O poder do voto
Correio Braziliense
O voto consciente, feito com o conhecimento da trajetória e das propostas dos candidatos, é fundamental. A ideia de que os políticos são todos iguais não passa de um enorme equívoco
Em 2024, eleitoras e eleitores vão às urnas para escolher os gestores municipais. Em 6 de outubro, ocorre o primeiro turno, e, em 27 do mesmo mês, pode haver o segundo em locais com mais de 200 mil votantes. O comparecimento é obrigatório para os brasileiros alfabetizados com idade entre 18 e 70 anos.
O prazo de regularização da situação eleitoral — tirar o título, solicitar transferência, atualizar dados e colher a biometria — termina em 8 de maio. Depois dessa data, o cadastro será fechado para a organização do pleito, só reabrindo em novembro. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) orienta que o cidadão resolva as pendências o mais rápido possível, evitando complicações de última hora.
Instrumento de garantia da democracia, o voto determina os representantes políticos da população, definindo os rumos das cidades, dos estados e do país. Daí a extrema importância da participação de todos. As mudanças e melhorias da vida em sociedade dependem das decisões tomadas nas mesas dos gabinetes — no entanto, o processo começa com os resultados das eleições.
O prefeito é o chefe do Executivo municipal, cujas atribuições incluem administrar os serviços públicos, decidir onde serão aplicados os recursos, planejar quais obras devem ser executadas e os programas implantados. O vice acompanha essas tarefas e pode assumir a função em situações necessárias. Os vereadores estão mais perto das comunidades e têm que ouvir suas vozes. Na Câmara, propõem e aprovam leis, além de fiscalizar o trabalho das prefeituras.
Neste ano, a expectativa é de que o Brasil contará com um número aproximado de 155 milhões de eleitores. A escolha dos governantes é um direito assegurado na Constituição e um dever sob o ponto de vista de que o voto determina não apenas o futuro da nação, mas também o que ocorre no presente. Deixar de cumprir essa obrigação é uma dupla renúncia — individual e coletiva. Nos mais de 5.500 municípios do país, os investimentos em segurança, mobilidade, saúde, educação, infraestrutura e transporte público partem das urnas.
O voto consciente, feito com o conhecimento da trajetória e das propostas dos candidatos, é fundamental. A ideia de que os políticos são todos iguais não passa de um enorme equívoco. A verdade é que, em meio às candidaturas, há muitas opções alinhadas aos valores intrínsecos aos cargos. E com a era das redes sociais, o compromisso dos eleitores aumenta. Nos últimos tempos, essas mídias se tornaram lugares para o compartilhamento de publicações relacionadas à política nem sempre fiéis aos fatos. As fake news se espalharam de uma forma assustadora, atingindo os mais diversos assuntos e chegando com força à esfera política.
A Justiça Eleitoral tem reagido com um aparato legislativo e de resoluções para minar a ação enganosa. No último 1º de abril, considerado o dia da mentira, o TSE divulgou a mensagem: "Você se torna eternamente responsável por aquilo que compartilha", chamando a atenção para o combate à desinformação e para a responsabilização de quem dissemina conteúdos falsos. A conduta passou a ser enquadrada com base na Lei 14.192/2021, e qualquer um que dissemine esse tipo de conteúdo está sujeito a responder segundo o texto.
A regra protege o eleitor, que fica exposto a uma série de informações falsas on-line, e busca coibir a prática. Assim, o recado é de que cada um deve verificar o que circula nas redes sociais para não ser ludibriado ou ludibriar.
Escolher bem os representantes é o recurso que a população possui para ter suas demandas atendidas. Votar de maneira responsável leva ao fortalecimento da democracia e ao amplo desenvolvimento social e econômico do país. Conhecer os candidatos e avaliar o que está nas telas são requisitos para fazer valer o poder do voto.
