobras. Há poucos dias, decisão do
Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) trouxe a trading de volta aos
holofotes ao estabelecer multa de US$ 127 milhões para encerrar processo sobre
os atos de corrupção, dos quais a própria empresa se confessou culpada.
Impossível não traçar paralelo com o que
ocorre no Brasil em relação às empresas que, como a Trafigura, também assumiram
participação na sangria de recursos envolvendo a Petrobras. Malgrado
irregularidades constatadas posteriormente na força-tarefa da Lava Jato, a
corrupção existiu, vigorou durante anos, enriqueceu ex-executivos, privilegiou
empresas e desviou cifras astronômicas. Mas tudo o que foi provado, documentado
e confessado ganhou um novo rumo com a mudança dos ventos políticos e o retorno
do lulopetismo ao Palácio do Planalto.
No mesmo mês em que o ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal (STF), movido sabe-se lá por quais propósitos,
decidiu anular todas as provas de corrupção e as multas imputadas à Odebrecht
(atual Novonor), em setembro de 2023, o ex-executivo da Trafigura Marcio Pinto
de Magalhães pediu à Justiça Federal uma declaração de “imprestabilidade de
todo o acervo probatório”.
Como era previsível, a decisão individual de
Toffoli puxou imediatamente o fio para outros delatores e empresas se
pendurarem na inacreditável tese de confissão sob “coação institucional”
defendida pelo magistrado. Algo que se torna ainda mais inconcebível diante das
inúmeras gravações em vídeo de executivos durante os depoimentos que efetivaram
as delações. Somente um cinismo sem precedentes poderia inferir ali algum tipo
de coação. Por óbvio, confissão não tem um valor absoluto como prova, mas é,
sim, um meio de prova, pois é a admissão do delito cometido pelo acusado.
Nos EUA, o Departamento de Justiça concluiu
que a Trafigura “subornou integrantes do governo brasileiro entre 2003 e 2014
para fechar negócios com a Petrobras”. Já no Brasil, o processo contra a
Trafigura está suspenso há dois anos, como outros também esmagados pelo rolo
compressor da “Vaza Jato”, nome dado às denúncias de arbitrariedades detectadas
em mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, respectivamente
juiz e procurador responsáveis pela Lava Jato.
No caso da Trafigura, constavam do processo
dois ex-executivos da multinacional, um operador financeiro e um gerente da
Petrobras. Aí está um detalhe importante para compreender o nível da
roubalheira institucionalizada nos anos de maior instrumentalização da
Petrobras – coincidente com as gestões petistas. A intermediação das
facilidades com fornecedores, prestadores de serviços, tradings e outras
empresas contratadas não se limitava ao primeiro escalão administrativo:
desciam até o nível de gerência, comprovação de absoluta ausência de governança
e fiscalização.
Daí a importância dos mecanismos de proteção
para impedir a repetição de tamanho estrago. Tão importante quanto punir
culpados – o que vem sendo desconsiderado, com a providencial contribuição do
STF – é manter as regras de governança na Petrobras. Infelizmente, o governo
Lula da Silva vem desmontando uma a uma as salvaguardas montadas em torno da
empresa.
A regra não é clara
O Estado de S. Paulo
O julgamento de Sérgio Moro mostra que é
preciso definir melhor os limites das pré-campanhas
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá a
palavra final se preserva ou não o mandato do senador Sérgio Moro (UniãoPR),
absolvido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) das acusações de
abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação na
campanha de 2022. Goste-se ou não do ex-juiz da Lava Jato – e hoje é evidente a
sua decomposição política e moral em razão dos erros da força-tarefa e do
ativismo político que o tirou da toga –, somente o espírito de vingança
justificaria a cassação do mandato pelos desembargadores paranaenses. Como
apontou o relator do caso, Luciano Carrasco Falavinha, depois seguido por
quatro dos seus pares, as acusações do PL e do PT do Paraná são desprovidas de
provas, sob qualquer prisma identificado na legislação eleitoral. Resta ver se
o TSE, órgão com poder para reverter a decisão, adotará a mesma premissa e
também não se dobrará aos imperativos políticos.
Até lá, convém reafirmar uma certeza
explicitada no julgamento: Moro foi acusado de subverter uma regra de gastos
que hoje simplesmente não existe na legislação eleitoral. Descontada a eventual
torcida contra a sua candidatura a presidente e depois a de senador, será
possível admitir que a Lei 13.165/2015, conhecida como minirreforma eleitoral,
alterou diversas regras, entre as quais a permissão das chamadas pré-campanhas,
mas deixou imprecisa a disciplina de gastos de pré-candidaturas. Definiu um
teto de despesas para a campanha, ao mesmo tempo que autorizou pré-candidatos a
divulgar seu nome, dizer que concorrerão a determinado cargo, expor suas
pretensões e promover reuniões abertas para discutir planos de governo. Só não
podem pedir votos. Assim fez Sérgio Moro enquanto tentou ser candidato à
Presidência, assim como André Janones (Avante-MG) e Eduardo Leite (PSDB-RS).
