quarta-feira, 24 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo dá sinal positivo ao sugerir PEC para segurança

O Globo

Envolvimento federal no combate ao crime é passo na direção correta, mas nem tudo exige mexer na Carta

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, transmitiu um sinal de que o governo parece ter enfim acordado para a crise grave que o país vive na segurança pública. Defendeu uma emenda constitucional para ampliar o poder federal na área. A proposta é atribuir a seu ministério o dever de elaborar um planejamento nacional de caráter compulsório para as demais instâncias de segurança e incrementar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) — criado em 2018, mas até agora pouco eficaz — com um fundo exclusivo, garantindo recursos adequados. Envolver mais o governo federal no combate ao crime é um passo na direção certa.

Desde a década de 1980, a atuação dos criminosos mudou. Do furto do celular no semáforo ao tráfico de drogas, a criminalidade se articula em redes comandadas pelo crime organizado. A atuação delas é regional, nacional e internacional. É, portanto, desejável que a arquitetura institucional seja atualizada para enfrentar a nova realidade. Não faz sentido manter a compartimentação definida na Constituição de 1988, em que cada força policial estadual atua de forma isolada. Basta notar que todas as iniciativas recentes de sucesso contra o crime organizado tiveram participação da Polícia Federal.

A proposta de Lewandowski acertará se der ao Susp o poder de vincular o orçamento das polícias estaduais a procedimentos, metas e prestação de contas. Também é aconselhável que redefina sua competência e área de atuação. Deve prever possibilidade de investigação e intervenção federal nas polícias sob suspeita de corrupção.

Noutra frente, diz o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, a reforma poderia promover a união dos policiamentos ostensivo e investigativo. O Brasil é um dos poucos países que separam as atividades, com resultados abaixo do esperado. Não basta simplesmente unir as polícias Militar e Civil. Juntas, elas se tornariam grandes demais para ser gerenciadas. Por isso é necessário promover uma reorganização territorial, em que o papel dos municípios seria também decisivo.

Há, porém, limitações ao que a reorganização institucional pode mudar. O governo federal jamais será chefe de todas as polícias. Nem seria aconselhável num país do tamanho do Brasil. Não há como terceirizar o empenho dos governos locais. Boa parte dos problemas de segurança pública está na má gestão estadual. Vários governadores têm pouco ou nenhum controle sobre as polícias. Com ou sem alteração na Constituição, isso precisa mudar.

Ao que parece, os planos de Lewandowski são de difícil execução. A atual composição do Congresso é um obstáculo à reforma. Há pouco consenso entre os parlamentares. A direita é porta-voz de pleitos corporativistas das forças policiais. A esquerda é reticente em levar o tema a sério e em aumentar verbas. Encontrar um denominador comum será um desafio.

Antes de tentar mudar a Constituição, o governo federal poderia agir com o que a legislação vigente já permite. Com as atuais competências do Susp, é possível começar a regular a atividade policial, disciplinando o uso de câmeras corporais e respostas a abusos. Também é possível criar parâmetros para reestruturação policial e regras sobre compartilhamento de informações. Além de coordenar o combate ao crime organizado. Para tudo isso, basta o governo federal tomar a iniciativa.

Greve no Ibama paralisa fiscalização e prejudica atividades econômicas

O Globo

Na esteira do movimento, bancada antiambientalista aproveita para tentar nova ‘boiada’ contra proteção

A greve que paralisa IbamaICMBio e Serviço Florestal Brasileiro (SFB) tem efeitos preocupantes. Deflagrada com o objetivo de obter do governo aumento de salários e a abertura de concursos para a ampliação de quadros, ela suspendeu não apenas a fiscalização de campo — essencial para conter o desmatamento — , como prejudica uma série de outras atividades econômicas que dependem de licenças do Ibama.

São afetados desde a importação de veículos até o setor de petróleo e gás. No momento, estão à espera de análises ambientais projetos de pelo menos quatro termelétricas, três parques eólicos, dez pedidos para instalação de linhas de transmissão, dois para gasodutos e 12 relacionados à exploração de petróleo, segundo O GLOBO.

Os crimes ambientais começaram a deixar de ser combatidos pelos fiscais no início do ano. Enquanto, em 2023, foram lavrados 2.629 autos de infração no período até abril, neste ano houve apenas 829, uma queda de 68,5%. Na área da Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso), a queda do número de infrações penalizadas foi de 83,5%. A greve reduziu o pagamento de multas em 98% em relação a 2023 — e estimulou as atividades ilegais que resultam em desmatamento.

