Extensão do foro especial visa a evitar prescrições
O Globo
Voto de Gilmar remedeia brecha aberta quando
Corte restringiu a prerrogativa dos ocupantes de cargos públicos
O Brasil não é o único país a prever que
ocupantes de altos cargos — como presidentes, governadores, ministros,
deputados, senadores, prefeitos ou generais — sejam julgados apenas por Cortes
superiores. A distinção, chamada foro especial, tem razão de ser. É do
interesse público resguardar o exercício dessas funções. Sem o foro, ministros
de Estado estariam suscetíveis a inúmeras ações iniciadas em diferentes pontos
do Brasil. Deputados e senadores seriam alvos fáceis de opositores políticos em
variadas instâncias da Justiça. Foi para evitar o uso político dos tribunais
que se concedeu a tais cargos a prerrogativa de ser julgados apenas por juízes
das altas Cortes.
Por muito tempo, o foro especial foi no Brasil sinônimo de privilégio, em razão do pouco apetite das Cortes superiores por punir os poderosos. Mas isso começou a mudar a partir do escândalo do mensalão. A profusão de processos gerada pelos casos de corrupção, em particular na Operação Lava-Jato, sobrecarregou o Supremo Tribunal Federal (STF), fato que contribuiu para que, em 2018, os ministros restringissem o foro especial a crimes relacionados ao cargo público e cometidos em seu exercício.
Mas essa decisão deixou uma brecha aberta.
Bastava o político sair do cargo no meio de um julgamento para seus casos serem
transferidos a instâncias inferiores (a não ser que estivessem na fase de
alegações finais). Os interessados em adiar a sentença até a prescrição dos
crimes passaram a ver num pedido de demissão ou numa renúncia a oportunidade de
enviar as ações penais a juízes da primeira instância, protelando as decisões
da Justiça.
Em 2014, o senador mineiro Clésio Andrade
respondia a processo sob acusação de peculato e lavagem de dinheiro. Quando o
ministro Luís Roberto Barroso marcou audiência para interrogá-lo, ele
renunciou, e o caso foi enviado à Justiça Federal em Belo Horizonte. Um
inquérito aberto em 2013 contra o senador Zequinha Marinho (Pode-PA) começou no
STF, foi remetido a diferentes tribunais, e até hoje o réu não foi interrogado.
Esse tipo de manobra levou o Supremo a
reexaminar o foro especial. No voto que deu em dois processos sob sua
relatoria, o ministro Gilmar Mendes defende
manter na Corte os processos nela iniciados, mesmo com a interrupção do
exercício do cargo público (quatro ministros já apoiaram o voto de Gilmar no
plenário virtual).
É verdade que cabe ao Congresso estabelecer a
extensão da prerrogativa constitucional do foro especial. Uma Proposta de
Emenda à Constituição que o limita a cinco cargos (presidente e vice-presidente
da República, presidentes de Câmara, Senado e STF) foi aprovada em 2017 no
Senado, e há pressão para que seja votada na Câmara. Mas trata-se apenas de uma
tentativa de esvaziar a lei em benefício dos que querem escapar de uma decisão
judicial rápida e desfavorável — e deveria ser deixada de lado. No que diz respeito
à proteção constitucional aos altos cargos públicos, o Parlamento nada propôs
de sensato até agora.
Por isso, ainda que não seja recomendável ao
Supremo mudar de opinião com frequência sobre um tema a respeito do qual já
tomou decisão, é importante que os ministros voltem a se pronunciar agora para
tapar a brecha deixada, apoiando a proposta de Gilmar. Do contrário,
permanecerá o caminho para a impunidade.
Inépcia de governos deixa intocado dinheiro
para construir presídios
O Globo
Mesmo com R$ 1,1 bilhão à disposição para
investir, faltam vagas no sistema carcerário
Gestão está entre os maiores desafios da
segurança pública no Brasil. Mesmo quando há verbas para investir, a demora
impede avanços. Isso ficou claro com a divulgação de dados do Ministério da
Justiça sobre o destino de recursos enviados aos governadores para cuidar das
prisões. Entre 2016 e 2023, os estados deixaram de usar 41,7% do dinheiro do
Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Resultado: há inacreditável R$ 1,1
bilhão parado na conta do fundo.
