quinta-feira, 4 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Pacto fiscal deveria começar por Lula e PT

Folha de S. Paulo

Sem apoio do presidente e do partido para conter gastos, Haddad tem missão impossível de equilibrar contas com tributos

Brasília não tem um bom histórico recente de tentativas de "pactos" entre forças políticas e instituições.

Em 2013, Dilma Rousseff (PT) propôs nada menos que cinco deles a governadores e prefeitos, em resposta à onda de protestos de rua; em 2019, Jair Bolsonaro (então no PSL) firmou um de colaboração com os demais Poderes. A primeira não evitou o malogro de sua gestão; o segundo partiria depois para o confronto institucional.

Agora é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quem defende um pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário em torno dos objetivos de sua agenda econômica, a começar pela meta oficial de eliminar o déficit do Orçamento federal neste ano —tudo a ser encarado com o devido ceticismo.

Não é difícil entender por que iniciativas do gênero têm importância simbólica, se tanto, e reduzido efeito prático. As autoridades envolvidas podem, no máximo, concordar em dar prioridade aos temas acordados; comprometer-se com o mérito das propostas é coisa muito diferente.

Os partidos representados no Congresso continuarão a votar de acordo com suas convicções e interesses, que muito dificilmente espelharão os de Haddad. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, espera-se, julgarão causas econômicas à luz da Constituição e das leis, não da pauta da Fazenda.

Haddad está certo, sim, ao chamar a atenção para as responsabilidades de Legislativo e Judiciário. Deputados e senadores ganharam maior poder sobre o Orçamento, mas pouco se preocupam com a qualidade dos gastos que criam e seu financiamento. Magistrados com frequência priorizam interesses corporativos em suas decisões.

Entretanto o titular da Fazenda terá pouco a oferecer em um pacto sem o engajamento de seu chefe, o presidente da República, e do partido de ambos, o PT.

Luiz Inácio Lula da Silva se empenha em elevar despesas públicas desde antes de tomar posse —e nesse caso não teve nenhuma dificuldade em obter o apoio das forças fisiológicas do Congresso. Em diversas manifestações públicas, vituperou a austeridade fiscal.

O comando petista é ainda mais saliente na oposição a ajustes nos dispêndios públicos, sobretudo em um ano de eleições municipais. A legenda não poupa de críticas a própria agenda de Haddad, que está longe de ser draconiana.

Resta ao ministro negociar apoios para a tarefa inglória de elevar uma carga tributária já excessiva. Muitas das medidas que defendeu são corretas, ao eliminar privilégios, e foram aprovadas total ou parcialmente. No entanto todos sabem —nos Poderes e na sociedade— que isso não bastará para reequilibrar o Orçamento.

O batalhão de Derrite

Folha de S. Paulo

Capitão da PM, secretário da Segurança infla pasta com assessores da corporação

Se o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) acerta quando se afasta do radicalismo e da intolerância de seu padrinho político, Jair Bolsonaro (PL), os piores momentos de sua gestão ocorrem quando e onde ainda se pretende mostrar fidelidade ao bolsonarismo. A segurança pública paulista é o exemplo mais evidente.

O secretário da área, Guilherme Derrite (PL), é um capitão reservista da Polícia Militar que tem patrocinado operações mortíferas, criticado a adoção de câmeras nas fardas dos agentes e abraçado outras pautas corporativistas da PM.

Para além das teses reacionárias, Derrite reuniu em torno de si um número exorbitante de assessores policiais militares, o que aponta para um aparelhamento da pasta. Como a Folha noticiou, são nada menos que 241, segundo o dado mais recente, de novembro de 2023.

Para uma ideia do despropósito, 588 dos 645 municípios do estado (o equivalente a 91%) contam com menos agentes da corporação do que a secretaria de Derrite.

Previstas em lei, Assessorias Policial-Militares são responsáveis por manter a segurança de políticos, autoridades e prédios públicos. Hoje, 13 órgãos têm esse serviço. O efetivo fixado para funções de assessor policial na Secretaria de Segurança é de 174 profissionais. Os oficiais recebem adicional de R$ 7.000 no salário.

Enquanto aumenta o número de policiais que prestam segurança a autoridades e realizam funções burocráticas, diminui o daqueles que estão na ponta da ação ostensiva.

Houve redução de quadros da PM em praticamente todas as regiões do estado, como a Baixada Santista, que vive uma crise de segurança.