Indiretamente, o movimento atende aos interesses da bancada que trabalha no Congresso para fazer passar a proverbial “boiada” de projetos enfraquecendo a proteção legal do meio ambiente. A Comissão de Meio Ambiente da Câmara está paralisada. Ainda não tem presidente. Enquanto isso, a pauta antiambiental tramita na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pela oposição. Dois projetos que reduzem a taxa de controle e fiscalização (uma das fontes de financiamento do Ibama) já passaram pela CCJ. Um deles foi aprovado de forma terminativa e enviado ao Senado sem passar pelo plenário da Casa. O outro dá isenção à silvicultura (reflorestamento, cultivo de eucalipto para fins industriais, remanejamento de florestas). Se aprovado em plenário, irá à apreciação dos senadores.

Nas palavras de Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, os projetos “soam como ataques ao próprio Ibama”. Há mais em andamento. Uma proposta na CCJ permite erguer barragens e desviar rios em áreas de preservação, favorecendo desmatamento naquelas de preservação permanente e incentivando conflitos pelo uso da água.

No final de março, a CCJ permitiu o desmatamento de áreas de vegetação não florestal — algo como 50,6 milhões de hectares, uma vez e meia o território da Alemanha. Esse projeto descabido está com os senadores. Na pauta da CCJ do Senado está também a proposta de reduzir de 80% para 50% a área de reserva legal das propriedades na Amazônia. O Executivo terá trabalho para conter a nociva pauta antiambiental. E a greve do Ibama só atrapalha, pois certamente terá impacto nos indicadores de queda no desmatamento que o governo tem exibido com orgulho mundo afora.

Menos bravatas, mais cuidado com as contas

Folha de S. Paulo

Deterioração da finança global pega no contrapé o governo, que promove gastança; no Congresso proliferam pautas-bombas

Consolida-se o cenário de deterioração da finança global, o que trará desafios extraordinários aos países descuidados do equilíbrio orçamentário, caso do Brasil sob a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nos Estados Unidos, não só se reverteu a perspectiva de haver ainda em 2024 até sete quedas na taxa de juros manejada pelo Fed como agora atribuem-se 20% de chances de ocorrer uma elevação da equivalente norte-americana da Selic, ora na faixa de 5,25% a 5,5% ao ano.

Os juros embutidos nos papéis de dois anos da dívida do Tesouro dos EUA voltaram a subir em 2024, diante da persistência da inflação, e alcançaram nesta terça (23) a maior marca em cinco meses.

Juros mais altos lá fora elevam o piso dos juros no Brasil e dificultam a redução adicional da taxa de curto prazo pelo Banco Central.

A pesquisa semanal realizada pela autoridade monetária com agentes do mercado acusou projeção de aumento da Selic esperada ao final de 2024 para 9,5% ao ano. O número ainda implica queda do patamar atual, de 10,75%, mas não se descartam novas rodadas de piora de expectativas.

Diante desse quadro, autoridades responsáveis nos três Poderes federais deveriam estar buscando maneiras de fortalecer as resistências brasileiras a mais uma provável turbulência internacional.

O que se vê, no entanto, é um espetáculo de irresponsabilidades.

As chamadas pautas-bombas tramitam e progridem no Congresso com facilidade espantosa. Um exemplo é a proposta de perpetuar na Constituição o privilégio antiquado do quinquênio para a elite do funcionalismo, que avança sob o beneplácito do presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG).

No Executivo continua a imperar o espírito da gastança.

Não bastasse ter invertido a lógica do ciclo político e desatado despesas extras de R$ 145 bilhões no primeiro ano do mandato, o governo Lula conseguiu a proeza de sabotar o seu próprio plano fiscal poucos meses após tê-lo lançado. O mal chamado arcabouço descarrilhou na primeira curva da estrada.

A piora substancial do câmbio e do mercado acionário, além da elevação dos juros da praça, não foi suficiente para o presidente desistir de suas bravatas envelhecidas e adotar, nem que por espírito de sobrevivência política, o discurso da responsabilidade orçamentária.

