sexta-feira, 5 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Extensão do foro especial visa a evitar prescrições

O Globo

Voto de Gilmar remedeia brecha aberta quando Corte restringiu a prerrogativa dos ocupantes de cargos públicos

O Brasil não é o único país a prever que ocupantes de altos cargos — como presidentes, governadores, ministros, deputados, senadores, prefeitos ou generais — sejam julgados apenas por Cortes superiores. A distinção, chamada foro especial, tem razão de ser. É do interesse público resguardar o exercício dessas funções. Sem o foro, ministros de Estado estariam suscetíveis a inúmeras ações iniciadas em diferentes pontos do Brasil. Deputados e senadores seriam alvos fáceis de opositores políticos em variadas instâncias da Justiça. Foi para evitar o uso político dos tribunais que se concedeu a tais cargos a prerrogativa de ser julgados apenas por juízes das altas Cortes.

Por muito tempo, o foro especial foi no Brasil sinônimo de privilégio, em razão do pouco apetite das Cortes superiores por punir os poderosos. Mas isso começou a mudar a partir do escândalo do mensalão. A profusão de processos gerada pelos casos de corrupção, em particular na Operação Lava-Jato, sobrecarregou o Supremo Tribunal Federal (STF), fato que contribuiu para que, em 2018, os ministros restringissem o foro especial a crimes relacionados ao cargo público e cometidos em seu exercício.

Mas essa decisão deixou uma brecha aberta. Bastava o político sair do cargo no meio de um julgamento para seus casos serem transferidos a instâncias inferiores (a não ser que estivessem na fase de alegações finais). Os interessados em adiar a sentença até a prescrição dos crimes passaram a ver num pedido de demissão ou numa renúncia a oportunidade de enviar as ações penais a juízes da primeira instância, protelando as decisões da Justiça.

Em 2014, o senador mineiro Clésio Andrade respondia a processo sob acusação de peculato e lavagem de dinheiro. Quando o ministro Luís Roberto Barroso marcou audiência para interrogá-lo, ele renunciou, e o caso foi enviado à Justiça Federal em Belo Horizonte. Um inquérito aberto em 2013 contra o senador Zequinha Marinho (Pode-PA) começou no STF, foi remetido a diferentes tribunais, e até hoje o réu não foi interrogado.

Esse tipo de manobra levou o Supremo a reexaminar o foro especial. No voto que deu em dois processos sob sua relatoria, o ministro Gilmar Mendes defende manter na Corte os processos nela iniciados, mesmo com a interrupção do exercício do cargo público (quatro ministros já apoiaram o voto de Gilmar no plenário virtual).

É verdade que cabe ao Congresso estabelecer a extensão da prerrogativa constitucional do foro especial. Uma Proposta de Emenda à Constituição que o limita a cinco cargos (presidente e vice-presidente da República, presidentes de Câmara, Senado e STF) foi aprovada em 2017 no Senado, e há pressão para que seja votada na Câmara. Mas trata-se apenas de uma tentativa de esvaziar a lei em benefício dos que querem escapar de uma decisão judicial rápida e desfavorável — e deveria ser deixada de lado. No que diz respeito à proteção constitucional aos altos cargos públicos, o Parlamento nada propôs de sensato até agora.

Por isso, ainda que não seja recomendável ao Supremo mudar de opinião com frequência sobre um tema a respeito do qual já tomou decisão, é importante que os ministros voltem a se pronunciar agora para tapar a brecha deixada, apoiando a proposta de Gilmar. Do contrário, permanecerá o caminho para a impunidade.

Inépcia de governos deixa intocado dinheiro para construir presídios

O Globo

Mesmo com R$ 1,1 bilhão à disposição para investir, faltam vagas no sistema carcerário

Gestão está entre os maiores desafios da segurança pública no Brasil. Mesmo quando há verbas para investir, a demora impede avanços. Isso ficou claro com a divulgação de dados do Ministério da Justiça sobre o destino de recursos enviados aos governadores para cuidar das prisões. Entre 2016 e 2023, os estados deixaram de usar 41,7% do dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Resultado: há inacreditável R$ 1,1 bilhão parado na conta do fundo.

Demanda por recursos é óbvio que existe. O Brasil tem 650.305 presos e apenas e 488.035 vagas nos presídios, revelou no final de março a Secretaria Nacional de Políticas Penais. O déficit é crônico. Desde o início da década, não fica abaixo de 100 mil vagas. Também é preciso reconhecer que houve melhora. Em 2019, faltavam mais de 300 mil. Ainda assim, o problema continua gigantesco.