Entre julho do ano passado e 1º de abril, as operações Escudo e Verão nessa região resultaram em mais de 80 mortes —a segunda é a ação mais letal da PM desde o massacre do Carandiru, em 1992.

Urge que o governo reveja o efetivo das assessorias policiais. A alocação irracional, por motivos ideológicos ou corporativistas, eleva o risco para agentes que estão na linha de frente do combate ao crime.

O serviço deve ser usado com sensatez, para não prejudicar o atendimento à população.

Muito calor, pouca luz

O Estado de S. Paulo

Ameaça do ministro de Minas e Energia contra a Enel é parte da celeuma eleitoreira que joga lenha na fogueira do setor elétrico, mas não contribui para melhorar prestação do serviço

Os contratos de concessão firmados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com as distribuidoras de energia delimitam de forma muito clara as regras a serem cumpridas em relação à tarifa, qualidade, segurança, continuidade e regularidade dos serviços. São acordos de longo prazo, em que as empresas são autorizadas a prestar o serviço por 30 anos, prorrogáveis por mais 30, exceto se não conseguirem atingir os indicadores econômicos e de qualidade mínimos fixados no contrato. Neste caso, podem perder o direito à concessão.

No centro de uma estrepitosa polêmica desde que deixou 2,1 milhões de endereços em São Paulo sem luz por dias seguidos, em novembro do ano passado, causando enormes prejuízos aos consumidores, a Enel, todavia, está perfeitamente enquadrada nos padrões estabelecidos no contrato. Embora a percepção geral seja de ineficiência, a empresa bem ou mal cumpre os parâmetros avaliados periodicamente.

Portanto, é razoável supor como remota, ao menos do ponto de vista técnico, a possibilidade de caducidade da concessão, como sugeriu à Aneel o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Também é coerente deduzir que, se a Enel cumpre os requisitos e, apesar disso, presta um serviço visto como ruim, o problema certamente não está no serviço, e sim no contrato. Sendo assim, que se aproveite a atual negociação para renovar 20 contratos de concessão – entre os quais o da Enel-SP – para rever os indicadores. É necessária uma solução definitiva e abrangente, haja vista que essas distribuidoras atendem 120 milhões de brasileiros, 62% do mercado de distribuição.

Mas a celeuma atual em torno da concessionária não está sendo movida por critérios técnicos. Todas as evidências apontam para a politização de um enredo que tem a Enel – por um misto de azar e incompetência – como bode expiatório. Não foi casual o assunto ter sido adiantado pelo ministro numa entrevista à GloboNews momentos antes do encaminhamento do ofício à Aneel pedindo a abertura de processo disciplinar contra a empresa que, disse o ministro, “passou dos limites”.

O fato de a Aneel já ter dois processos administrativos em tramitação para investigar a Enel desde o apagão de novembro de 2023 também corrobora a natureza política da iniciativa de Silveira. Ou, melhor dizendo, a intenção eleitoral, já que não há como ignorar o fato de que o ministro oficializou publicamente sua indignação no momento em que a Enel começa a se tornar tema central na campanha à Prefeitura de São Paulo.

A cidade de São Paulo, maior colégio eleitoral do País, já está em clima de eleição, embora a campanha comece oficialmente só em agosto. E nada tem efeito tão imediato sobre o eleitor quanto decisões que afetem sua rotina, como é o caso da prestação de serviços essenciais. Por isso, não foi obra do acaso a reação imediata do governador Tarcísio de Freitas, que disse ter sugerido a medida ao ministro; do prefeito candidato à reeleição, Ricardo Nunes, que criticou o atraso do ministro; e de Guilherme Boulos, candidato de Lula da Silva à Prefeitura, que correu às redes sociais para informar ter conversado por telefone com o ministro antes do anúncio.

Tudo isso rende projeção para os candidatos e seus padrinhos políticos, porém não resolve o problema da população paulistana nem aponta caminhos para as prestadoras de serviços, que é o que realmente importa. Explorar a frustração dos consumidores de energia para afetar indignação, em manifestações que não encontram fundamento técnico, é puro oportunismo eleitoreiro.

O governo federal, do qual o sr. Silveira faz parte, contribuirá para a boa prestação de serviços quando se dedicar a rever parâmetros contratuais defasados, dotar as agências reguladoras – tão desprezadas pelas gestões petistas – de equipamentos e pessoal para cumprir sua função e abordar a questão de distribuição de energia elétrica de forma ampla, diante do cenário imposto pelas mudanças climáticas. Um trabalho sério e conjunto no setor elétrico pode conduzir à solução. Já as bravatas, como se sabe, produzem muito calor, mas pouca luz.