Pelo contrário, diante da degradação da popularidade captada em pesquisas de opinião, Lula instou auxiliares a proporem mais medidas populistas, como a de subsidiar a queda na conta de energia. Sob pressão política, a Petrobras continua a praticar preços insustentáveis nos combustíveis.

O presidente da República escolhe flertar com o risco da crise.

Democracia avaliada

Folha de S. Paulo

Em 11 de 19 países, minoria acha eleições justas; Brasil não está entre eles

De modo paradoxal, a democracia pode ser vítima de seu próprio sucesso. Avanços econômicos, dos direitos humanos, científicos e culturais nos países que primeiro a adotaram fazem com que se espere muito desse sistema político —que, na sua definição mais simples, se restringe à realização de eleições livres e justas.

Exemplo de ampliação da concepção de democracia está na pesquisa "Perceptions of Democracy", que avaliou o prestígio desse modelo em 19 países.

Menos de 50% dos cidadãos estão satisfeitos com seus governos em 17 deles, Brasil incluso, o que os torna mais vulneráveis a líderes populistas e/ou autoritários.

Mas, provavelmente, é exigir demais da democracia que ela assegure prosperidade. Ela pode ou não fazê-lo. Mesmo democracias consolidadas enfrentam problemas sociais, seja por intempéries ou por más escolhas do eleitorado.

Ademais, nações que primeiro aderiram ao sistema abrigaram outras instituições, como a liberdade de expressão e o amplo acesso à Justiça, que tendem a gerar efeitos sociais positivos e também foram avaliados pelo levantamento.

Só 12% dos brasileiros confiam na Justiça e 50% sentem ter liberdade para se expressar publicamente.
Tais elementos constituem um bônus além das eleições. Em teoria, um déspota esclarecido poderia assegurá-los sem votos.

Fato é que o regime democrático funciona porque previne a violência política. Ou seja, vale mais a pena para o grupo derrotado nas urnas esperar nova chance de assumir o poder do que tentar impor-se pela força, com risco de perder e ver-se eliminado do jogo.

O fator básico e inafastável da democracia, portanto, é a realização de pleitos tidos como livres e justos. E aí a pesquisa acende um sinal de alerta, que vai além de ampliações da definição do termo.

Em 11 dos 19 países, menos de 50% dos cidadãos consideram que as eleições são livres e justas; em 8, há mais pessoas favoráveis do que contrárias a um líder "forte que não tem de se preocupar com o Parlamento ou eleições". É a receita para o desastre —felizmente, o Brasil não está nesses grupos.

O custo político da falta de rumo

O Estado de S. Paulo

De nada adianta Lula da Silva repreender seus ministros por falhas na articulação política se o presidente não tem um plano de governo digno do nome, em torno do qual se possa negociar

O presidente Lula da Silva deu uma demonstração pública de que não é capaz de suportar sozinho, na condição de chefe de governo, as pressões políticas exercidas pelos líderes do Congresso. Sua irritação ficou particularmente visível diante da ameaça fiscal representada pela “pauta-bomba” encampada neste ano eleitoral pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco.

No dia 22 passado, no ato de lançamento do programa Acredita, Lula desandou a repreender alguns de seus ministros mais próximos pela claudicante articulação política do governo nas Casas Legislativas. Ora, seus auxiliares diretos talvez até pudessem ser mais engajados na defesa dos interesses do Executivo, mas é de Lula, em primeiro lugar, a responsabilidade de ditar o tom do diálogo institucional com o Legislativo.

Lula foi preciso ao diagnosticar uma das causas das agruras por que passa o governo no Congresso, malgrado a obviedade: seu partido, o PT, é minoria entre os 513 deputados e 81 senadores. Entretanto, ao presidente faltou a grandeza de se assumir como o maestro dessa orquestra desafinada. Mais confortável lhe pareceu distribuir pitos para todos os lados, até para o pacato vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.

Para Lula, “Alckmin tem de ser mais ágil, tem de conversar mais” com os parlamentares. Já o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome no Brasil, Wellington Dias, e o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, “têm de passar uma parte do tempo conversando”, afirmou o presidente.

Nenhuma das admoestações de Lula, no entanto, foi mais injusta do que a direcionada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad – logo ele, que tem sido talvez o único articulador político do governo minimamente hábil junto ao Congresso. Segundo Lula, Haddad, “ao invés de ler um livro”, tem de “perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara”. Além de reafirmar seu conhecido anti-intelectualismo, Lula sugeriu que Haddad fica lendo em vez de trabalhar. Diante da cobrança absolutamente disparatada, Haddad não conteve seu desconforto ao ser questionado por jornalistas. “Eu só faço isso da vida”, disse o ministro, a respeito de suas frequentes conversas com deputados e senadores.