O Globo
Reunião da OMS em Genebra apresentará agenda
para evitar repetir erros do combate à Covid-19
A Organização Mundial da Saúde (OMS)
deverá se reunir no mês que vem em Genebra com o objetivo de formular um pacto
global para que, na próxima pandemia, não se repitam os erros cometidos na
última. O balanço da experiência mundial no enfrentamento da Covid-19 é
negativo: falta de medicamentos e vacinas para todos, descoordenação entre
países e atrasos contumazes, com um saldo oficial de 7 milhões de mortos
(embora se saiba que o impacto do coronavírus tenha
resultado em mais de 25 milhões de vidas perdidas).
Para fundamentar as discussões, a OMS mobilizou um grupo que, durante oito meses, auditou o comportamento dos países e da própria organização. Um resumo desse trabalho, publicado pelo jornal The Washington Post, registra que, apesar de anos de alerta sobre a ameaça inevitável de uma pandemia, não foram tomadas as medidas de precaução necessárias. O mundo não entrou em prontidão como deveria. “A preparação foi inconsistente e sem base. O sistema de alerta foi muito lento”, afirma o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
As clínicas em Wuhan, cidade da China onde surgiram
os primeiros casos da doença, foram rápidas em identificar uma pneumonia de
origem desconhecida no final de dezembro de 2019. Mas, depois disso, a
notificação formal à OMS demorou. Perdeu-se um tempo precioso. Se tivessem sido
adotadas desde o início, medidas de isolamento poderiam ter evitado que a nova
cepa de coronavírus se espalhasse.
Entre as propostas levadas a Genebra está a
criação, pela OMS, de um novo sistema global de vigilância, usando modernas
ferramentas digitais. A reunião também deverá deliberar sobre uma autorização
para a OMS divulgar informações sobre riscos de pandemias sem aprovação prévia
dos governos.
Um ponto central é o acesso rápido de
cientistas ao material recolhido de pacientes e aos locais onde são apontados
os primeiros casos de uma nova doença em qualquer país. A OMS pretende propor
um acordo internacional para garantir que não se perca tempo em burocracias.
“Doenças não respeitam fronteiras”, diz o Post. “Reter informações põe todo o
mundo em risco.”
Quanto aos recursos, a ideia é criar um fundo
global contra pandemias, constituído por doações proporcionais ao nível de
desenvolvimento dos países. Esperam-se contribuições entre US$ 5 bilhões e US$
10 bilhões por ano, de modo que, quando necessário, o fundo tenha recursos para
desembolsar de US$ 50 bilhões a US$ 100 bilhões em apoio às emergências.
No campo do aprendizado positivo, é preciso
registrar que as vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde. Mas faltou
distribuí-las de forma mais equânime. Daí a proposta de que a Organização
Mundial do Comércio (OMC) e a OMS tratem com produtores de imunizantes e seus
países a cessão voluntária da tecnologia. Se não houver acordo num prazo de
três meses, a proposta é abrir exceção com base na legislação sobre direito a
propriedade intelectual, como no caso da quebra de patentes das drogas no
combate ao HIV.
Os críticos da OMS afirmam que ela quer ser
uma “polícia global da saúde pública”. Mas a pandemia de Covid-19 foi uma prova
irrefutável da necessidade de coordenação global no combate às novas doenças.
Ideologia e política não deveriam prejudicar o entendimento entre países para
combaterem juntos ameaças à espécie humana.
Além das falhas da Enel, apagões em SP
expuseram limitações da Aneel
O Globo
Falta de pessoal, pressão política e
dificuldade na fiscalização deixam população refém das concessionárias
Não foi apenas a ineficiência da
distribuidora Enel que
ficou exposta nos apagões recentes que deixaram moradores de São Paulo sem luz
por uma semana. O episódio também arranhou a imagem da Agência Nacional
de Energia Elétrica
(Aneel),
que teve de ser acionada pelo governo para instaurar um processo de
investigação das causas das falhas no fornecimento de energia à Região
Metropolitana.
A Aneel deveria ter agido no caso da Enel-SP
há mais tempo. Não era preciso o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito
Ricardo Nunes terem defendido não renovar ou cassar a concessão da
distribuidora nem o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira,
pressioná-la a agir. Desde o apagão de novembro do ano passado, que deixou às
escuras 4 milhões — um quarto da clientela na capital paulista —, estava
evidente a incapacidade da Enel-SP de sustentar o fornecimento de energia à
maior cidade do país e de atender às reclamações em prazo aceitável.