Demanda por recursos é óbvio que existe. O
Brasil tem 650.305 presos e apenas e 488.035 vagas nos presídios, revelou no
final de março a Secretaria Nacional de Políticas Penais. O déficit é crônico.
Desde o início da década, não fica abaixo de 100 mil vagas. Também é preciso
reconhecer que houve melhora. Em 2019, faltavam mais de 300 mil. Ainda assim, o
problema continua gigantesco.
Penitenciárias não são obras simples.
Precisam do apoio dos eleitores nas comunidades onde serão instaladas, além de
exigirem planejamento e execução cuidadosos. Sem fiscalização atenta, projetos
e obras podem favorecer fugas. Por tudo isso demoram para ficar prontas. Mas
certamente a complexidade não justifica a paralisia de recursos ao longo de
oito anos.
O Rio de Janeiro, com déficit de 14.914
vagas, é o estado com mais dinheiro disponível. Apenas R$ 36 milhões dos R$ 123
milhões enviados foram usados. Rondônia, onde faltam 1.906 vagas, tem saldo de
R$ 73,5 milhões. De todos os estados, o Amapá registra a execução mais baixa
das verbas disponíveis, apenas 23%. A inoperância parece um acinte, já que o
estado tem a maior taxa de homicídios do país, 52,6 por 100 mil habitantes,
mais que o dobro da média nacional.
A gestão é tão deficiente que o governo tem
organizado oficinas com os servidores dos estados para explicar como usar o
dinheiro. As verbas podem ser investidas em construção e ampliação de presídios
ou munição para agentes penitenciários, entre outros destinos. Governadores
costumam denunciar a falta de apoio do governo federal e culpam a falta de
recursos para justificar as carências à população. No caso dos fundos
penitenciários não há desculpas. As verbas anuais até têm caído, mas, se não
são executadas, não há do que reclamar.
Prover condições minimamente dignas a
detentos é obrigação intransferível do Estado. A situação é ainda mais
constrangedora num país de cadeias superlotadas, fontes de recrutas para as
facções criminosas que as controlam. Mesmo a outrora inexpugnável rede de
presídios de segurança máxima sofreu revés com a fuga inédita da penitenciária
de Mossoró (os detentos foram recapturados ontem). A crise na segurança pública
continuará a amedrontar os brasileiros enquanto não houver a seriedade
necessária para enfrentá-la. Investir no sistema carcerário o dinheiro já
disponível é o mínimo a exigir dos governadores.
Pressão de Lula volta a tumultuar a Petrobras
Folha de S. Paulo
Declaração de ministro gera especulação sobre
troca na chefia da empresa, em sinal de desordem administrativa e política
O conflito escandaloso entre o ministro de
Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras,
Jean Paul Prates, é o episódio mais recente de uma longa crise provocada pelo
desejo do presidente da República e de outros nomes do governo de intervir nas
diretrizes da maior empresa do país.
Os embates apenas se tornam mais vexatórios e
contraproducentes, por abalar o crédito da estatal e criar ainda mais suspeitas
sobre a racionalidade econômica de ideias e decisões de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
e sua equipe.
Em entrevista à Folha, Silveira fez
questão de dizer que manda na empresa, que não abre mão da
"autoridade" e que nisso tem apoio de Lula; desdenhou das capacidades
de Prates. A nova fritura levou o presidente da petroleira a pedir reunião com
Lula, a fim de discutir sua situação no cargo.
Nesse ínterim, Silveira, Rui Costa (Casa
Civil) e Fernando
Haddad (Fazenda) debatiam o
destino dos dividendos extras, retidos por decisão da maioria
governista no Conselho da Petrobras —e circulava a notícia alarmante de que o
petista Aloizio
Mercadante, presidente do BNDES, foi cogitado
para o comando da petroleira.