O teto de gastos de campanha é uma realidade
bem definida e regulamentada a cada eleição. O mesmo, contudo, não se aplica à
pré-campanha. Não há na lei mencionada nem em qualquer outra a definição
explícita de limite de despesas, nem mesmo ideia consolidada no campo jurídico,
muito menos jurisprudência a respeito. Com um detalhe adicional: a legislação
prevê que os gastos precisam ser compatíveis com as possibilidades de um
pré-candidato médio. A intenção é justa, isto é, frear gastos extraordinários
ou muito significativos que gerem desequilíbrios na disputa.
Justa, porém insuficiente. Sua subjetividade a converte em terreno fértil para questionamento. Essa indefinição alimenta o apetite de oportunismos e escancara a necessidade de revisão. Com regras genéricas, tem-se o pior dos mundos para um debate jurídico-eleitoral: a análise de um caso feita com base no que a lei deveria ser, e não no que efetivamente é. Uma regulamentação mais clara precisa dizer, por exemplo, quais os tipos de gasto que são possíveis na pré-campanha e definir o que é e o que não é um gasto moderado para o período. Não atenuará os muitos problemas de quem já foi o maior algoz dos políticos, mas pelo menos reduzirá as chances de mais insegurança jurídica no futuro.
MP para reduzir conta de energia elétrica é
ineficaz
Valor Econômico
Há formas mais inteligentes e baratas de o
presidente Lula tentar melhorar sua popularidade
O presidente Lula tenta de forma errada
encontrar uma solução para sua popularidade em queda. Mal assessorado pelo
núcleo do Planalto e pelos expoentes do Ministério de Minas e Energia, o
presidente assinou uma medida provisória que antecipará o pagamento de R$ 26
bilhões decorrentes da privatização da Eletrobras para
reduzir a conta de energia dos consumidores. No fim das contas, porém, as
tarifas aumentarão a médio prazo. Além disso, o motivo para a ação é péssimo -
queda na avaliação de um mandatário que concorrerá à reeleição - e justifica os
piores temores, os de que são as chances de continuar no poder que determinarão
as medidas do Executivo a partir de agora.
Em vez de buscar uma solução racional, o
governo fez o caminho inverso: convocou especialistas do setor para apontar
saídas não antes, mas depois de editar a MP. Uma discussão iluminada sugeriria
aos assessores do Executivo que prestassem atenção no que dizem todos os que
reclamam do progressivo encarecimento do custo da energia - não só consumidores
de baixa renda, mas indústrias, comércio, associações do setor etc. Com uma das
matrizes energéticas mais limpas do mundo, e grande sobra, o Brasil tem uma das
energias mais caras do mundo.
Todos os problemas do setor elétrico foram
parar na conta dos consumidores residenciais, dada a profusão de subsídios, em
especial a energias renováveis, que já deveriam ser escalonadamente reduzidos.
A MP é um exemplo do que não deve ser feito. O objetivo da medida é reduzir
entre 3,5% e 5% a conta. O adiantamento de R$ 26 bilhões amortizará duas
pesadas contas do passado, de cerca de R$ 11 bilhões, relativas ao
ressarcimento da queda de consumo provocada pela pandemia de covid-19 e pelo
uso de termelétricas, o insumo mais caro do sistema, durante a escassez de
energia em 2021. Esse dinheiro não existe. Será um empréstimo feito com
recebíveis junto aos bancos, com pagamento de juros e encargos. Quando a conta
dos empréstimos chegar, o custo voltará a atordoar os consumidores, que se
beneficiarão apenas de um alívio imediato.
Os governos petistas ajudaram a transformar
problemas complexos de um setor já complicado em um pesadelo. Dilma Rousseff,
ministra de Minas e Energia, depois ministra chefe da Casa Civil e, por fim,
presidente da República, editou a MP 579 em 2012 para reduzir o preço cobrado
pela energia do consumidor em 20%. Em 2014 a conta de energia já havia subido
25% e, em 2018, 50%. Aos desarranjos desse período foram acrescentados outros a
partir daí. Os encargos extras nas contas de energia - boa parte deles não deveria
estar ali - somam 13% do total da tarifa.
A liberalização do mercado, uma solução
correta, seguiu caminhos tortuosos e acresceu custos. O aumento do número de
consumidores que poderiam escolher quem lhes fornece energia, com base no
mercado livre, ocorreu ao mesmo tempo em que foram concedidos subsídios, também
corretos, para a expansão de fontes alternativas. No entanto, quem recebeu os
subsídios migrou para o mercado livre, reduzindo a base de consumidores que têm
de pagar os encargos correspondentes. Além disso, com base nos incentivos, a oferta
total de energia ultrapassou em muito a demanda, com a consequência exótica de
que, mesmo assim, seu preço continuou subindo.