Em fevereiro, a Aneel decidiu multar a
Enel-SP em R$ 166 milhões. Só na semana passada, diante da pressão do novo
apagão que afetou a região central de São Paulo, rejeitou o recurso da empresa,
que ficará obrigada a pagar a multa. Mas desde 2018 as multas já somam mais de
R$ 700 milhões — e isso pouco adiantou.
Em reunião de diretoria recente, o diretor da
Aneel Ricardo Tili afirmou que a agência não tem mais estrutura para fiscalizar
o setor elétrico. De acordo com ele, o quadro de pessoal é adequado a uma
realidade de 25 anos atrás, quando a participação da iniciativa privada era
menor. Levantamento da Controladoria Geral da União (CGU) constatou que apenas
0,5% dos recursos da agência foram destinados à fiscalização. Os funcionários
caíram de 730 em 2014 para 558 neste ano.
Uma solução sugerida à diretoria da agência é
abrir consulta pública sobre a descentralização dos serviços de fiscalização.
Não é uma saída original. Desde que surgiu, a Aneel faz convênios com agências
de estados para ajudá-la a fiscalizar as distribuidoras. A dificuldade, de
acordo com técnicos do setor, é que na maior parte dos estados falta às
agências locais a competência necessária para a tarefa.
A crise da Enel-SP pegou a Aneel num momento
de conflitos internos, com a tentativa de interferência tanto das empresas
quanto do Ministério de Minas e Energia. As administrações petistas nunca
esconderam a intenção de esvaziar as agências reguladoras para recuperar a
influência política do Executivo sobre setores da economia. Mas essas agências
existem justamente para defender o interesse de consumidores e usuários dos
serviços públicos. Por isso têm de ser blindadas contra lobistas, políticos e
governos clientelistas. Precisam, também, contar com estrutura técnica capaz de
agir a tempo para evitar prejuízos à população, como os causados pela Enel-SP.
Sem capacidade de fiscalização e sem se guiar por critérios técnicos, o
resultado é a sucessão de apagões que temos visto.
Fragilidade da regra fiscal fica mais
evidente
Folha de S. Paulo
Com manobra orçamentária e projeção de
descumprimento de metas no futuro, escancara-se que alta do gasto é
insustentável
À custa de sua própria credibilidade, o
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) patrocinou uma manobra para
ampliar o limite de gastos do Orçamento em R$ 15,7 bilhões neste
ano. A mudança —que só deveria ocorrer em maio, a depender da alta da
arrecadação— foi incluída num outro projeto e aprovada pela Câmara sem alarde.
Com isso, fica menos provável o
contingenciamento de gastos para atingir a já pouquíssimo crível meta de zerar
o déficit das contas federais neste ano.
Também ficam preservadas as emendas
parlamentares a poucos meses das eleições municipais, sem dúvida um dos motivos
para a colaboração dos congressistas para a alteração casuística.
É verdade que o aumento do limite de gastos
era esperado, mas a
facilidade com que se mudam as regras é evidência da baixa
disposição para ajustar as contas.
Integrantes do Ministério da
Fazenda minimizam a importância da alteração e argumentam que a
espinha dorsal da regra fiscal está preservada. Referem-se ao limite para as
despesas, que só podem ser ampliadas em 70% da expansão das receitas a partir
deste ano —recorde-se que, em 2023, os desembolsos subiram exorbitantes 12,5%
acima da inflação.
Não será fácil para o Planalto cumprir os
compromissos assumidos. Já está claro, por exemplo, que nas próprias projeções
da Fazenda a perspectiva de mais arrecadação se esvazia e que sem contenção de
gastos não será possível restaurar saldos positivos nas contas em 2025 e 2026.
Pior, também está à vista de todos que o novo
regime fiscal é inconsistente por não conter a expansão contínua dos pagamentos
obrigatórios, que perfazem cerca de 90% do Orçamento da União.
