terça-feira, 9 de abril de 2024

Míriam Leitão – A lei e o ataque de Elon Musk

O Globo

O ataque do dono do ex-Twitter mostra a necessidade urgente de uma regulação sobre as plataformas digitais

Qualquer empresa estrangeira presente em outro país se submete às leis locais. Em qualquer país, inclusive nos Estados Unidos. Portanto, quando o bilionário Elon Musk faz um ataque pessoal a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e acrescenta a ameaça de descumprimento de ordens judiciais, ele sabe que está infringindo uma norma legal que está presente em todos os países. A reação do ministro Alexandre de Moraes era, portanto, previsível, num evento cujos desdobramentos são ainda difíceis de prever, mas será muito ruim se terminar com a retirada da plataforma do país.

O que o episódio deixa claro é a falta que faz uma regulação brasileira sobre as mídias sociais, plataformas digitais e de mensagens. Eles não podem ser caminho para a prática de crimes, como de apologia antidemocrática, pedofilia, assédio, calúnia, difamação, tráfico de armas, entre outras postagens criminosas. Da mesma forma que a imprensa não pode ser veículo desses mesmos ilícitos. A responsabilidade da plataforma precisa ficar mais bem definida, até porque os algoritmos podem ser codificados para impedir a disseminação de práticas ilegais.

O bolsonarismo tenta transformar o debate em defesa da liberdade. Essa corrente política fez o atentado mais recente contra a democracia no Brasil que culminou no ataque de 8 de janeiro, portanto não há qualquer sinceridade nisso. A postagem do ex-presidente Jair Bolsonaro, chamando o empresário de “mito da nossa liberdade” depõe contra Elon Musk, dado que o projeto de poder do antigo governante brasileiro era dar um golpe de Estado, substituindo juízes eleitorais por uma tal “comissão de regularidade eleitoral” com maioria de militares. É conhecida a técnica da extrema direita de usar o nome da liberdade para suprimi-la.

Twitter foi, desde o seu aparecimento, uma plataforma de informação, debate e ideias. Porém, ao ser comprada por Elon Musk, que mudou o nome para o esquisito X, passou a ser vista como um ambiente para o crescimento da extrema direita, amplificando o principal defeito das redes em geral e dessa em particular de disseminar os discursos de ódio, com a utilização, inclusive, de perfis falsos para escapar de qualquer responsabilização legal.

Musk é especialista em postagens polêmicas, porque é isso que gera engajamento, os ataques de ódio aumentam a audiência. Não é apenas uma ação ideológica do empresário, apesar de ele já ter deixado evidente seu alinhamento com a extrema direita. O caminho da espetacularização, que ele usou nos últimos dias no ataque ao ministro Alexandre de Moraes, é estratégia de negócios também.

Toda democracia precisa ser protegida dos seus inimigos, porém a democracia é um regime naturalmente mais permeável aos críticos. Sua força vem dessa vulnerabilidade. Uma democracia é submetida ao escrutínio de pessoas com visões divergentes. Ela se sustenta na diversidade de pensamento. Se estiver totalmente blindada aos críticos estará no caminho da perda da sua identidade. O Brasil está em um momento delicado, em que precisa defender a democracia, que nos custou tão caro, de inimigos que a atacam com o objetivo de destruí-la. Mas em sua defesa terá que seguir procedimentos e ritos absolutamente democráticos, o devido processo legal.

O que torna mais difícil esse equilíbrio entre a autodefesa da democracia e a liberdade de opinião e crítica, é que os que conspiram contra a democracia, como Bolsonaro e seus seguidores extremados, querem manipular a ideia da supressão da liberdade de expressão.

Nesse episódio de Musk, não está em jogo a liberdade de expressão, mas outro princípio da democracia que é o respeito às decisões judiciais, ainda que discordando delas. Sempre haverá a possibilidade de se recorrer à própria Justiça, mas jamais desrespeitar a ordem judicial. Ele pregou, neste fim de semana, o mesmo que Bolsonaro bravateou no discurso de 7 de setembro de 2021, no comício da Avenida Paulista, de desobediência às decisões do ministro Alexandre de Moraes. O alvo é o mesmo de Musk agora. O que Musk está dizendo é que ele, mesmo estando no Brasil, não se submeterá às leis brasileiras. Como sempre acontece com a extrema direita, ele quer transformar uma questão institucional numa briga pessoal. O que está em debate é a democracia e o princípio universalmente aceito de que empresas instaladas num país submetem-se às leis daquele país.

 

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