Penitenciárias não são obras simples. Precisam do apoio dos eleitores nas comunidades onde serão instaladas, além de exigirem planejamento e execução cuidadosos. Sem fiscalização atenta, projetos e obras podem favorecer fugas. Por tudo isso demoram para ficar prontas. Mas certamente a complexidade não justifica a paralisia de recursos ao longo de oito anos.

O Rio de Janeiro, com déficit de 14.914 vagas, é o estado com mais dinheiro disponível. Apenas R$ 36 milhões dos R$ 123 milhões enviados foram usados. Rondônia, onde faltam 1.906 vagas, tem saldo de R$ 73,5 milhões. De todos os estados, o Amapá registra a execução mais baixa das verbas disponíveis, apenas 23%. A inoperância parece um acinte, já que o estado tem a maior taxa de homicídios do país, 52,6 por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional.

A gestão é tão deficiente que o governo tem organizado oficinas com os servidores dos estados para explicar como usar o dinheiro. As verbas podem ser investidas em construção e ampliação de presídios ou munição para agentes penitenciários, entre outros destinos. Governadores costumam denunciar a falta de apoio do governo federal e culpam a falta de recursos para justificar as carências à população. No caso dos fundos penitenciários não há desculpas. As verbas anuais até têm caído, mas, se não são executadas, não há do que reclamar.

Prover condições minimamente dignas a detentos é obrigação intransferível do Estado. A situação é ainda mais constrangedora num país de cadeias superlotadas, fontes de recrutas para as facções criminosas que as controlam. Mesmo a outrora inexpugnável rede de presídios de segurança máxima sofreu revés com a fuga inédita da penitenciária de Mossoró (os detentos foram recapturados ontem). A crise na segurança pública continuará a amedrontar os brasileiros enquanto não houver a seriedade necessária para enfrentá-la. Investir no sistema carcerário o dinheiro já disponível é o mínimo a exigir dos governadores.

Pressão de Lula volta a tumultuar a Petrobras

Folha de S. Paulo

Declaração de ministro gera especulação sobre troca na chefia da empresa, em sinal de desordem administrativa e política

O conflito escandaloso entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, é o episódio mais recente de uma longa crise provocada pelo desejo do presidente da República e de outros nomes do governo de intervir nas diretrizes da maior empresa do país.

Os embates apenas se tornam mais vexatórios e contraproducentes, por abalar o crédito da estatal e criar ainda mais suspeitas sobre a racionalidade econômica de ideias e decisões de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe.

Em entrevista à Folha, Silveira fez questão de dizer que manda na empresa, que não abre mão da "autoridade" e que nisso tem apoio de Lula; desdenhou das capacidades de Prates. A nova fritura levou o presidente da petroleira a pedir reunião com Lula, a fim de discutir sua situação no cargo.

Nesse ínterim, Silveira, Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda) debatiam o destino dos dividendos extras, retidos por decisão da maioria governista no Conselho da Petrobras —e circulava a notícia alarmante de que o petista Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, foi cogitado para o comando da petroleira.

O fato de o pagamento de dividendos ter motivado uma grande turbulência —e vir sendo discutido há semanas em reuniões ministeriais— já indicaria o quão politizada é a gestão da empresa. Mas o problema é mais profundo.

Desde o ano passado, Lula pressiona por intervenção nos preços dos combustíveis e na distribuição de lucros para os acionistas. Quer que a companhia invista mais, em refinarias ou na indústria naval.

Silveira e Costa fazem coro com o chefe. Haddad juntou-se recentemente às discussões e procura racionalizar o debate, mas o sucesso do seu plano fiscal depende também dos dividendos que a Petrobras paga ao Tesouro.

O governo federal, como acionista majoritário, pode definir diretrizes para a Petrobras. A condição é que não imponha a essa empresa mista, sob controle estatal, uma atuação que ignore orientações e condições de mercado, a não ser que a compense por eventuais perdas —como preveem a lei e estatutos da companhia.

Porém nem ao menos há plano claro. Sabe-se somente de vagos desejos de Lula, que lembram políticas de mandatos petistas anteriores, de resultados ruinosos.

Além de daninha para empresa e para a imagem econômica do governo e do país, esse novo capítulo da crise expõe desorganização administrativa e política.