Não basta, como se faz na lei complementar
que baliza o regime, fixar limites máximos para a despesa total enquanto
desembolsos com Previdência e assistência social, benefícios
trabalhistas, educação e saúde seguem
regras próprias que garantem correção maior.
Sem alterar tais critérios, o que depende de
um amplo conjunto de medidas corajosas, o resultado inevitável é o progressivo
encolhimento dos recursos necessários para obras de infraestrutura e o custeio
da máquina pública
Reformas como a desvinculação entre
benefícios previdenciários e o salário
mínimo e mudanças nos critérios de correção das despesas em
saúde e educação são necessárias, mas impensáveis para o governo petista.
Talvez ainda não esteja claro para Lula, mas a opção
apenas por mais gastos não se sustenta e, se mantida, ameaça
resultar em degradação da economia nos
dois anos finais de seu atual mandato.
Equador sem limites
Folha de S. Paulo
Noboa deve pacificar o país em vez de violar
direitos com invasão de embaixada
Desde 2019, o cenário político do Equador é
marcado por protestos, dois processos de impeachment, dissolvição do
Parlamento, um candidato à Presidência assassinado e estado de exceção.
Esperava-se que o presidente Daniel Noboa,
liberal eleito em outubro do ano passado, ao menos se esforçasse para acalmar
os ânimos. Mas, em 5 de abril, resolveu mandar às favas princípios básicos da
diplomacia ao permitir a
invasão da embaixada do México, em Quito,
por suas forças de segurança.
Agentes encapuzados invadiram o prédio e
prenderam o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, que lá estava refugiado
desde dezembro de 2023 após ser condenado por um caso de corrupção.
Segundo a Convenção de Viena, assinada pelo
Equador em 1961, prédios de missões diplomáticas são imunes a buscas e
apreensões.
A desculpa dada pelo governo Noboa para
violar o direito internacional foi um mero pronunciamento do presidente
mexicano, Andrés Manuel López Obrador.
AMLO,
como é conhecido, havia dito que o assassinato de Fernando Villavicencio,
candidato de centro-direita no pleito presidencial de 2023, havia aberto
caminho para a vitória de Noboa.
Na quinta (11), o México
entrou com representação na Corte Internacional de Justiça,
solicitando a suspensão do país andino da ONU até que um pedido público oficial
de desculpas seja emitido.
Com exceção de Equador e El Salvador, todas
as nações da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenaram
a invasão da embaixada; a Comunidade dos Estados da América
Latina e do Caribe deve seguir o mesmo caminho.
Noboa chegou
ao poder em meio a um caos político, por eleição decretada após a
dissolvição do Parlamento pelo ex-presidente Guillermo Lasso. A sociedade vive
uma escalada de violência gerada
pela expansão do narcotráfico.
O presidente deveria buscar, portanto, pacificar o país e proteger as instituições democráticas. Violar regras diplomáticas, a partir de motivação político-partidária rasteira, e tornar-se pária internacional em nada contribui para melhorar a vida dos equatorianos.
Temporada de guerra
O Estado de S. Paulo
Conflito entre Lira e Padilha faz lembrar de
tumultos que jogaram o País na crise
Os novos capítulos da guerra aberta entre o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), e o ministro Alexandre Padilha (PT) –
que incluíram declarações duras do deputado e intervenção esperta do presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) – oferecem todos os elementos de um enredo
conhecido na história das relações entre Executivo e Legislativo no Brasil. Em
ano de sucessão da Mesa Diretora da Casa, há mais em jogo do que a tradicional
disputa por protagonismo: gestos, atos e fatos são tisnados pelo xadrez da sucessão
no Congresso e, conforme o grau de intervenção do governo sobre a eleição das
Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, os efeitos costumam ser danosos para a
tramitação de projetos relevantes, para a sobrevivência política dos
personagens envolvidos e para a governabilidade. Eis por que é o momento de
pedir serenidade a quem deseja espalhar brasas onde já existe fogo alto.