O fato de o pagamento de dividendos ter
motivado uma grande turbulência —e vir sendo discutido há semanas em reuniões
ministeriais— já indicaria o quão politizada é a gestão da empresa. Mas o
problema é mais profundo.
Desde o ano passado, Lula pressiona por
intervenção nos preços dos combustíveis e na distribuição de lucros para os
acionistas. Quer que a companhia invista mais, em refinarias ou na indústria
naval.
Silveira e Costa fazem coro com o chefe.
Haddad juntou-se recentemente às discussões e procura racionalizar o debate,
mas o sucesso do seu plano fiscal depende também dos dividendos que a Petrobras
paga ao Tesouro.
O governo federal, como acionista
majoritário, pode definir diretrizes para a Petrobras. A condição é que não
imponha a essa empresa mista, sob controle estatal, uma atuação que ignore
orientações e condições de mercado, a não ser que a compense por eventuais
perdas —como preveem a lei e estatutos da companhia.
Porém nem ao menos há plano claro. Sabe-se
somente de vagos desejos de Lula, que lembram políticas de mandatos petistas
anteriores, de resultados ruinosos.
Além de daninha para empresa e para a imagem
econômica do governo e do país, esse novo capítulo da crise expõe
desorganização administrativa e política.
Não há um curso planejado de ação, mas
permissão para que autoridades se entreguem a intrigas e sabotagens a fim de
influenciar os destinos da Petrobras.
Mal avaliado
Folha de S. Paulo
MEC atenta com atraso para necessidade de
melhorar escrutínio do ensino superior
Não há como desenhar políticas públicas para
a educação sem
sistemas de avaliação. No entanto as sondagens do governo federal para aferir a
qualidade das universidades brasileiras há tempos apresentam problemas que
podem impactar os dados produzidos.
Desde 2004, o Inep,
ligado ao Ministério da Educação, realiza uma avaliação conjunta de indicadores
de qualidade do ensino superior.
Entre eles está o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes (Enade),
com foco no aprendizado, e o Índice Geral de Cursos (IGC), que analisa
graduação, pós-graduação e número de matrículas.
Divulgados na terça-feira (2), os dados do
IGC, apesar de apresentarem aspectos questionáveis, indicam situação
preocupante. Em 2022, apenas 54 das
4.998 instituições analisadas alcançaram a nota máxima, o que
representa 2,7%.
A pontuação vai de 1 a 5: 4 e 5 atestam
qualidade; 3 é a nota mínima exigida; 1 e 2 são inadequadas.
O IGC —assim como o
Ranking Universitário Folha (RUF)— aponta a já conhecida tendência
de superioridade das universidades públicas sobre as privadas. Entre as
federais, 85% alcançaram 4 ou 5; nas estaduais, 41%, e nas privadas com fins
lucrativos, só 21%.
Em 2018, o Tribunal de
Contas da União verificou falhas nas metodologias dos indicadores,
que criam distorções —como inflacionar a qualidade de cursos e discrepâncias
entre a avaliação de um curso e a nota de seus alunos no Enade.
Ainda há outras questões que podem ser
elencadas. A pontuação do Enade não produz efeito para o estudante, o que
desincentiva o empenho. A trajetória dos egressos recebe pouca atenção,
tampouco a evasão durante o curso.
Não à toa, o Inep também anunciou propostas
para melhorar o sistema —como empregabilidade dos diplomados, permanência do
aluno e conclusão dos estudos, proporção de doutorandos, citações de pesquisas
e impacto social.
MEC, instituições, professores, discentes e especialistas precisam analisar e debater as sugestões para aperfeiçoar o modelo de avaliação das universidades. Só com dados de qualidade é possível refinar as políticas para o setor.