Amigos, amigos, criminosos à parte

O Estado de S. Paulo

Lula tenta burlar a Constituição para bajular o companheiro Putin, apertando um pouco mais o torniquete que mantém o Itamaraty refém da política externa ativista e pusilânime do PT

O governo do presidente Lula da Silva está tentando burlar tratados de Estado para bajular Vladimir Putin. O tirano russo é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra na Ucrânia, entre eles a deportação forçada de crianças. O Brasil é membro do Tribunal, e se Putin puser os pés em solo nacional, tem de ser imediatamente detido. O País é signatário do documento fundador do TPI, o Estatuto de Roma, que, portanto, está incorporado à Constituição. Mas para Lula esse é só um detalhe inconveniente. Ele já disse que “o conceito de democracia é relativo”, donde se conclui que sua base de sustentação, o Estado de Direito, também deve ser.

O cortejo a Putin não é de hoje. No ano passado, Lula afirmou que, “se eu for presidente do Brasil, e se ele vier ao Brasil, não tem como ele ser preso”. Advertido por algum assessor de que ele não tinha essa discricionariedade, refugou e reconheceu que a decisão caberia à Justiça. Mas aproveitou para tripudiar do TPI: “Eu nem sabia da existência desse tribunal”, acrescentando que iria rever a participação do Brasil.

Sem a carta da ignorância na manga, restou a da má-fé. Em um documento enviado à ONU coalhado de casuísmos, o governo tenta emplacar a tese da imunidade para chefes de Estado. Lula adora se queixar da inoperância da ONU para impor a “paz”, mas quando um órgão com jurisdição ratificada pelo Brasil faz a sua parte, sua reação é acusá-lo de tendências ao exercício “abusivo, arbitrário e politicamente motivado” da jurisdição penal contra representantes de Estado, e propor como remédio a imunidade – quer dizer, a impunidade.

Não é a primeira tramoia para salvaguardar criminosos companheiros. Em 2010, valendo-se de uma decisão esdrúxula do Supremo Tribunal Federal que lavou as mãos ante sua obrigação de extraditar o terrorista Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana por quatro assassinatos, Lula declarou que Battisti era “perseguido político” e lhe conferiu refúgio.

O que rebaixa ainda mais a política externa brasileira nesse tour de force para forjar um salvo-conduto para Putin é que provavelmente o ditador russo nem sequer o usaria. Desde a invasão da Ucrânia, Putin está enfurnado em Moscou. Com exceção de seus suseranos na China e um punhado de ditaduras amigas, não fez mais visitas internacionais. Ele faltou às cúpulas do G-20 na Indonésia e na Índia e foi gentilmente desconvidado a ir à cúpula dos Brics na África do Sul, precisamente porque o país também é membro do TPI.

Se é difícil compreender qual seria o ganho para o Brasil nesse garantismo ad hoc, é porque não há nenhum. É só mais uma manobra da cruzada de Lula contra o “Ocidente”, o “Norte”, o “Grande Capital” ou seja lá como ele chame os “opressores” do “Sul Global”. É só essa doutrina de grêmio estudantil que explica, por exemplo, as contemporizações das atrocidades cometidas por ditaduras esquerdistas na América Latina, ou o endosso ao projeto chinês de transformar o Brics num clube de autocracias antiocidentais, ou o papel que Lula vem protagonizando de uma espécie de porta-voz do Hamas.

O PT chancelou e comemorou a eleição fajuta de Putin. Pouco antes, celebrou um acordo de cooperação com o Partido Comunista chinês e, pouco depois, com o Partido Comunista de Cuba. Pouco importa que Putin seja um ídolo da direita reacionária global, basta que atue como um porrete contra o “imperialismo estadunidense”. Foi o que Lula disse com todas as letras ao canal russo RT, em 2019: “Uma coisa que me deixa orgulhoso é o papel desempenhado por Putin na história mundial, o que significa que o mundo não pode ser tomado como refém pela política dos EUA”.

Para satisfazer o orgulho de Lula, o Itamaraty se tornou refém da política petista ativista e subserviente a potentados autoritários, que nem todo palavrório sobre uma diplomacia “ativa e altiva” consegue disfarçar. Mas sabujice tem limites. Até onde se sabe, ainda há juízes no Brasil. Se Lula insistir em estender o tapete vermelho a mais um déspota criminoso, cabe a eles conduzi-lo à sua cela.