Não há um curso planejado de ação, mas permissão para que autoridades se entreguem a intrigas e sabotagens a fim de influenciar os destinos da Petrobras.

Mal avaliado

Folha de S. Paulo

MEC atenta com atraso para necessidade de melhorar escrutínio do ensino superior

Não há como desenhar políticas públicas para a educação sem sistemas de avaliação. No entanto as sondagens do governo federal para aferir a qualidade das universidades brasileiras há tempos apresentam problemas que podem impactar os dados produzidos.

Desde 2004, o Inep, ligado ao Ministério da Educação, realiza uma avaliação conjunta de indicadores de qualidade do ensino superior.

Entre eles está o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), com foco no aprendizado, e o Índice Geral de Cursos (IGC), que analisa graduação, pós-graduação e número de matrículas.

Divulgados na terça-feira (2), os dados do IGC, apesar de apresentarem aspectos questionáveis, indicam situação preocupante. Em 2022, apenas 54 das 4.998 instituições analisadas alcançaram a nota máxima, o que representa 2,7%.

A pontuação vai de 1 a 5: 4 e 5 atestam qualidade; 3 é a nota mínima exigida; 1 e 2 são inadequadas.

O IGC —assim como o Ranking Universitário Folha (RUF)— aponta a já conhecida tendência de superioridade das universidades públicas sobre as privadas. Entre as federais, 85% alcançaram 4 ou 5; nas estaduais, 41%, e nas privadas com fins lucrativos, só 21%.

Em 2018, o Tribunal de Contas da União verificou falhas nas metodologias dos indicadores, que criam distorções —como inflacionar a qualidade de cursos e discrepâncias entre a avaliação de um curso e a nota de seus alunos no Enade.

Ainda há outras questões que podem ser elencadas. A pontuação do Enade não produz efeito para o estudante, o que desincentiva o empenho. A trajetória dos egressos recebe pouca atenção, tampouco a evasão durante o curso.

Não à toa, o Inep também anunciou propostas para melhorar o sistema —como empregabilidade dos diplomados, permanência do aluno e conclusão dos estudos, proporção de doutorandos, citações de pesquisas e impacto social.

MEC, instituições, professores, discentes e especialistas precisam analisar e debater as sugestões para aperfeiçoar o modelo de avaliação das universidades. Só com dados de qualidade é possível refinar as políticas para o setor.

O custo da chantagem no Ministério da Saúde

O Estado de S. Paulo

Por R$ 8,2 bi em repasses sem controle, Centrão tolerou Nísia Trindade no Ministério da Saúde. E o governo concordou em pagar. Azar dos que dependem do Estado para cuidar da saúde

O governo do presidente Lula da Silva e lideranças do Congresso parecem ter chegado a um preço pela permanência de Nísia Trindade à frente do Ministério da Saúde, sabe-se lá até quando: R$ 8,2 bilhões. Esse foi o valor repassado pela pasta aos Estados e municípios em 2023 fora dos controles republicanos, como revelou o Estadão. Alguns entes agraciados com repasses milionários não tinham sequer capacidade material para dispor de tanto dinheiro, um fato revelador de que a saúde e o bem-estar dos cidadãos estiveram muito longe de ser a grande preocupação dos envolvidos.

Há tempos o Centrão, conduzido pelo cabresto curto do presidente da Câmara, Arthur Lira, cobiça a cadeira de Nísia pelo portentoso orçamento da pasta e sua imensa capilaridade nacional. Sob forte pressão, a ministra tem se sustentado no cargo, mas aos poucos tem dado mostras de que parece ter entendido como a banda toca em Brasília. A autorização desses repasses ao abrigo da luz parece indicar que a ministra resolveu dançar conforme a música. Uma lástima, considerando o perfil técnico e a biografia impecável de Nísia.

Nada haveria de errado se os recursos federais tivessem chegado a seus destinos para viabilizar projetos bem planejados e implementados que, de fato, transformassem a vida da população local. Estar-se-ia ainda no campo das boas relações federativas e do respeito à Constituição se o manejo desses R$ 8,2 bilhões pudesse ser auditado de forma técnica e transparente e, não menos importante, se os resultados das políticas públicas supostamente financiadas por esses repasses pudessem ser mensurados.