O custo da chantagem no Ministério da Saúde
O Estado de S. Paulo
Por R$ 8,2 bi em repasses sem controle,
Centrão tolerou Nísia Trindade no Ministério da Saúde. E o governo concordou em
pagar. Azar dos que dependem do Estado para cuidar da saúde
O governo do presidente Lula da Silva e
lideranças do Congresso parecem ter chegado a um preço pela permanência de
Nísia Trindade à frente do Ministério da Saúde, sabe-se lá até quando: R$ 8,2
bilhões. Esse foi o valor repassado pela pasta aos Estados e municípios em 2023
fora dos controles republicanos, como revelou o Estadão. Alguns entes
agraciados com repasses milionários não tinham sequer capacidade material para
dispor de tanto dinheiro, um fato revelador de que a saúde e o bem-estar dos
cidadãos estiveram muito longe de ser a grande preocupação dos envolvidos.
Há tempos o Centrão, conduzido pelo cabresto
curto do presidente da Câmara, Arthur Lira, cobiça a cadeira de Nísia pelo
portentoso orçamento da pasta e sua imensa capilaridade nacional. Sob forte
pressão, a ministra tem se sustentado no cargo, mas aos poucos tem dado mostras
de que parece ter entendido como a banda toca em Brasília. A autorização desses
repasses ao abrigo da luz parece indicar que a ministra resolveu dançar
conforme a música. Uma lástima, considerando o perfil técnico e a biografia
impecável de Nísia.
Nada haveria de errado se os recursos
federais tivessem chegado a seus destinos para viabilizar projetos bem
planejados e implementados que, de fato, transformassem a vida da população
local. Estar-se-ia ainda no campo das boas relações federativas e do respeito à
Constituição se o manejo desses R$ 8,2 bilhões pudesse ser auditado de forma
técnica e transparente e, não menos importante, se os resultados das políticas
públicas supostamente financiadas por esses repasses pudessem ser mensurados.
Evidentemente, não foi o que aconteceu. E, a
rigor, nem poderia ter sido, pois todo o processo de liberação dessa dinheirama
foi montado de forma a servir a um propósito político-eleitoral, não para
cuidar da saúde das pessoas. A blindagem de um escrutínio preciso, portanto,
era um elemento fundamental para a consecução de objetivos para lá de
antirrepublicanos.
Ora, a própria pasta da Saúde define
critérios objetivos para liberar recursos, muitos ligados à capacidade de
gestão dos entes federativos. Na prática, isso significa, entre outras medidas,
estabelecer um teto de repasses diretamente vinculado à estrutura de
atendimento local – o que faz todo o sentido à luz da racionalidade
administrativa. Entretanto, o teto é válido para emendas parlamentares e
algumas outras alíneas do orçamento, mas não para os repasses classificados
como “emergenciais”. Eis a malandragem.
Boa parte dos R$ 8,2 bilhões foi enviada aos
Estados e municípios justamente como “repasses emergenciais”. Resultado: em 651
cidades, o valor recebido extrapolou o teto fixado pelo Ministério da Saúde; em
20 delas, em mais de 1.000%. Onde foi parar todo esse dinheiro, só
governadores, prefeitos e os padrinhos desses repasses no Congresso e no
governo podem dizer.
Tanto Nísia Trindade como o ministro das
Relações Institucionais, Alexandre Padilha, juram de pés juntos que tudo foi
feito de acordo com a lei e com as diretrizes das pastas que chefiam. Porém,
não há explicações convincentes sobre os motivos pelos quais houve cidades que
pediram recursos emergenciais à União e não os receberam, enquanto outras
receberam muito mais do que poderiam gastar. Nesse sentido, decerto não é
coincidência o fato de Alagoas, Estado de Lira, ter sido o mais beneficiado
pelos repasses da Saúde, com R$ 166,5 milhões (além de outros R$ 103 milhões
apenas para a capital Maceió, reduto eleitoral do presidente da Câmara).
Sabe-se que Lula tem de lidar com um
Congresso que, se não lhe é totalmente hostil, está longe de lhe garantir
conforto, mínimo que seja. Em primeiro lugar, há a dificuldade política advinda
das urnas: a sociedade elegeu representantes que, em sua maioria, são avessos à
agenda política de Lula e do PT. Ademais, os parlamentares se autoatribuíram
prerrogativas sobre o Orçamento que tornam refém quem quer que seja o
presidente da República. Assim, negociar apoio, sobretudo nessas condições, é
legítimo. O que é inaceitável é esse vale-tudo à custa da saúde da população.