A virtude da normalidade

O Estado de S. Paulo

O apoio do comandante do Exército ao Supremo Tribunal Federal é um bem-vindo recado para os quartéis

O comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, deu uma inestimável contribuição à normalidade democrática ao manifestar-se favoravelmente à decisão do Supremo Tribunal

Federal (STF), que formou maioria contra o suposto papel de “poder moderador” das Forças Armadas em situações de crise institucional. Questionado em entrevista se estava de acordo com o voto dado até aqui por ministros da mais alta Corte do País, ele respondeu: “Totalmente. Não há novidade para nós. Quem interpreta a Constituição em última instância é o STF e isso já estava consolidado como o entendimento”.

Em breves palavras, o general cumpriu o que se espera de qualquer democrata, seja ele militar ou civil: defendeu a Constituição, reconheceu a instituição que tem a missão de interpretá-la e resguardou as Forças Armadas de qualquer outra interpretação fabricada pelo cinismo golpista dos últimos anos.

Assim como ministros do Supremo se viram perplexos ao precisar dedicar tempo e esforço para demonstrar algo elementar, não deixa de ser surpreendente que a declaração do general Tomás Paiva precise de reconhecimento e aplauso ao reafirmar obviedade igual. Mas convém lembrar a singularidade das circunstâncias: era necessário afastar de uma vez por todas o fantasma do “poder moderador” que extremistas tentaram emplacar, intoxicados por anos de fumaça bolsonarista.

A maioria do STF deixou evidente que nem o Supremo nem o presidente da República podem ser qualificados como “poderes moderadores”. Muito menos as Forças Armadas, nem sequer configuradas como Poder como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Do mesmo modo, o chefe do Executivo tem prerrogativas limitadas, sem que a ele seja concedido o direito de recorrer às Forças Armadas para barrar a independência dos demais Poderes. A doutrina de que militares estariam constitucionalmente autorizados a intervir para arbitrar conflitos institucionais só existiu mesmo na cabeça de golpistas. Como sustentou o ministro Gilmar Mendes no seu voto, a hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição.

O general Tomás Paiva sabe disso. Sabe também que as Forças Armadas estiveram engolfadas por esse fantasma, e que ainda há nelas uma pletora de infiltrados dispostos a ressuscitá-lo. Ele próprio – assim como outros legalistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – foi vítima de ataques ferozes vindos dos quartéis e de militares instalados no Palácio do Planalto de Jair Bolsonaro. Num dos diálogos mencionados nas investigações sobre a suposta articulação do ex-presidente pela anulação das eleições, Tomás Paiva é duramente criticado por se opor à tentativa de golpe.

O oportuno recado do general emite sinais, portanto, para fora e para dentro dos quartéis, além de servir de importante premissa para o longo trabalho de despolitização das Forças Armadas. E demonstra que há situações nas quais a virtude da normalidade significa também uma excepcionalidade, como lenitivo a nos proteger de riscos institucionais. É este o caso.

Real mais fraco ajuda a retardar queda da inflação

Valor Econômico

Cenário recomenda maior cautela fiscal, em apoio à política monetária

A desvalorização do real diante do dólar, de 4,07% até ontem, objeto da primeira intervenção do Banco Central no governo Lula, não é preocupante: há reservas internacionais de sobra e o Brasil continua sendo um credor externo, com haveres maiores do que dívidas. Mas influi direta e negativamente sobre a inflação, cujo declínio em direção à meta de 3% já era mais lento do que se esperava. A intervenção do Banco Central foi pontual, como a maior parte de todas as outras que ocorreram na atual gestão. Ao contrário do passado, não há a menor suspeita de que a autoridade monetária esteja mirando um ponto fixo para estacionar a relação dólar-real.