O País viu Arthur Lira novamente elevar o tom
contra o responsável pela articulação política do Palácio do Planalto. Acusou o
governo de atribuir-lhe a derrota pela manutenção da prisão do deputado
Chiquinho Brazão (sem partido) – suspeito de ser um dos mandantes do
assassinato de Marielle Franco – e por um suposto enfraquecimento de sua
liderança. Lira apontou o dedo especialmente para Padilha, a quem classificou
de “desafeto pessoal” e “incompetente”. Em resposta, o ministro publicou vídeo
em que o seu chefe o elogia e garante sua permanência na pasta. Um dia antes,
Lira já havia se oposto a ministros e à base governista ao decidir barrar a
tramitação do projeto de regulação das plataformas digitais. Ele parece
calcular a disposição para mexer num vespeiro que é caro à bancada bolsonarista
num momento em que também precisa de votos para eleger seu sucessor. Por fim, o
senador Rodrigo Pacheco prestou socorro a Padilha: “Ninguém é perfeito, mas
ninguém também é tão mau assim”, disse o mineiro.
O que também não é tão mau é levar em conta o
passado. Há muitos exemplos que converteram a eleição das Mesas Diretoras em
disputas fratricidas de consequências históricas. Foi na Câmara que uma eleição
abriu as portas da desestabilização do governo de Dilma Rousseff no Congresso:
a vitória de Eduardo Cunha (MDB) sobre Arlindo Chinaglia (PT), em 2015, deu a
ele não só o poder na Casa, como também o ressentimento com a intervenção do
Palácio em favor do petista. Dilma se tornaria vítima de Cunha, responsável por
acolher o pedido de impeachment naquele ano. O PT já enfrentara problemas dez
anos antes, quando Lula, então no primeiro mandato, viu uma divisão interna do
partido na sucessão da Câmara: Virgílio Guimarães (MG) foi o candidato
dissidente; Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), o nome oficial do governo. A fratura
abriu caminho para Severino Cavalcanti (PP), à época conhecido como o rei do
baixo clero, que impôs uma derrota constrangedora a Greenhalgh e ao governo.
Essas disputas acirradas só são comparáveis
ao histórico embate, no Senado, entre Antonio Carlos Magalhães (então no PFL e
líder inconteste do Senado) e Jader Barbalho (MDB). Os dois caciques tentaram
destruir politicamente um ao outro, com dossiês e acusações mútuas de
corrupção. Em poucos meses, atingiram seus objetivos e acabaram renunciando aos
respectivos mandatos.
A aliança ou não com o governo e o tamanho do
poder da presidência da Câmara e do Senado costumam ser fatores decisivos para
demarcar graus de sucesso e insucesso de governos. O pefelista Luís Eduardo
Magalhães e o tucano Aécio Neves contribuíram para a razoável estabilidade do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Os emedebistas José Sarney e Renan
Calheiros foram essenciais para o lulopetismo então intoxicado pela fumaça do
mensalão. Por outro lado, ter no comando do Congresso algozes oposicionistas costuma
complicar a vida de governos. Do mesmo modo, não foram raros os presidentes da
Câmara e do Senado atingidos por reveses e ostracismo após seus mandatos.
Esses exemplos do passado deveriam estar na
cabeça dos artífices da disputa atual. Não é remota a probabilidade de que a
história se repita – e, como tragédia ou como farsa, quem perde é o País.
Desconfiança ampla, geral e irrestrita
O Estado de S. Paulo
Poderes não servem bem ao País quando
calibram suas atribuições pelo cálculo em disputa por protagonismo que até pode
lhes render vitórias pontuais, mas derrota toda a sociedade
A provável alteração de entendimento do
Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o foro especial por prerrogativa de
função, o chamado “foro privilegiado”, deve resultar na extensão da jurisdição
do STF sobre crimes praticados por agentes políticos, notadamente
parlamentares, durante o exercício de sua função. Mesmo que seja outro o
desfecho desse julgamento, a iniciativa do Tribunal e o momento em que a adota
dão mostra da desconfiança que preside as relações entre Supremo e Congresso;
desconfiança que, de resto, permeia a sociedade brasileira em seus mais
diferentes âmbitos nos últimos tempos.