Qualidade exige critério
O Estado de S. Paulo
Se o governo federal mudar de fato os
critérios de avaliação dos cursos de graduação e faculdades, o Brasil pode
enfim começar a corrigir erros históricos no ensino superior
O governo planeja alterar os critérios com os
quais o Ministério da Educação (MEC) avalia os cursos de graduação e das
faculdades do Brasil, acrescentando dimensões mais compatíveis com as
exigências por qualidade, com a formação no ensino superior e com a adequação
ao mercado de trabalho e à pesquisa. Caso se confirme o que foi antecipado pelo
Inep, órgão ligado ao MEC, será uma bem-vinda correção de rota numa área que há
muito tempo exibe um abecedário de erros, deficiências e distorções.
As ideias em gestação foram mencionadas na
divulgação dos indicadores referentes a 2022 – o Conceito Preliminar de Curso
(CPC) e o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC). O primeiro
avalia a graduação, incluindo desempenho dos alunos por meio de uma avaliação
nacional (Enade), corpo docente, infraestrutura e questionário respondido pelos
universitários. O segundo abrange também a avaliação da pós-graduação e dá uma
nota para as instituições. Os novos critérios podem incorporar itens como qualidade
da formação, empregabilidade e taxas de conclusão, além de organizar melhor os
indicadores avaliados, como infraestrutura, corpo docente, questões pedagógicas
e investimento em pesquisa e desenvolvimento.
É fato que nenhum dos critérios atuais tem
respondido adequadamente ao que se espera de uma avaliação do ensino: nem
ajudam o governo a identificar com precisão os erros e acertos de estudantes e
universidades nem contribuem para que as instituições corrijam fraquezas e
aperfeiçoem seus métodos e práticas. Não à toa um relatório da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado no fim do governo de
Michel Temer, apresentou um rosário de críticas ao modelo de avaliação do ensino
superior brasileiro. O Enade foi especialmente reprovado pela OCDE.
Os dados do CPC e do IGC divulgados agora
confirmam certas mazelas do ensino superior brasileiro: uma esmagadora maioria
dos cursos presenciais com indicadores melhores do que os cursos a distância,
um porcentual ínfimo (2,7%) das instituições com nota máxima e uma
significativa diferença de qualidade entre instituições públicas e privadas. É
o resultado de diversos problemas, entre os quais a extravagante abertura de
vagas no ensino superior privado e a descabida inversão de prioridades – o País
investe muito mais no ensino superior do que na educação básica, com um sistema
de transferência de renda e geração de oportunidade às avessas, completado e
aprofundado pela defasagem do ensino técnico e profissionalizante.
É boa notícia constatar que a atual gestão do
MEC parece ter consciência dessas distorções – e que pode agir para
modificá-las em parte. Olhar para a qualidade e frear o avanço dos cursos ruins
foram duas dessas ações apontadas pelo ministro Camilo Santana ao Estadão.
Acrescentem-se outras duas, imprescindíveis: usar métricas atualizadas e
oferecer incentivos aos bons exemplos. Também não bastarão bons critérios.
Afinal, a estrutura do MEC é reconhecidamente deficiente para regular e
fiscalizar, razão pela qual o ministro tem defendido a criação de uma espécie
de agência reguladora para o ensino superior privado, prevendo um novo
instituto que fique responsável pelas avaliações.
Resta ao ministro e sua equipe combinarem com
os companheiros petistas – o PT, como se sabe, sempre foi um inimigo histórico
das agências reguladoras. Também precisarão ser firmes e criteriosos no desenho
de qualquer novo órgão estatal, a ser regido pela eficiência e bom uso dos
recursos públicos, não pelo seu inverso. E, como parte da tarefa de aumentar a
qualidade da educação superior, convém dedicar um olhar especial contra a farra
da educação a distância e a constrangedora formação de professores nos cursos
de pedagogia. Enquanto o chamado EAD converteu-se em caça-níquel de critérios
questionáveis, a formação inicial de docentes é a essência para uma educação
básica de alto nível, sem a qual os alunos brasileiros continuarão chegando
trôpegos – quando chegam – ao ensino médio, à universidade e ao ensino técnico.