O motivo principal, e até certo ponto previsível, é que o Federal Reserve americano empurrou bem para a frente o calendário de corte de juros que os investidores, com seus modelos próprios, estimavam que poderia ocorrera no mês passado, e agora preveem, na melhor das hipóteses para junho, com viés de alongamento. Os juros dos títulos do Tesouro, a base da remuneração para os demais nos mercados internacionais, estão subindo. O dólar avançou em relação à maioria das moedas por dois motivos. O mais imediato é o diferencial de taxas de juros dos EUA em relação aos demais países, acrescido dos prêmios de risco de cada um. O segundo é o diferencial do ritmo de crescimento entre as economias, que continua favorável aos Estados Unidos, logo, ao dólar.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse ontem que a diferença entre juros domésticos e os americanos é favorável ao Brasil. Fez, porém, uma ressalva: “Se o risco percebido sobe com o mesmo diferencial de juros, aí a moeda tem que se desvalorizar para compensar. A questão é se do lado do risco a gente teve alguma mudança nos últimos tempos ou não”. A taxa de risco, de fato, passou a subir, mas pouco. O CDS, que mede as chances de calote, subiu 3,7% no mês passado e 6% no ano.

Os juros futuros no Brasil se mantiveram nas alturas e pouco se moveram desde que a taxa Selic começou a ser reduzida, em agosto de 2023. Esse efeito decorre do aumento dos rendimentos dos títulos americanos com a manutenção além do previsto da taxa básica americana. Isto é, a atratividade da aplicação em títulos soberanos do Brasil, por exemplo, torna-se menor se o juro americano se mantém. Esse é um limite relativo, de pouca consequência se for restrito no tempo e de pequena magnitude, como ocorreu até agora.

A debandada do capital externo das bolsas brasileiras, algo como R$ 24,15 bilhões no ano até ontem, é um evento com a mesma lógica. A reversão de expectativas sobre o início da queda de juros nos Estados Unidos provocou uma mudança de fluxo dos investidores externos em renda variável no Brasil, no qual interferiram até certo ponto as ingerências do governo Lula em duas das principais empresas, Vale e Petrobras, que somam 25% do Índice Bovespa. Além disso, as ações nas bolsas americanas continuaram um movimento de alta que só agora parece que mudará de direção, com a manutenção de juros altos por um horizonte de tempo maior.

Há pouco tempo, o Fundo Monetário Internacional advertiu para o risco de uma guinada rápida na formação de preços dos ativos globais em função de expectativas frustradas sobre o começo do fim do ciclo de aperto monetário nas economias dos países ricos. A reviravolta até agora não trouxe sobressaltos e possivelmente não trará. A economia real resistiu melhor do que o esperado à forte carga dos juros, e o problema de hoje, resumido no binômio inflação-crescimento, é menos nocivo que o anterior, da dupla deflação-recessão.

Ainda assim, os ajustes que a nova situação provoca podem ser difíceis. No caso do Brasil, os fatores domésticos têm peso relevante e afetaram a equação da desvalorização do real. Motivo semelhante ao que retarda a queda dos juros nos Estados Unidos age na economia brasileira. A inflação de serviços resiste a cair e ameaçou um repique em fevereiro. O mercado de trabalho está aquecido (mais nos EUA, mas também aqui) e há ganhos acima da inflação nos salários em decorrência disso. Da mesma forma, os fortes estímulos fiscais durante a pandemia de covid-19, que, no caso brasileiro, se tornaram Auxílio Brasil e, em seguida, Bolsa Família, sustentaram expansão da economia perto ou acima de seu potencial (avanço ao redor de 3% nos últimos dois anos).

Pesa contra o Brasil o desequilíbrio fiscal, que afasta parte dos investidores externos, e que dificulta uma queda mais rápida da inflação para 3%. As metas do novo regime fiscal não estão garantidas - nem a zeragem do déficit este ano, nem a fixação do compromisso de 0,5% do PIB de superávit primário em 2025. Diante da sólida posição externa do país, a valorização do dólar não deve ir longe, mas pode ser um grande estorvo porque trava a redução da inflação, já vagarosa, ou até mesmo poderá empurrá-la um pouco para cima. Esse cenário recomenda maior cautela fiscal, em apoio à política monetária, mas não parece ser essa, nem de longe, a preocupação no Palácio do Planalto.

 STF acertou ao garantir acesso a relatórios do Coaf

O Globo

Corte reiterou que polícia e MP não precisam de ordem judicial para solicitar e obter dados financeiros

O Brasil criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no final da década de 1990. Na época, um dos principais focos das agências de inteligência financeira espalhadas pelo mundo era o tráfico de drogas. Depois do 11 de Setembro, a atenção recaiu sobre o terrorismo. No Brasil, o Coaf sempre teve relevância por desmascarar a lavagem de dinheiro oriundo do crime organizado e da corrupção, com destaque para as operações Lava-Jato e Greenfield. Foi também do Coaf que partiu o relatório que originou acusações de “rachadinha” contra o clã Bolsonaro.