Esse descompasso político entre governo e Congresso é decorrência de dois problemas fundamentais. O primeiro, de contornos mais nítidos, é a absoluta falta de um projeto de governo digno do nome, por meio do qual Lula pudesse engajar a sociedade e seus representantes no Legislativo para negociar termos e prioridades. Quando o presidente cobra de seus ministros mais participação na articulação política com os parlamentares, a que, exatamente, se prestaria essa articulação? Aonde Lula pretende levar o Brasil? Que país deseja legar ao sucessor? Não se sabe, provavelmente porque nem Lula saiba, preocupado que está em apenas chegar em 2026 em condições de concorrer à reeleição.

O segundo problema, não menos preocupante, é a recalcitrância de Lula em enxergar as transformações pelas quais passaram o Brasil e o mundo desde a sua primeira eleição para a Presidência da República. Talvez acreditando que neste terceiro mandato estaria liberado para brincar de grande estadista mundo afora após “salvar a democracia” no Brasil, Lula terceirizou a tarefa de governar a um punhado de ministros. Não surpreende, nesse sentido, que, quando os problemas começam a bater à sua porta com mais força, o presidente saia dando broncas nesses auxiliares – que, como tais, dependem diretamente do envolvimento do chefe para ter sucesso em suas atribuições.

Nesse afã de posar como um líder capaz de influenciar questões globais sobre as quais tem pouca ou nenhuma influência, ao mesmo tempo que, no plano interno, quer ser visto como o presidente que recolocou o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, usando para isso modelos que já se provaram equivocados no passado, Lula corre o sério risco de não conseguir nem uma coisa nem outra. Irritar-se com seus ministros não vai mudar essa realidade.

Os gastos que ignoram o arcabouço

O Estado de S. Paulo

A existência de limites para o aumento das despesas deveria valer para toda e qualquer área. Rever os engessamentos orçamentários é necessário para garantir a credibilidade das metas fiscais

Mal teve de alterar as metas fiscais para 2025 e 2026, o governo terá de encarar mudanças bem mais profundas em seus gastos se não quiser dinamitar as bases do arcabouço fiscal. Reportagem publicada pelo Estadão mostrou que benefícios previdenciários e despesas nas áreas de saúde e educação colocarão a nova âncora em risco caso as regras que reajustam essas rubricas não sejam revistas.

Após o esfacelamento do antigo teto de gastos, o governo Lula propôs um novo dispositivo para conter os gastos e a trajetória da dívida pública. O crescimento das despesas foi limitado a 70% do avanço das receitas, mas os gastos teriam um piso e um teto e, portanto, um aumento garantido de 0,6% a 2,5% acima da inflação.

Tais limites foram estabelecidos para impedir que um aumento da arrecadação fosse integralmente consumido pelas despesas. Eles, no entanto, não valem para vários itens que aumentam à revelia do arcabouço, a partir de regras próprias fixadas por meio de lei e até mesmo na Constituição.

É o caso dos pisos constitucionais para os dispêndios com Saúde, equivalentes a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), e com a Educação, correspondentes a 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI), que voltaram a vigorar assim que o teto de gastos foi oficialmente enterrado.

Proposta por medida provisória em maio do ano passado, a política permanente de valorização do salário mínimo, por sua vez, trouxe impactos significativos – e igualmente perenes – para a Previdência Social. Isso porque parte dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social está vinculada ao salário mínimo, reajustado conforme a variação da inflação do ano anterior e o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Devido a essas regras, os gastos com Saúde e Educação, segundo o banco BTG Pactual, devem ter um aumento real – ou seja, acima da inflação – de 4,1% em 2025, 3,7% em 2026 e 2027 e de 3,5% em 2028, mais que os 2,5% estipulados pelo arcabouço fiscal. O crescimento real das despesas com Previdência Social também deve superar o teto da âncora e atingir 4,1% em 2025, 2,9% em 2026, 2,7% em 2027 e 3,2% em 2028.