Pelos dados da Associação Brasileira dos
Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), em termos de
renda per capita, o Brasil tinha em 2022 um custo residencial da energia
elétrica maior do que todos os 34 países ricos da OCDE. “O consumidor subsidia
combustíveis fósseis, paga o risco hidrológico, segurança energética, energia
de reserva, sobra de energia e a expansão desnecessária da transmissão, tudo
isso custo de geração”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e colunista
do Valor.
O desenho da MP traz os contornos das
distorções do sistema. Energias alternativas, cujos custos caíram a mais da
metade do que quando surgiram, tiveram prorrogados por mais 36 meses o prazo
para que entrem em operação com subsídios. Para a Abrace, a conta será de R$
4,5 bilhões por ano a partir de 2029. Para Santana, que estima em 90 GW a
capacidade adicional dessas fontes que ainda não produzem, a conta total ficará
entre R$ 17 bilhões e R$ 19 bilhões.
As lideranças do Congresso contribuem para o
caos. Além de empilhar caras usinas térmicas a gás desnecessárias no projeto de
privatização da Eletrobras,
agiram, por exemplo, para fazer com que a Aneel suspendesse reajuste de 34% nas
tarifas do Amapá, base política do senador Davi Alcolumbre (União Brasil), que
cobiça o comando do Senado em 2025.
O início de uma solução para o inacreditável problema de tarifas estratosféricas em um país com sobra de energia passa pela alocação dos subsídios tidos como necessários fora da conta de luz e no lugar a que pertencem: o orçamento da União. Ao mesmo tempo, seria possível abrir a todos a adesão ao livre mercado e repartir democraticamente o custo dos subsídios adequados. Para Santana, a conta de luz cairia 12% “sem truques”. Há assim formas mais inteligentes e baratas de o presidente Lula tentar melhorar sua popularidade.
"Democracia sempre, sem fake news"
Correio Braziliense
Por meio delas, inverdades ganharam e seguem
conquistando dimensões exponenciais — um fenômeno que ganha contornos ainda
mais preocupantes em ano eleitoral
A decisão da Câmara dos Deputados de zerar o
projeto de lei das fake news desacelera o enfrentamento a uma questão urgente
para o país. As redes sociais tornaram-se instrumento para publicações de
textos e gravações fantasiosas e agressivas que atingem instituições diversas,
integrantes do Judiciário, Executivo e Legislativo, políticos dos mais
diferentes matizes ideológicos e partidários, além de ilustres personalidades
de diferentes segmentos sociais. Por meio delas, inverdades ganharam e seguem
conquistando dimensões exponenciais — um fenômeno que ganha contornos ainda
mais preocupantes em ano eleitoral.
Não há dúvidas quanto ao poder destruidor da
desinformação. Os negacionistas da ciência, da medicina e de todos os avanços
obtidos no país induziram parcela expressiva da população a rejeitar a
vacinação durante a pandemia da covid-19. A peste da descrença, que vinha se
alastrando antes mesmo da crise sanitária, ganhou mais força. E ainda hoje se
mantém atuante, com a rejeição de milhares de brasileiros à lista de vacinas
contra mais de uma dezena de doenças oferecido pelo Sistema Único de Saúde
(SUS).
Na política, a prática de achincalhar os
adversários e os apoiadores dos oponentes chegou aos tribunais — e, para
muitos, rendeu gordas indenizações em dinheiro. Agora, mais do que nunca,
desperta preocupação quanto ao cumprimento de regras eleitorais e uso de
inteligência artificial. Não à toa, há um mês, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) inaugurou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da
Democracia.
Criar e disseminar fake news é comportamento
absolutamente oposto à liberdade de expressão, direito basilar do Estado
Democrático de Direito, que não comporta mentiras, difamações, discursos de
ódio e apelos inflamados à violência. Ao infringirem os limites da liberdade de
expressão, os antidemocráticos fomentaram os atos deletérios de 8 de janeiro de
2023. A expectativa era a de empurrar o Brasil e a conquista da democracia em
1985 para o abismo do obscurantismo, da violência, da supressão das liberdades
individuais e coletivas. A união firme do Legislativo, Executivo e Judiciário
impediu a vitória do atraso. Espera-se, agora, que a decisão de sepultar o
projeto de lei das fake news tomada pela Câmara não se transforme em mais um
capítulo da tensão entre os Poderes.
Diante da decisão da Câmara, o Supremo
Tribunal Federal julgará uma ação que trata da responsabilização dos provedores
pelos conteúdos criados por terceiros, como exige o artigo 19 do Marco Civil da
Internet (Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014), provocado pelo Facebook.
Segundo o presidente da Casa Legislativa, Arthur Lira, a decisão tomada pelo
ministro Dias Toffoli não é uma interferência indevida, "uma coisa não tem
nada a ver com a outra".
Os deputados, segundo Lira, vão com "muita tranquilidade e transparência" atuar em grupos de trabalho para lidar com o tema. O PL das fake news, porém, está adormecido há quatro anos. Ganhou nova urgência com os embates entre Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro Alexandre de Moraes. Que este seja, de fato, o momento para uma resposta à altura à sociedade. A democracia não pode esperar.
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