Dada sua importância em tantos casos de repercussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi instado a dirimir uma dúvida sobre os procedimentos usados para obter dados financeiros: podem polícia e Ministério Público (MP) solicitar relatórios diretamente ao Coaf, sem autorização prévia da Justiça? Por unanimidade, a Primeira Turma do STF respondeu que sim. Os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes referendaram a liminar do ministro Cristiano Zanin que derrubou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de agosto de 2023 invalidando relatórios do Coaf obtidos sem ordem judicial.

Foi a decisão certa. A troca ágil de informações entre os investigadores e o Coaf sempre foi crucial para o êxito na apuração de crimes. Essa é a prática internacional e era a norma até 2019. Naquele ano, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acolheu pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e suspendeu temporariamente todas as investigações em curso baseadas em dados do Coaf (havia 935). A motivação foi o vazamento de um relatório apontando transações suspeitas de mais de R$ 1,2 milhão na conta de um ex-assessor do senador. A investigação resultou no caso das “rachadinhas”.

O plenário do STF derrubou a liminar de Toffoli pouco depois, daí o espanto com a decisão do STJ no caso de um dirigente da cervejaria Cerpa, do Pará, investigado por lavagem de dinheiro (o MP paraense recorreu, e a questão foi parar no STF). “Parece ter havido o que a gente chama de manifesto descompasso”, afirmou Cármen Lúcia no julgamento. Para Moraes, houve “flagrante contradição” entre o que decidiram o plenário do STF em 2019 e a SextaTurma do STJ em 2023.

A necessidade de comunicação ágil entre investigadores e Coaf é óbvia. Na última avaliação realizada pelo governo com base em metodologia internacional, o Brasil aparece como país com risco baixo de financiar o terrorismo, mas médio em lavagem de dinheiro. “A corrupção se revela a modalidade de crime antecedente da lavagem de dinheiro mais perniciosa no país”, afirma o relatório Avaliação Nacional de Riscos. A vasta capilaridade das organizações criminosas torna um desafio identificar os caminhos usados para lavar ativos. O tráfico de drogas e armas é hoje realizado por grupos com atuação internacional e estruturas sofisticadas para legalizar seus recursos.

O Coaf é um instrumento poderoso à disposição do Estado. O Brasil integra o Grupo de Ação Financeira (Gafi), organização de 40 países cujos objetivos incluem estabelecer alto padrão de investigação, cooperação e conduta no combate aos crimes financeiros. Esse compromisso é imprescindível para o aperfeiçoamento do ambiente de negócios brasileiro. O uso da inteligência financeira pressupõe responsabilidade, mas também agilidade.

Contrato com empresa de fertilizantes exigia mais cautela da Petrobras

O Globo

TCU estimou que operação para vender gás à Unigel trará prejuízo de quase meio bilhão à estatal

Um relatório da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) prevê prejuízo de R$ 487 milhões para a Petrobras se a empresa mantiver um contrato de venda de gás à fabricante de fertilizantes Unigel, que arrenda duas fábricas da Petrobras, na Bahia e em Sergipe. O contrato foi assinado em 29 de dezembro de 2023 numa tentativa de dar fôlego financeiro à empresa, que acumula dívidas de R$ 90 milhões com a estatal e está em recuperação extrajudicial. Diante de uma operação que exigiria toda a cautela, a Petrobras resolveu seguir adiante.

De acordo com os técnicos do TCU, a diretoria atropelou as regras de governança da Petrobras para salvar a Unigel. O blog da colunista Malu Gaspar no GLOBO revelou que o canal de compliance da petroleira recebeu denúncias de que integrantes da equipe do presidente da estatal, Jean Paul Prates, pressionavam para o fechamento do negócio, mesmo sem o aval da área técnica. A Petrobras informou ter aberto uma averiguação interna, confiscado celulares de dois diretores e não ter encontrado nenhuma irregularidade. Garantiu ainda que o sistema de governança foi “integralmente respeitado”. Mas não é essa a conclusão que se extrai do relatório elaborado pela área de auditoria do TCU especializada em petróleo, gás natural e mineração. O documento foi entregue ao relator, ministro Benjamin Zymler.