Mantidas as regras atuais apenas para os gastos da Saúde, todo o espaço das despesas discricionárias será consumido até 2028. Em outras palavras, não haverá um centavo sequer para os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para o pagamento de parte das emendas parlamentares, para o financiamento do Auxílio Gás e para quitar faturas de energia elétrica e água de ministérios, autarquias e universidades federais de todo o País.

Parece evidente que esses parâmetros terão de ser revistos antes que estrangulem o custeio da máquina pública e que coloquem o arcabouço em risco. O que se vê, no entanto, é uma enorme resistência para rediscutir o engessamento do Orçamento que já existe, bem como iniciativas para amarrá-lo ainda mais. O governo Lula, por exemplo, já sinalizou apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que fixa um porcentual mínimo de recursos, vinculado ao PIB, para a Defesa.

Não se trata de menosprezar a importância de Saúde, Educação e Defesa para o País, mas de questionar se não há formas mais eficientes de direcionar os recursos necessários para essas áreas e todas as demais que integram o Orçamento. A experiência mostra que, no caso dos pisos constitucionais, as verbas reservadas acabam empoçadas, enquanto outras áreas ficam na penúria à espera de desbloqueios e remanejamentos.

O País precisa ter maturidade para fazer suas escolhas e traduzi-las no Orçamento. A existência de limites para crescimento das despesas deveria valer para toda e qualquer área, justamente para fortalecer o arcabouço fiscal, dar credibilidade às metas propostas pela equipe econômica e sinalizar uma trajetória de sustentabilidade para a dívida pública.

Só assim será possível criar um ambiente favorável para a redução estrutural da taxa básica de juros. Rever essas vinculações e impedir que novas sejam aprovadas não é nenhuma maldade, mas puro realismo fiscal.

Voluntarismo não é ciência

O Estado de S. Paulo

Governo lança programa para repatriar cientistas, mas antes deveria valorizar quem aqui está

O CNPq, agência de fomento à pesquisa ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, lançou um programa de repatriação de cientistas e recebeu enfáticas críticas da comunidade científica – nem tanto pelo programa em si e muito mais pelo volume de recursos, o modelo escolhido e o momento de anunciá-lo. A fim de cumprir o louvável propósito de atrair pesquisadores brasileiros que hoje estão no exterior como forma de dar robustez à ciência aplicada no País, o governo destinará R$ 1 bilhão para oferecer bolsas no valor de R$ 10 mil a R$ 13 mil, verba para laboratório, plano de saúde e previdência privada. Hoje, estudantes de doutorado recebem R$ 3,1 mil, e pesquisadores do pós-doutorado, R$ 5,2 mil – isso já com valores reajustados pelo atual governo depois de quase uma década sem aumento.

Ainda que boa parte das reclamações reconheça o mérito de atrair talentos depois de anos de fuga de cérebros, as críticas se concentram no fato de que há um evidente descompasso entre as políticas de atração e de retenção de talentos. Afinal, enquanto investe em repatriar cientistas, o Brasil ainda carece de um plano sólido para oferecer condições a quem se dedica à ciência no Brasil. O programa anunciado, para complicar, define duas classes de cientistas, como se uma fosse melhor do que a outra: uma terá direito a condições infinitamente melhores; outra seguirá enfrentando as carências conhecidas da pesquisa no Brasil, marcada por subfinanciamento crônico, falta de infraestrutura e, ressalvadas as devidas exceções, pouca integração com o mercado.

Ao Estadão, o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, classificou as críticas de “míopes” por ignorar outras iniciativas do governo para reestruturar a área de ciência e tecnologia no País. Ocorre que o País desconhece a eficácia dessas outras iniciativas do governo mencionadas por Ricardo Galvão: ele citou como exemplos programas estratégicos de infraestrutura, a erradicação da fome e até o programa Nova Indústria Brasil, reconhecidamente um plano que dá roupa nova a medidas fracassadas no passado recente.

Há dois pontos adicionais a questioná-lo. Primeiro: as condições oferecidas serão mesmo suficientes para atrair pessoas que estabeleceram suas redes profissionais fora do País, têm suas atividades e vidas constituídas lá fora e sabem que enfrentarão condições precárias de pesquisa no Brasil? Segundo: uma vez encerrado o tempo de projeto com o investimento previsto no programa, o que será feito desses pesquisadores? São detalhes nada insignificantes.