Evidentemente, não foi o que aconteceu. E, a rigor, nem poderia ter sido, pois todo o processo de liberação dessa dinheirama foi montado de forma a servir a um propósito político-eleitoral, não para cuidar da saúde das pessoas. A blindagem de um escrutínio preciso, portanto, era um elemento fundamental para a consecução de objetivos para lá de antirrepublicanos.

Ora, a própria pasta da Saúde define critérios objetivos para liberar recursos, muitos ligados à capacidade de gestão dos entes federativos. Na prática, isso significa, entre outras medidas, estabelecer um teto de repasses diretamente vinculado à estrutura de atendimento local – o que faz todo o sentido à luz da racionalidade administrativa. Entretanto, o teto é válido para emendas parlamentares e algumas outras alíneas do orçamento, mas não para os repasses classificados como “emergenciais”. Eis a malandragem.

Boa parte dos R$ 8,2 bilhões foi enviada aos Estados e municípios justamente como “repasses emergenciais”. Resultado: em 651 cidades, o valor recebido extrapolou o teto fixado pelo Ministério da Saúde; em 20 delas, em mais de 1.000%. Onde foi parar todo esse dinheiro, só governadores, prefeitos e os padrinhos desses repasses no Congresso e no governo podem dizer.

Tanto Nísia Trindade como o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, juram de pés juntos que tudo foi feito de acordo com a lei e com as diretrizes das pastas que chefiam. Porém, não há explicações convincentes sobre os motivos pelos quais houve cidades que pediram recursos emergenciais à União e não os receberam, enquanto outras receberam muito mais do que poderiam gastar. Nesse sentido, decerto não é coincidência o fato de Alagoas, Estado de Lira, ter sido o mais beneficiado pelos repasses da Saúde, com R$ 166,5 milhões (além de outros R$ 103 milhões apenas para a capital Maceió, reduto eleitoral do presidente da Câmara).

Sabe-se que Lula tem de lidar com um Congresso que, se não lhe é totalmente hostil, está longe de lhe garantir conforto, mínimo que seja. Em primeiro lugar, há a dificuldade política advinda das urnas: a sociedade elegeu representantes que, em sua maioria, são avessos à agenda política de Lula e do PT. Ademais, os parlamentares se autoatribuíram prerrogativas sobre o Orçamento que tornam refém quem quer que seja o presidente da República. Assim, negociar apoio, sobretudo nessas condições, é legítimo. O que é inaceitável é esse vale-tudo à custa da saúde da população.

Qualidade exige critério

O Estado de S. Paulo

Se o governo federal mudar de fato os critérios de avaliação dos cursos de graduação e faculdades, o Brasil pode enfim começar a corrigir erros históricos no ensino superior

O governo planeja alterar os critérios com os quais o Ministério da Educação (MEC) avalia os cursos de graduação e das faculdades do Brasil, acrescentando dimensões mais compatíveis com as exigências por qualidade, com a formação no ensino superior e com a adequação ao mercado de trabalho e à pesquisa. Caso se confirme o que foi antecipado pelo Inep, órgão ligado ao MEC, será uma bem-vinda correção de rota numa área que há muito tempo exibe um abecedário de erros, deficiências e distorções.

As ideias em gestação foram mencionadas na divulgação dos indicadores referentes a 2022 – o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC). O primeiro avalia a graduação, incluindo desempenho dos alunos por meio de uma avaliação nacional (Enade), corpo docente, infraestrutura e questionário respondido pelos universitários. O segundo abrange também a avaliação da pós-graduação e dá uma nota para as instituições. Os novos critérios podem incorporar itens como qualidade da formação, empregabilidade e taxas de conclusão, além de organizar melhor os indicadores avaliados, como infraestrutura, corpo docente, questões pedagógicas e investimento em pesquisa e desenvolvimento.

É fato que nenhum dos critérios atuais tem respondido adequadamente ao que se espera de uma avaliação do ensino: nem ajudam o governo a identificar com precisão os erros e acertos de estudantes e universidades nem contribuem para que as instituições corrijam fraquezas e aperfeiçoem seus métodos e práticas. Não à toa um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado no fim do governo de Michel Temer, apresentou um rosário de críticas ao modelo de avaliação do ensino superior brasileiro. O Enade foi especialmente reprovado pela OCDE.