Surrealismo judicial
O Estado de S. Paulo
Ao avaliar caso do Coaf, STF decide que suas
próprias decisões, ora vejam, são válidas
Depois de cinco anos e centenas de
investigações criminais prejudicadas Brasil afora, o Supremo Tribunal Federal
(STF) reafirmou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)
pode compartilhar dados de investigados com autoridades policiais e membros do
Ministério Público (MP) independentemente de autorização judicial. O enredo do
caso é surreal.
Na terça-feira passada, a Primeira Turma do
STF validou por unanimidade uma liminar naquele sentido concedida pelo ministro
Cristiano Zanin em novembro de 2023. À época, Zanin acolheu um recurso do MP do
Pará contra uma decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
que considerou ilegais as provas obtidas num determinado processo a partir de
dados do Coaf que chegaram aos investigadores sem ter havido prévia provocação
do Poder Judiciário.
Na decisão liminar, Zanin lembrou que, em
novembro de 2019, o STF firmara o entendimento – inclusive com repercussão
geral – de que a polícia e o MP podem solicitar informações diretamente ao Coaf
ou o órgão de inteligência financeira pode fornecê-las espontaneamente às
autoridades caso identifiquem movimentações financeiras atípicas.
Tão evidente era a incongruência entre a
decisão do STJ e a jurisprudência do STF que os ministros do Supremo chegaram
no limiar da pilhéria durante a sessão da Primeira Turma. “Parece ter havido o
que a gente chama de manifesto descompasso”, disse a ministra Cármen Lúcia. “É
flagrante a contradição com o que foi decidido pelo STF”, reforçou o ministro
Alexandre de Moraes, concluindo que, “na verdade, (o STJ) leu pela metade o
julgamento (de 2019)”.
O curioso, para não dizer estarrecedor, é que
esse vaivém judicial não se deu apenas por entendimentos divergentes entre as
duas Cortes Superiores. Membros do próprio STF já adotaram posicionamentos
diferentes sobre a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo de dados
do Coaf com as autoridades investigativas.
Convém relembrar que, em julho de 2019,
poucos meses, portanto, antes de o STF firmar a tese ora revalidada por sua
Primeira Turma, o ministro Dias Toffoli mandou suspender todas as ações
judiciais e investigações policiais contra o senador Flávio Bolsonaro (PLRJ)
sobre a prática de “rachadinha”. Esses procedimentos tinham como base
relatórios do Coaf que chegaram ao MP sem pedido prévio à Justiça.
Em novembro daquele mesmo ano, Toffoli votou
pela cassação de sua própria liminar e acompanhou a maioria do STF para
declarar plenamente constitucional aquilo que quatro meses antes classificara
como ilegal.
Segundo o Ministério Público Federal, essa
confusão toda envolvendo o tratamento de dados do Coaf por policiais,
promotores e procuradores atrapalhou o bom andamento de quase mil investigações
criminais em todo o País. Após a reafirmação do entendimento do STF, muitas
delas decerto serão retomadas a partir de agora. Mas sabe-se lá com quantas
lacunas a serem preenchidas depois de tanto tempo – algumas talvez insanáveis.
Os lavadores de dinheiro agradecem.
Estímulos ao crédito tiram força da política
monetária
Valor Econômico
Juro poderá não estacionar no nível esperado, ainda alto e contracionista, de 8,5%
Com mais pessoas empregadas, ganhando
salários maiores, e com inflação em queda, o crédito, uma das alavancas do
crescimento, está dando saltos. As novas concessões de empréstimos nos 12 meses
encerrados em fevereiro avançaram 9,1%, com uma expansão muito mais
significativa no crédito destinado à compra de bens, de 18,1%. A inadimplência
parou de crescer, mas continua muito alta, assim como a taxa de juros, cujo
declínio será sentido com mais força apenas mais alguns meses à frente. A
inflação passou a cair mais devagar, o que complicou a tarefa do Banco Central.