Há de se recordar o trágico exemplo do Ciência sem Fronteiras, o programa de 2011 com o qual a então presidente Dilma Rousseff, de forma inepta e a despeito da advertência da comunidade científica, espalhou jovens estudantes pelo mundo. O receio, àquela época, era que o governo desviasse verbas destinadas para investimento em pesquisa de ponta. O temor agora é distinto, os sinais são trocados, mas a consequência parece ser a mesma: o governo está tentando trazer pesquisadores sem conter a saída dos que aqui estão. Uma péssima forma de investir dinheiro na ciência.

Lula crê em contornar problemas com uma retórica otimista

Valor Econômico

Lula deveria usar seu inegável talento oratório para afiançar que deseja contas públicas em equilíbrio e que o crescimento virá em seguida, com a queda da inflação. Infelizmente, faz o contrário

O presidente Lula deu ontem entrevista à imprensa para dizer o que todo governante diz: o presente é melhor que o passado e o futuro será ainda mais incrível. Lula não vê problemas na trajetória de sua administração até agora nem prevê que haverá, até onde sua vista alcança. Com velha hipérbole, o presidente repetiu que nunca neste país houve um programa de crédito como o Desenrola, linhas de crédito e renegociação de dívidas para pequenas e médias empresas, bancadas por um fundo garantidor com dinheiro do Tesouro. Para ele, a economia superar á todas as previsões, apesar da ação “nefasta” do Banco Central.

Lula ensaia uma fuga para a frente. Seu governo está sendo emparedado pela oposição e por aliados de ocasião dispostos a aprovar pautas-bomba no Legislativo. No Congresso, tem um adversário poderoso, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e no Senado, Rodrigo Pacheco está trazendo as maiores dores de cabeça recentes, com a PEC do quinquênio, prebenda para a elite do funcionalismo no Judiciário, e para os Estados mais endividados, aos quais quer brindar com descontos em juros e abatimento do estoque de dívidas.

O presidente da República está reagindo a sua perda de prestígio nas pesquisas. Após ser eleito com pouco menos de 2 pontos percentuais de vantagem sobre seu rival Jair Bolsonaro, a avaliação de sua atuação ao longo de 16 meses de mandato não melhorou substancialmente. A diferença entre os que aprovam sua gestão e os que a desaprovam mal escapa da margem de erro. No Congresso, a base governista não passa de um terço, insuficiente para evitar que os vetos presidenciais a políticas que não aprova - muitos deles corretos - sejam derrubados em série. Nada disso ocorreu em seus dois primeiros mandatos.

Uma atitude recomendável seria apresentar o quadro político como ele é: quais são os problemas, suas causas, os meios de superá-los e as chances de sucesso. Lula, porém, vê empecilhos onde há vitórias, como na atuação sóbria e eficiente de sua equipe econômica, e trunfos garantidos em apostas fracassadas no passado, como a neoindustrialização e os investimentos para todos os lados da Petrobras.

Lula voltou a ser indelicado com Roberto Campos Neto, presidente do BC, bem-sucedido em sua tarefa de debelar a inflação, a baixo custo para a atividade econômica, o emprego e a renda, todos em alta. “Quem conviveu com Campos Neto por 1 ano e 4 meses não tem problema mais 6 meses”, disse Lula, para quem “essa taxa de juros é muito alta para o povo brasileiro”. O futuro da política monetária, com essas declarações, corre riscos, pois elas sugerem que o novo comando do BC diminuirá a Selic a um ponto considerado “baixo”, independentemente do nível de inflação, que está fora da meta e que começou a se distanciar dela.

Para Lula, isso não tem importância. “Com todo o respeito ao mercado, eu gosto mais do Brasil do que o mercado. O que martela minha cabeça não é o mercado, não sou movido ao mercado. Sou movido pelo povo pobre”, afirmou. O presidente não agiu assim em seu primeiro mandato, quando convocou um time com perfeitas credenciais ortodoxas para dirigir o Banco Central, comandado pelo tucano Henrique Meirelles, e se esmerou para produzir enormes superávits fiscais, que hoje abomina. Foi um sucesso.

O Planalto interpreta da forma que lhe convém os obstáculos que enfrenta, as fraquezas de sua base governista e de sua articulação política. Anteontem poupou seu ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para delegar suas funções de articulação a todos, inclusive ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, segundo Lula, deveria deixar de lado os livros para se empenhar no convencimento de parlamentares recalcitrantes. Lira, no comando da Câmara, não conversa mais com Padilha, encarregado do governo de fazer a ponte com os deputados, mas Lula atribuiu o problema aos livros que Haddad mal tem tempo de ler.