Os dados do CPC e do IGC divulgados agora confirmam certas mazelas do ensino superior brasileiro: uma esmagadora maioria dos cursos presenciais com indicadores melhores do que os cursos a distância, um porcentual ínfimo (2,7%) das instituições com nota máxima e uma significativa diferença de qualidade entre instituições públicas e privadas. É o resultado de diversos problemas, entre os quais a extravagante abertura de vagas no ensino superior privado e a descabida inversão de prioridades – o País investe muito mais no ensino superior do que na educação básica, com um sistema de transferência de renda e geração de oportunidade às avessas, completado e aprofundado pela defasagem do ensino técnico e profissionalizante.

É boa notícia constatar que a atual gestão do MEC parece ter consciência dessas distorções – e que pode agir para modificá-las em parte. Olhar para a qualidade e frear o avanço dos cursos ruins foram duas dessas ações apontadas pelo ministro Camilo Santana ao Estadão. Acrescentem-se outras duas, imprescindíveis: usar métricas atualizadas e oferecer incentivos aos bons exemplos. Também não bastarão bons critérios. Afinal, a estrutura do MEC é reconhecidamente deficiente para regular e fiscalizar, razão pela qual o ministro tem defendido a criação de uma espécie de agência reguladora para o ensino superior privado, prevendo um novo instituto que fique responsável pelas avaliações.

Resta ao ministro e sua equipe combinarem com os companheiros petistas – o PT, como se sabe, sempre foi um inimigo histórico das agências reguladoras. Também precisarão ser firmes e criteriosos no desenho de qualquer novo órgão estatal, a ser regido pela eficiência e bom uso dos recursos públicos, não pelo seu inverso. E, como parte da tarefa de aumentar a qualidade da educação superior, convém dedicar um olhar especial contra a farra da educação a distância e a constrangedora formação de professores nos cursos de pedagogia. Enquanto o chamado EAD converteu-se em caça-níquel de critérios questionáveis, a formação inicial de docentes é a essência para uma educação básica de alto nível, sem a qual os alunos brasileiros continuarão chegando trôpegos – quando chegam – ao ensino médio, à universidade e ao ensino técnico.

Surrealismo judicial

O Estado de S. Paulo

Ao avaliar caso do Coaf, STF decide que suas próprias decisões, ora vejam, são válidas

Depois de cinco anos e centenas de investigações criminais prejudicadas Brasil afora, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) pode compartilhar dados de investigados com autoridades policiais e membros do Ministério Público (MP) independentemente de autorização judicial. O enredo do caso é surreal.

Na terça-feira passada, a Primeira Turma do STF validou por unanimidade uma liminar naquele sentido concedida pelo ministro Cristiano Zanin em novembro de 2023. À época, Zanin acolheu um recurso do MP do Pará contra uma decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou ilegais as provas obtidas num determinado processo a partir de dados do Coaf que chegaram aos investigadores sem ter havido prévia provocação do Poder Judiciário.

Na decisão liminar, Zanin lembrou que, em novembro de 2019, o STF firmara o entendimento – inclusive com repercussão geral – de que a polícia e o MP podem solicitar informações diretamente ao Coaf ou o órgão de inteligência financeira pode fornecê-las espontaneamente às autoridades caso identifiquem movimentações financeiras atípicas.

Tão evidente era a incongruência entre a decisão do STJ e a jurisprudência do STF que os ministros do Supremo chegaram no limiar da pilhéria durante a sessão da Primeira Turma. “Parece ter havido o que a gente chama de manifesto descompasso”, disse a ministra Cármen Lúcia. “É flagrante a contradição com o que foi decidido pelo STF”, reforçou o ministro Alexandre de Moraes, concluindo que, “na verdade, (o STJ) leu pela metade o julgamento (de 2019)”.

O curioso, para não dizer estarrecedor, é que esse vaivém judicial não se deu apenas por entendimentos divergentes entre as duas Cortes Superiores. Membros do próprio STF já adotaram posicionamentos diferentes sobre a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo de dados do Coaf com as autoridades investigativas.

Convém relembrar que, em julho de 2019, poucos meses, portanto, antes de o STF firmar a tese ora revalidada por sua Primeira Turma, o ministro Dias Toffoli mandou suspender todas as ações judiciais e investigações policiais contra o senador Flávio Bolsonaro (PLRJ) sobre a prática de “rachadinha”. Esses procedimentos tinham como base relatórios do Coaf que chegaram ao MP sem pedido prévio à Justiça.

Em novembro daquele mesmo ano, Toffoli votou pela cassação de sua própria liminar e acompanhou a maioria do STF para declarar plenamente constitucional aquilo que quatro meses antes classificara como ilegal.