No aludido julgamento, o ministro Gilmar
Mendes sustenta que o agente político com foro no STF deve ser julgado ali
inclusive depois da sua saída do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal
correspondente sejam iniciados após o fim do mandato. Isso só não será assim no
caso de crime praticado antes da investidura no cargo ou que não possua relação
com o exercício dele. O voto de Mendes já conta com a adesão de quatro
ministros do Tribunal.
Esse novo entendimento sobre o foro, como já
destacado neste espaço, altera a posição adotada pelo Supremo apenas seis anos
atrás. Na ocasião, o Tribunal também concluiu que apenas os crimes cometidos
por certas autoridades durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo
poderiam ser julgados pela Corte. A diferença é que, para o Supremo de 2018, ao
fim do mandato da autoridade envolvida, seu processo deveria ser remetido à
instância competente. Agora, a confirmar-se a posição de Mendes, o processo fica
no Supremo.
Em seu voto, o ministro elenca argumentos de
fato e de direito justificadores da mudança proposta. O que não aparece no
voto, mas paira sobre a iminente decisão do Tribunal, é a disputa que opõe o
STF a parlamentares descontentes seja com decisões específicas da Corte, seja
com o protagonismo assumido por ela nos últimos anos. Dessa disputa já
derivaram tanto a oportuna PEC 8/21, que limita decisões individuais dos
tribunais contra atos legislativos, quanto a bizarra PEC 50/23, que pretende
conferir ao Congresso o poder de anular decisões do Tribunal, violando a
separação dos Poderes. A Corte, agora, parece contra-atacar atribuindo a si o
julgamento de parlamentares mesmo após a saída do cargo. Como se vê, entre STF
e Congresso reina a desconfiança.
Desconfiança que também parece inspirar a
conduta do Tribunal nos intermináveis inquéritos das fake news e das “milícias
digitais”. Por meio desses inquéritos, o STF se arvora em juízo universal da
defesa da democracia, concentrando em si o julgamento das mais variadas
condutas e de um sem-número de agentes, com ou sem mandato. Assim, o Tribunal
sinaliza sua desconfiança das instâncias judiciais ordinárias.
E não é só nas relações entre instituições
que a desconfiança vem reinando. Ela aparece, há tempos, na visão da população
sobre suas elites. A novidade é que, depois do 8 de Janeiro, também as elites
têm nutrido a desconfiança, se não temor, da população.
O fenômeno atravessa ainda outras esferas da
vida social. Foi o que vimos na pandemia de covid-19, quando uma parcela
expressiva da nossa população revelou toda sua desconfiança quanto à eficácia
das vacinas produzidas ao redor do mundo, quanto às informações divulgadas pela
imprensa profissional sobre a pandemia e quanto às recomendações da Organização
Mundial da Saúde (OMS) a respeito. Foi também o que constatou o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) em relatório de 2022. Ali, o BID apurou
que, na América Latina e Caribe, o Brasil é o país onde há menos confiança,
isto é, menos “fé nos outros – em sua honestidade, confiabilidade e boa
vontade”.
Onde há desconfiança, falta colaboração e
sobra intolerância. No canteiro de desinformação e ódio das redes sociais,
doses cavalares de desconfiança são administradas dia a dia, inclusive por
nossos representantes políticos. E não será uma lei ou uma campanha
publicitária oficial que, num passe de mágica, produzirá níveis maiores de
confiança entre nós. A política pouco pode fazer para elevar esses níveis. Que
ela ao menos pare de agir para reduzi-los ainda mais.
Jogo de interesses mina a Petrobras
O Estado de S. Paulo
Disputa política faz conselheiros romperem
silêncio e juiz afasta indicado de ministro
A suspensão do presidente do Conselho de
Administração da Petrobras por conflito de interesses, determinada liminarmente
pela Justiça Federal de São Paulo, elevou a exposição do embate travado em
torno do comando da maior empresa brasileira, ao mesmo tempo estatal e privada.
A Petrobras recorreu da decisão e há grande chance de revertê-la, mas ao
afastamento compulsório do presidente do colegiado somam-se fatos que minam a
credibilidade da companhia.