O governo Lula, por outro lado, não está muito preocupado com isso e não para
de anunciar novos programas de expansão do crédito.
A aceleração do crédito não é compatível com
o estágio atual de aperto monetário, o que exprime uma contradição interna ao
governo desde sua posse. Algum esfriamento da economia é necessário para que os
preços se aconcheguem à meta de 3%, mas isto não ocorreu no ano passado e pode
não ocorrer neste também. As projeções do boletim Focus sobem a cada semana,
encostaram em um PIB crescendo 2%, e o freio dos juros, em queda, tende a ser
cada vez menos poderoso para harmonizar o ritmo de expansão do consumo à marcha
ordenada dos preços.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem
feito a coisa certa ao insistir em que os programas de crédito que o governo
anunciou ou vai anunciar - todos eles, segundo a promessa, com juros abaixo de
mercado - não contarão com recursos do Tesouro. Mas o Planalto parece ter seus
olhos agora mais voltados para os bancos estatais para injeção de recursos na
economia. Programas oficiais já trouxeram gastos encomendados de R$ 270 bilhões
ao BNDES, com o programa Mais Produção, base da nova-velha política industrial,
e garantias do Tesouro a empréstimos de Estados e municípios estimados em R$ 74
bilhões neste ano, ante R$ 56 bilhões em 2023.
O governo deve anunciar mais estímulos ao
crédito em breve. Está no forno o ProCred 360, com o qual se pretende facilitar
os empréstimos para pequenas e médias empresas, além de Microempreendores
individuais (MEI). Os juros poderão chegar à metade dos vigentes, mas há
indefinição sobre o volume de recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO),
que em tese seria o mesmo que já ampara o Pronampe, para pequenas e médias
empresas, instituído na pandemia, e o Desenrola, para renegociação de dívidas
de pessoas físicas, no qual 14 milhões de pessoas negociaram descontos e
parcelamento de débitos equivalentes a R$ 50 bilhões.
Em entrevista em 27 de fevereiro, o
presidente Lula anunciou outros desejos que podem se tornar realidade. Um deles
é estender o crédito consignado, no qual um percentual do salário é dado em
garantia do empréstimo, para todos os trabalhadores. A modalidade já existe
para os empregados formais. Como será operacionalizado para os informais, que
não têm fonte de renda garantida ou documentada, não é um problema trivial, mas
a intenção do governo é essa.
Mais ainda, o Planalto pretende abrir linhas
de empréstimos aos que recebem o Bolsa Família, um auxílio para que se
equilibrem precariamente acima da linha de pobreza. O governo de Jair Bolsonaro
ampliou o crédito consignado para o Bolsa Família e as pessoas que recebem o
Benefício de Prestação Continuada. O governo do PT achou que isso era um
escândalo e revogou a autorização.
Ainda em cogitação no governo, desde o
início, está a possibilidade de ampliação do crédito permitindo a aceitação
como garantia do dinheiro existentes nos fundos de previdência complementar e
em seguros pessoais, como os de vida. A intenção faz parte de um pacote
parcialmente executado - a permissão para uso de um mesmo imóvel para garantia
de vários empréstimos já foi regulamentada. Além disso, o governo garantiu um
recorde de recursos para o Plano Safra de 2023/2024, com R$ 101 bilhões, do
total de R$ 364 bilhões, a taxas subsidiadas.
Aos estímulos para a expansão do crédito
somam-se o dinheiro disponibilizado para consumo da antecipação do 13º salário
dos aposentados e pensionistas em duas parcelas, depositadas neste mês e no
próximo, que somam R$ 67 bilhões, e quitação antecipada de precatórios de R$
30,1 bilhões. O governo está lançando mão das ferramentas do crédito, pois os
gigantescos impulsos fiscais dados pela PEC de Transição, de R$ 167 bilhões, em
2023, não mais se repetirão. Ao buscar fazer com que os programas de empréstimos
tenham juros abaixo dos de “mercado”, ele retira a força da política monetária,
que conta só com juros altos para domar a inflação.