Segundo o Ministério Público Federal, essa confusão toda envolvendo o tratamento de dados do Coaf por policiais, promotores e procuradores atrapalhou o bom andamento de quase mil investigações criminais em todo o País. Após a reafirmação do entendimento do STF, muitas delas decerto serão retomadas a partir de agora. Mas sabe-se lá com quantas lacunas a serem preenchidas depois de tanto tempo – algumas talvez insanáveis. Os lavadores de dinheiro agradecem.

Estímulos ao crédito tiram força da política monetária

Valor Econômico

Juro poderá não estacionar no nível esperado, ainda alto e contracionista, de 8,5%

Com mais pessoas empregadas, ganhando salários maiores, e com inflação em queda, o crédito, uma das alavancas do crescimento, está dando saltos. As novas concessões de empréstimos nos 12 meses encerrados em fevereiro avançaram 9,1%, com uma expansão muito mais significativa no crédito destinado à compra de bens, de 18,1%. A inadimplência parou de crescer, mas continua muito alta, assim como a taxa de juros, cujo declínio será sentido com mais força apenas mais alguns meses à frente. A inflação passou a cair mais devagar, o que complicou a tarefa do Banco Central. O governo Lula, por outro lado, não está muito preocupado com isso e não para de anunciar novos programas de expansão do crédito.

A aceleração do crédito não é compatível com o estágio atual de aperto monetário, o que exprime uma contradição interna ao governo desde sua posse. Algum esfriamento da economia é necessário para que os preços se aconcheguem à meta de 3%, mas isto não ocorreu no ano passado e pode não ocorrer neste também. As projeções do boletim Focus sobem a cada semana, encostaram em um PIB crescendo 2%, e o freio dos juros, em queda, tende a ser cada vez menos poderoso para harmonizar o ritmo de expansão do consumo à marcha ordenada dos preços.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem feito a coisa certa ao insistir em que os programas de crédito que o governo anunciou ou vai anunciar - todos eles, segundo a promessa, com juros abaixo de mercado - não contarão com recursos do Tesouro. Mas o Planalto parece ter seus olhos agora mais voltados para os bancos estatais para injeção de recursos na economia. Programas oficiais já trouxeram gastos encomendados de R$ 270 bilhões ao BNDES, com o programa Mais Produção, base da nova-velha política industrial, e garantias do Tesouro a empréstimos de Estados e municípios estimados em R$ 74 bilhões neste ano, ante R$ 56 bilhões em 2023.

O governo deve anunciar mais estímulos ao crédito em breve. Está no forno o ProCred 360, com o qual se pretende facilitar os empréstimos para pequenas e médias empresas, além de Microempreendores individuais (MEI). Os juros poderão chegar à metade dos vigentes, mas há indefinição sobre o volume de recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO), que em tese seria o mesmo que já ampara o Pronampe, para pequenas e médias empresas, instituído na pandemia, e o Desenrola, para renegociação de dívidas de pessoas físicas, no qual 14 milhões de pessoas negociaram descontos e parcelamento de débitos equivalentes a R$ 50 bilhões.

Em entrevista em 27 de fevereiro, o presidente Lula anunciou outros desejos que podem se tornar realidade. Um deles é estender o crédito consignado, no qual um percentual do salário é dado em garantia do empréstimo, para todos os trabalhadores. A modalidade já existe para os empregados formais. Como será operacionalizado para os informais, que não têm fonte de renda garantida ou documentada, não é um problema trivial, mas a intenção do governo é essa.

Mais ainda, o Planalto pretende abrir linhas de empréstimos aos que recebem o Bolsa Família, um auxílio para que se equilibrem precariamente acima da linha de pobreza. O governo de Jair Bolsonaro ampliou o crédito consignado para o Bolsa Família e as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada. O governo do PT achou que isso era um escândalo e revogou a autorização.

Ainda em cogitação no governo, desde o início, está a possibilidade de ampliação do crédito permitindo a aceitação como garantia do dinheiro existentes nos fundos de previdência complementar e em seguros pessoais, como os de vida. A intenção faz parte de um pacote parcialmente executado - a permissão para uso de um mesmo imóvel para garantia de vários empréstimos já foi regulamentada. Além disso, o governo garantiu um recorde de recursos para o Plano Safra de 2023/2024, com R$ 101 bilhões, do total de R$ 364 bilhões, a taxas subsidiadas.