No intervalo de três dias, dois integrantes
do Conselho de Administração falaram pública e abertamente sobre a fritura do
presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, alimentada pelo ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, num raro enfrentamento travado às claras. Tampouco
é comum conselheiros se manifestarem sobre conflitos internos das empresas que
ajudam a administrar. Ao contrário, a discrição é a praxe desses profissionais,
quase uma regra implícita de boa governança.
Pietro Mendes, o presidente do conselho
afastado, é também secretário de Petróleo e Gás do MME, o que também configurou
conflito de interesse na avaliação do Comitê de Pessoas da Petrobras, que
rejeitou a indicação. Mas o governo acabou impondo a permanência do indicado de
Silveira.
Em entrevista recente ao jornal O Globo, o
conselheiro Marcelo Gasparino afirmou que trocar o presidente da Petrobras no
contexto atual seria um intervencionismo claro do governo e falou sobre a
constante disputa interna por poder político. Três dias depois, o conselheiro
Marcelo Mesquita afirmou ao Valor que a incerteza em relação ao futuro de
Prates e as divergências entre a diretoria executiva e o conselho paralisaram a
empresa. Para arrematar, defendeu de forma enfática a privatização da Petrobras
como única forma de eliminar pressões políticas.
Ambos representam acionistas minoritários,
rubrica que engloba tanto pequenos como grandes investidores, como bancos,
fundos de investimentos nacionais e estrangeiros – todos investidores com poder
de barganha que tentam colocar um freio na ambição desmedida do governo sobre a
Petrobras e que ficaram especialmente contrariados quando o governo reteve, sem
justificativa, os dividendos extraordinários de R$ 44 bilhões.
A decisão começa a ser revista pelo
presidente Lula da Silva, que resiste ao entendimento de que, apesar de deter o
controle, a União não é dona da Petrobras, que tem ações listadas no Brasil,
nos Estados Unidos e na Espanha. A parte que cabe à União não é propriedade de
governo algum, mas do País, o mais prejudicado pela ganância lulopetista que
corrói a confiança na empresa.
A posição de Lula diante do combate travado entre Silveira e Prates é inconcebível. Em público assiste ao executivo definhar sem ao menos tentar resguardar a empresa que é a maior pagadora de impostos do País e enche os cofres do Tesouro com seus dividendos. Nos bastidores, mostram as notícias, ora pende para um lado, ora para outro, de acordo com a conveniência. O interesse maior de Lula, por certo, está em quem poderá servir melhor a seu projeto político.
Trajetória dos déficits da Previdência volta
a preocupar
Valor Econômico
Um grande passo para garantir a
sustentabilidade do sistema seria equalizar os benefícios de todos os
participantes
Apenas cinco anos depois, as contas da
Previdência Social indicam que uma nova reforma será necessária a médio prazo,
em não muito tempo. Realizada em 2019, a reforma concentrou-se basicamente no
regime geral - o dos trabalhadores do setor privado, a maioria da população -,
deixou praticamente intocado o sistema dos servidores públicos e concedeu mais
vantagens aos militares. A economia da mudança em uma década foi estimada em de
R$ 1,1 trilhão, mas, sem o fim de privilégios, a tendência do déficit é crescer.
Em 2023, aumentou 12,1% em termos reais (descontada a inflação), mesmo com
grande avanço de 5,8% reais na arrecadação.
O governo atualizou as projeções e a situação
piorou. O déficit do Regime Geral da Previdência Social deve sair de 2,45% do
Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e chegar a 10,30% até 2100 - um rombo de
R$ 25,5 trilhões (Valor, 11 de abril). Este ano, é estimado em R$ 326,16
bilhões, segundo o Balanço Geral da União de 2023. A necessidade de
financiamento deve se manter em 2,45% do PIB, ou cair um pouco ao longo dos
próximos dez anos, para crescer depois.