Experiente, o presidente se reuniu com Lira para discutir a relação, mas, para não dar sinais de fraqueza evidente, disse que não foi bem isso. “Não tive uma reunião com o Lira, eu tive uma conversa. É diferente. Se fosse uma reunião, eu teria levado meus líderes”, afirmou. “Eu sinceramente não acho que a gente tenha problemas no Congresso”. Um dia antes o presidente se reuniu com quatro ministros do Supremo Tribunal Federal tendo a seu lado o ministro da Justiça, que deixou há pouco o STF - e nenhum de seus líderes.

Lula disse que a economia vai crescer mais do que os analistas pensam, o que é possível em função da quantidade de estímulos fiscais e creditícios em cena, na direção contrária à política do BC para reduzir a inflação. “Vamos colher um sucesso extraordinário”, afirmou. O cenário externo piorou, o real se desvaloriza, os juros futuros, que não dependem de Campos Neto, estão subindo, há saída de investidores estrangeiros da bolsa e as expectativas de inflação aumentam, em um contraponto preocupante à fala presidencial. Lula deveria usar seu inegável talento oratório para afiançar que deseja contas públicas em equilíbrio e que o crescimento virá em seguida, com a queda da inflação. Infelizmente, faz o contrário, com o risco de colher tempestades na economia e na política.

Socorro para os micro e pequenos negócios

Correio Braziliense

Programa oferecerá crédito em condições de juros mais favoráveis para microempreendedores individuais (MEI) e micro e pequenas empresas

O conjunto de medidas, lançado na segunda-feira pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi batizado de forma apropriada de Acredita. Finalmente, o governo decidiu olhar para o enorme contingente de brasileiros que literalmente acredita e demonstra cotidianamente a vontade ou a necessidade de empreender ou de atuar por conta própria em busca do sustento da família. O programa oferecerá crédito em condições de juros mais favoráveis para microempreendedores individuais (MEI) e micro e pequenas empresas, mas é, sem dúvida, a linha de microcrédito orientada que atenderá pessoas que recebem o Bolsa Família, trabalhadores informais, beneficiários do CADÚnico e mulheres. O governo abrirá uma linha de R$ 500 milhões, com 50% destinados a financiar as empreendedoras.

O esforço do governo para democratizar o crédito e levar recursos para colocar de pé ou expandir micronegócios é um passo concreto para oferecer uma porta de saída dos programas de assistência social, que têm cadastrados mais de 50 milhões de brasileiros. A intenção é que esse seja o primeiro passo para essas pessoas melhorarem a condição de vida. E, como se trata de uma linha de crédito, a expectativa é de que esses recursos retornem de forma a permitir que mais pessoas tenham acesso de forma facilitada, num círculo virtuoso. Que não se espere grandes resultados no curto prazo, mas que se use a estrutura do Estado que hoje atende a essa população para controlar a destinação das verbas.

Hoje, no Brasil, há 25,6 milhões que declaram trabalhar e que integram os 38 milhões que estão na informalidade. São trabalhadores que buscam formas de garantir renda e muitas vezes se deparam com a dificuldade de expandir a atividade econômica que exercem. As medidas são um desdobramento do Desenrola Brasil e vão atender também os 15 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) e as micro e pequenas empresas, que são 93% das 21,8 milhões de empresas ativas no país.

Com recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO), o governo vai possibilitar a oferta de linhas com juros mais baixos. Os micro e pequenos negócios terão ainda a possibilidade de renegociar seus débitos no programa Desenrola Pequenos Negócios, possibilitando que também eles possam negociar com os bancos, que serão estimulados pelo governo, suas dívidas e possam recorrer ao crédito novo para fomentar os negócios.

Mais do que uma assistência social, o que se imagina com o programa é que ele seja uma estrutura que permita a inserção de um número maior de brasileiros na economia formal, possibilitando o desenvolvimento do país como um todo, uma vez que grandes empresas da indústria, do agronegócio e dos serviços contam com crédito em condições favorecidas, assim como programa de renegociação de dívidas. O que se espera é que, depois de tanto acreditar, o Brasil possa efetivamente avançar para o patamar de país desenvolvido.

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