Aos estímulos para a expansão do crédito somam-se o dinheiro disponibilizado para consumo da antecipação do 13º salário dos aposentados e pensionistas em duas parcelas, depositadas neste mês e no próximo, que somam R$ 67 bilhões, e quitação antecipada de precatórios de R$ 30,1 bilhões. O governo está lançando mão das ferramentas do crédito, pois os gigantescos impulsos fiscais dados pela PEC de Transição, de R$ 167 bilhões, em 2023, não mais se repetirão. Ao buscar fazer com que os programas de empréstimos tenham juros abaixo dos de “mercado”, ele retira a força da política monetária, que conta só com juros altos para domar a inflação.

O crédito potencializará a recuperação antes estimulada por impulsos fiscais e tende a sustentar um bom crescimento, maior provavelmente do que aquele que é hoje estimado. Isso tem vários custos, e um dos maiores é que a taxa de juros poderá não estacionar no nível esperado (ainda alto e contracionista, de 8,5%). O governo pagará mais caro por sua dívida crescente, e mais caro ainda se não cumprir a meta de zerar o déficit primário. A busca de crescimento a qualquer custo não é bom augúrio sobre o perfil do próximo presidente do BC a ser indicado por Lula.

Em busca de equilíbrio

Correio Braziliense

O Brasil está em terceiro lugar mundial no tempo gasto em redes sociais, com os usuários dedicando a elas, em média, três horas e 37 minutos diariamente

Se pararmos para pensar quanto tempo o brasileiro gasta fazendo atividades on-line, talvez devêssemos reavaliar o modus operandi de nosso cotidiano. Divulgado recentemente, o Relatório Digital Global de 2024, publicado pelas parceiras We Are Social e Meltwater, aponta o Brasil como o segundo país onde os usuários passam mais tempo conectados.

A média diária é de 9 horas e 13 minutos, perdendo apenas para a África do Sul, com 9 horas e 24 minutos. Se passarmos oito horas dormindo, teremos apenas outras sete horas para uma enormidade de tarefas ou até mesmo para fazer nada e talvez exercermos o ócio criativo.

Especialistas na área de inovação destacam alguns fenômenos importantes que podem explicar essa predileção pelo ambiente on-line. Não podemos negar o declínio na audiência da televisão em favor do aumento do tempo na internet. Kenneth Corrêa, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que isso ocorre devido à conveniência, personalização e diversidade de conteúdos disponíveis on-line, o que impacta a evolução dos hábitos de consumo de mídia.

Não é por acaso que o Brasil está em terceiro lugar mundial no tempo gasto em redes sociais, com os usuários dedicando a elas, em média, três horas e 37 minutos diariamente. Além disso, os brasileiros ocupam a quinta posição no uso do Instagram — 78% dos adultos brasileiros estão engajados nessa plataforma -, evidenciando a importância dessa rede social como um canal de marketing digital crucial no país, para a alegria de empresários e anunciantes de marcas (em nível global, segundo a pesquisa citada acima, profissionais de marketing investiram quase US$ 720 bilhões em anúncios digitais ao longo de 2023, representando um aumento de mais de 10% em comparação com o ano anterior).

Entre os efeitos do uso exagerado da navegação on-line, é visível a mudança de comportamento — tanto de crianças quanto de adultos — em relação ao consumo de telas. Em contraponto, atividades ao ar livre, quando muito, se limitam aos fins de semana, o que demonstra um "embotamento" das famílias, com crianças e adolescentes fechados em seus quartos, afundados em jogos, "reels" ou stories de alguma rede social, e seus pais absortos em conversas de WhatsApp ou vendo algo que não conseguiram ver durante a jornada de trabalho.

Nunca se viu tantas cenas de pessoas caminhando na rua e tropeçando por estarem ao celular, perdendo horas preciosas de estudo ou de sono para "bisbilhotar" a vida alheia, por causa de acidentes de trânsito e até mesmo mortes de gente que foi tirar uma selfie e acabou escorregando e caindo de um penhasco.

Isso sem falar de doenças muitas vezes ligadas ao ambiente digital, como vício, quadros de depressão, insônia, ansiedade, isolamento e tantas outras patologias decorrentes do aparato tecnológico. A verdade é que estabelecemos uma relação de amor e ódio com o ambiente on-line. Dependemos dele, mas muitos de nós estamos adoecendo também por causa dele.

 

 

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