Não se previam resultados milagrosos das
alterações feitas em 2019. Quando a reforma foi aprovada, o déficit do regime
geral era de R$ 217,5 bilhões, e, com exceção do ano seguinte, após a corrida
para a aposentadoria que toda mudança provoca, o rombo foi praticamente igual
em 2022, de R$ 265,4 bilhões. No ano passado, deu um salto para R$ 311,3
bilhões. O déficit geral, que reúne o RGPS, o dos servidores públicos e o dos
militares, manteve-se, até 2023, em 4,1% do PIB. A ação de políticas de curto
prazo, como a correção real do salário mínimo, a permanência de vantagens
previdenciárias para funcionários do Estado, civis e militares e fatores
estruturais, jogam contra o equilíbrio provisório alcançado.
As contribuições dos militares e dos
servidores públicos não são suficientes para cobrir as despesas com os
benefícios, em um déficit que nos últimos quatro anos ficou ao redor de R$ 100
bilhões. O déficit per capita dos 166 mil reservistas e 353 mil pensionistas
das Forças Armada é de R$ 92,5 mil, o maior de todos. O déficit per capita do
regime próprio dos servidores públicos, com 467 mil aposentados e 307 mil
pensionistas, é de R$ 62 mil. E o dos 39 milhões de aposentados e pensionistas
do INSS é de R$ 7,9 mil. Nos anos recentes cresceu o peso do rombo das
aposentadorias rurais, que atingiu R$ 154,1 bilhões dos R$ 265 bilhões em 2022.
O governo Lula reeditou a política de
reajuste do salário mínimo acima da inflação, com variação real correspondente
à evolução do PIB de dois anos antes. Dois terços dos benefícios variam em
função do mínimo e um aumento de R$ 1 acarreta gasto adicional previdenciário
de R$ 350 milhões. O gasto é um pouco menor porque a arrecadação também aumenta
com a majoração do salário de referência. O economista Fabio Giambiagi estimou
um aumento de R$ 10 bilhões nas despesas com essa política, que, em progressão geométrica,
ao fim de 10 anos, subirão R$ 550 bilhões a valores de hoje, isto é, metade da
economia prevista com a reforma de 2019.
Outro sorvedouro de recursos da Previdência
foi a criação, em 2008, do MicroEmpreendedor individual (MEI), com
contribuições muito abaixo dos benefícios, cujo rombo se manifestará alguns
anos à frente. Estudo de economistas da FGV Ibre mostrou que o regime especial
erra o foco, ao dar benefícios a pessoas que auferem renda maior do que a média
do país e tem escolaridade superior a ela. Desde que foi criado, o número de
empresas no país saltou de 750,2 mil para 3,9 milhões (2022), 74,6% delas como
MEI. Os beneficiários passaram de 44,2 mil em 2009 a 14,8 milhões em 2022, nada
menos de 15% da população ocupada. Sua contribuição é de apenas 5% do salário
mínimo, quando comparada a 20% dos empregadores formais e até 11% dos
trabalhadores formais e de pelo menos 8% dos empregados autônomos.
Contribuirá para reduzir as receitas e
ampliar o déficit a decisão do Congresso de reduzir os encargos previdenciários
de prefeituras com até 152 mil habitantes, de 20% para 8% até 2027. Cerca de
4.000 municípios serão beneficiados, após o Senado prorrogar uma MP excluindo o
trecho a proposta do Executivo de reduzir a queda das alíquotas a 14%, com 2%
de acréscimo anual até 2027, e restringir os municípios àqueles com até 50 mil
habitantes e renda per capita de R$ 3.895.
Os fatores estruturais também tornam o fechamento das contas difícil. A taxa de fertilidade caiu bastante e estabilizou em torno de 1,7% ao ano, enquanto o envelhecimento da população está sendo mais rápido que o previsto. A informalidade continua muito alta: 38 milhões de pessoas, ou 40% da mão de obra ocupada. Apesar de não contribuírem integralmente, ou simplesmente não contribuírem com a previdência, essas pessoas terão direito aos benefícios do Loas, de um salário mínimo, se tiverem 65 anos e renda familiar de um quarto do mínimo. Não há saída fácil para o equilíbrio da previdência, e o sistema contributivo, como o brasileiro, está em xeque mesmo nos países ricos. Entretanto, um grande passo para garantir a sustentabilidade do sistema seria equalizar os benefícios de todos os participantes.
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