Não é função da Petrobras ajudar na recuperação de qualquer empresa, privada ou estatal. Além disso, vai contra os interesses de seus acionistas, entre eles a União, atuar como “hospital de empresas” amparando o negócio da Unigel num momento em que o fertilizante está em baixa, e seu insumo, o gás natural, em alta. O prejuízo inevitável é uma das razões por que o relatório do TCU afirma que as análises de risco da estatal foram “evidentemente imprecisas, inexatas e incompletas”.

Pelo histórico da Petrobras, a diretoria deveria ser mais cautelosa com esse tipo de operação. Em 2006, a estatal comprou por US$ 1,24 bilhão uma refinaria em Pasadena, no Texas, que havia sido vendida sete anos antes por US$ 42,5 milhões — negócio sem nenhuma relação com o plano estratégico de internacionalização da companhia, que causou no final prejuízo de US$ 792 milhões, de acordo com o TCU. Também não se pode esquecer a profusão de contratos superfaturados da Petrobras com empreiteiras, fonte de financiamento dos esquemas de corrupção desmascarados pela Operação Lava-Jato no escândalo do petrolão. A cultura corporativa da empresa já deveria ter criado defesas contra operações duvidosas que levantam suspeitas, como o contrato com a Unigel analisado pelo TCU.

Saúde pública avança no interior do Brasil

Correio Braziliense

Em média, cada um dos 5.570 municípios poderia ter cinco médicos. Mas a expansão do programa contemplará 82% das cidades com ações voltadas à saúde da família nas regiões mais vulneráveis

O programa Mais Médicos conseguiu preencher as 28 mil vagas previstas, anunciou o secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, em entrevista ao Correio Braziliense, na última terça-feira. Em média, cada um dos 5.570 municípios poderia ter cinco médicos. Mas a expansão do programa contemplará 82% das cidades com ações voltadas à saúde da família nas regiões mais vulneráveis.

A revisão da política de saúde pública era mais do que necessária e desejada pelos brasileiros. A pandemia da covid-19, entre 2020 e 2022, mostrou o deficit de profissionais tanto nas grandes cidades, inclusive nas capitais, quanto no interior do país — redes públicas e privadas ficaram saturadas , e deixaram um acúmulo de demandas por assistência.

Uma das pendências é aumento dos casos de obesidade entre crianças e adolescentes, entre 2019 e 2021, durante a pandemia de covid-19, constatado pelo Observatório de Saúde na Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O crescimento chegou a 6,08% no grupo de crianças até 5 anos; e de 17,2%, no grupo com 10 a 18 anos. O aumento de peso é uma das preocupações das equipes de saúde do país.

Com a retomada do programa Mais Médicos, que contempla ações de atenção primária às famílias, a expectativa do governo é diminuir o número de mortos por doenças evitáveis e propiciar ao Sistema Único de Saúde uma economia de R$ 30 milhões em internações. Além disso, terá condições de reeducar os grupos atendidos, para que saibam ter uma vida mais saudável.

Os atendimentos, no ano passado, resultaram em queda modesta da mortalidade infantil em municípios com indicadores bem elevados. Mas foi uma boa sinalização de que a presença de profissionais da saúde, principalmente médicos, é fundamental para reverter o quadro caótico, até então, vivenciado pelas comunidades socioeconômicas mais carentes. Os efeitos só poderão ser mensurados em espaço de tempo maior, quando haverá dados de comparação entre o antes e o depois.

Equipes da Saúde da Família chegaram também às terras indígenas, a começar pelo povo Yanomami, cuja saúde foi, seriamente, afetada pela presença de garimpeiros invasores do território e que se estende pelos estados de Roraima e Amazonas. Uma crise humanitária e sanitária foi instalada nas reservas, causando a morte de 363 indígenas em 2023. O drama ainda não foi superado e segue neste ano, ante a persistência dos invasores, sustentados por facções criminosas do Sudeste.

O empenho do Ministério da Saúde, por mais que seja indispensável para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, só conseguirá êxito se houver também maior engajamento dos governos municipais e estaduais. A coloração partidária e a ideologia não podem interferir nessa parceria que coloca em jogo a vida dos cidadãos. A expansão da Atenção Primária indica que outros programas oferecidos pelo Sistema Único de Saúde devem seguir igual caminho, em todas as cidades do país, com a ampliação do número de unidades com atendimento de maior complexidade, bem equipadas e conduzidas por profissionais dedicados à saúde pública. Uma sociedade saudável é o maior patrimônio de uma nação.

 

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