quarta-feira, 24 de abril de 2024

Vera Magalhães - Todo mundo quer gastar

O Globo

Executivo se queixa do Congresso, que banca o bonzinho com o Judiciário, e todo mundo infla os gastos --e ainda reclama de quem aponta para isso

Lula pareceu, em dois momentos desta semana, um tanto irritado com essa “mania” de, vejam só, todo gasto ser considerado… gasto. Inconveniente, de fato. Quem não gostaria que suas compras no cartão de crédito fossem computadas noutra rubrica que não a do gasto e não precisassem ser pagas, não é mesmo?

Acontece que não adianta o presidente demonstrar inconformismo com a cobrança, que sempre houve e que também esteve presente em seus mandatos anteriores, pela responsabilidade fiscal. O sucesso do primeiro ano do terceiro mandato se deve a dois pilares: a defesa da democracia, feita em conjunto pelos três Poderes, e a demonstração do Ministério da Fazenda de compromisso com esse rigor fiscal.

Começar a se impacientar com isso no segundo ano, ao primeiro sinal de dificuldades nas pesquisas de avaliação do governo e na articulação política com o Congresso, acarreta grande risco de desarrumar a casa em vez de melhorar os indicadores.

Mesmo porque todo mundo parece disposto a esquecer que gasto tem de ser pago. Basta ver a inexplicável investida do Senado, capitaneada pelo presidente Rodrigo Pacheco, para ressuscitar um privilégio que não tem como ser justificado sob nenhuma ótica, com a malfadada PEC do Quinquênio.

Não adianta Pacheco posar de rigoroso e implacável com o Judiciário com a também questionável PEC que inclui no artigo 5º da Constituição a proibição ao porte de qualquer quantidade de drogas — algo que vem sendo discutido no mundo todo, mas isso é tema para outra coluna — e, para limpar a barra com os juízes, fazer essa média de recriar um dos poucos penduricalhos que tinham sido extintos na lista infindável de que são beneficiários juízes, procuradores e todos aqueles que pegarão carona nesse trem.

A ousadia do Senado foi tanta nessa que mereceu reparos até da turma da Câmara. O presidente Arthur Lira fez chegar a aliados de Pacheco e de Lula que está preocupado com a PEC dos penduricalhos e também com outras políticas, como a valorização real do salário mínimo, que fixa em 2025 o valor de R$ 1.502 para o benefício e indexa vários outros gastos, com impacto nas contas públicas que, segundo a avaliação de políticos de diferentes partidos, as tornará inviáveis nos próximos anos.

Não que a Câmara esteja disposta a fechar a boca e cortar gastos, nada disso. Deputados e senadores devem conseguir reaver parte dos R$ 5,6 bilhões em emendas ao Orçamento que haviam sido vetados por Lula, e a Casa de Lira prorrogou o Perse, programa de ajuda ao setor de eventos que o governo gostaria de ver extinto imediatamente, para voltar a arrecadar com a cobrança de impostos sobre as empresas da área.

Ninguém parece muito preocupado em enxugar gastos e harmonizar ações para destinar o Orçamento público a programas com evidências de contribuir para melhora da economia, redução da desigualdade e da pobreza e geração de empregos.

Há iniciativas interessantes nessa direção. Do pacote anunciado na segunda-feira com o sintomático nome Acredita, algumas medidas parecem bem auspiciosas se bem desenhadas e executadas. A ideia de fornecer subsídios para que beneficiários do Bolsa Família se tornem microempreendedores individuais, potencializem assim seus ganhos e, aos poucos, possam sair do programa e andar com as próprias pernas e com ascensão social se inscreve nessas categoria.

Qual o risco? O Congresso, assim como diz o dito popular sobre o inferno, está cheio de boas intenções. Medidas Provisórias costumam chegar ao Legislativo de um jeito e sair transfiguradas, transformadas em árvores em que são dependurados jabutis variados a depender dos lobbies influentes. Porque, na hora de gastar na conta da Viúva, todo mundo comparece, por mais que o presidente se inquiete com quem aponta essa verdade inconveniente.

 

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