O crédito potencializará a recuperação antes
estimulada por impulsos fiscais e tende a sustentar um bom crescimento, maior
provavelmente do que aquele que é hoje estimado. Isso tem vários custos, e um
dos maiores é que a taxa de juros poderá não estacionar no nível esperado
(ainda alto e contracionista, de 8,5%). O governo pagará mais caro por sua
dívida crescente, e mais caro ainda se não cumprir a meta de zerar o déficit
primário. A busca de crescimento a qualquer custo não é bom augúrio sobre o
perfil do próximo presidente do BC a ser indicado por Lula.
Em busca de equilíbrio
Correio Braziliense
O Brasil está em terceiro lugar mundial no
tempo gasto em redes sociais, com os usuários dedicando a elas, em média, três
horas e 37 minutos diariamente
Se pararmos para pensar quanto tempo o
brasileiro gasta fazendo atividades on-line, talvez devêssemos reavaliar o
modus operandi de nosso cotidiano. Divulgado recentemente, o Relatório Digital
Global de 2024, publicado pelas parceiras We Are Social e Meltwater, aponta o
Brasil como o segundo país onde os usuários passam mais tempo conectados.
A média diária é de 9 horas e 13 minutos,
perdendo apenas para a África do Sul, com 9 horas e 24 minutos. Se passarmos
oito horas dormindo, teremos apenas outras sete horas para uma enormidade de
tarefas ou até mesmo para fazer nada e talvez exercermos o ócio criativo.
Especialistas na área de inovação destacam
alguns fenômenos importantes que podem explicar essa predileção pelo ambiente
on-line. Não podemos negar o declínio na audiência da televisão em favor do
aumento do tempo na internet. Kenneth Corrêa, professor de MBA da Fundação
Getulio Vargas (FGV), diz que isso ocorre devido à conveniência, personalização
e diversidade de conteúdos disponíveis on-line, o que impacta a evolução dos
hábitos de consumo de mídia.
Não é por acaso que o Brasil está em terceiro
lugar mundial no tempo gasto em redes sociais, com os usuários dedicando a
elas, em média, três horas e 37 minutos diariamente. Além disso, os brasileiros
ocupam a quinta posição no uso do Instagram — 78% dos adultos brasileiros estão
engajados nessa plataforma -, evidenciando a importância dessa rede social como
um canal de marketing digital crucial no país, para a alegria de empresários e
anunciantes de marcas (em nível global, segundo a pesquisa citada acima,
profissionais de marketing investiram quase US$ 720 bilhões em anúncios
digitais ao longo de 2023, representando um aumento de mais de 10% em
comparação com o ano anterior).
Entre os efeitos do uso exagerado da
navegação on-line, é visível a mudança de comportamento — tanto de crianças
quanto de adultos — em relação ao consumo de telas. Em contraponto, atividades
ao ar livre, quando muito, se limitam aos fins de semana, o que demonstra um
"embotamento" das famílias, com crianças e adolescentes fechados em
seus quartos, afundados em jogos, "reels" ou stories de alguma rede
social, e seus pais absortos em conversas de WhatsApp ou vendo algo que não
conseguiram ver durante a jornada de trabalho.
Nunca se viu tantas cenas de pessoas
caminhando na rua e tropeçando por estarem ao celular, perdendo horas preciosas
de estudo ou de sono para "bisbilhotar" a vida alheia, por causa de
acidentes de trânsito e até mesmo mortes de gente que foi tirar uma selfie e
acabou escorregando e caindo de um penhasco.
Isso sem falar de doenças muitas vezes ligadas ao ambiente digital, como vício, quadros de depressão, insônia, ansiedade, isolamento e tantas outras patologias decorrentes do aparato tecnológico. A verdade é que estabelecemos uma relação de amor e ódio com o ambiente on-line. Dependemos dele, mas muitos de nós estamos adoecendo também por causa dele.
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