sábado, 6 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta no crédito deve ser encarada com cautela

O Globo

Brasil não alcançará crescimento sustentado com base no consumo, mas no investimento e no equilíbrio fiscal

A alta no crédito ao consumidor vem sendo apresentada como uma das notícias econômicas positivas do primeiro trimestre. A concessão de empréstimos para comprar bens cresceu 18% no período de 12 meses encerrados em fevereiro, maior patamar dos últimos cinco anos. Embora haja bons motivos para comemorar o feito, o governo deveria tomar cuidado para não chegar a conclusões erradas. Em administrações anteriores do PT, acreditou-se que bastava irrigar a economia com dinheiro barato para fazer o PIB crescer. O que se viu foi uma expansão insustentável. Se não aprender com os erros do passado, o governo arrisca cair na mesma armadilha.

O recente salto no crédito tem múltiplas causas. Com a queda da inflação e dos juros, os consumidores hoje pagam menos pelos empréstimos. O desemprego em queda, a renda em alta e o programa Desenrola permitiram que sustassem velhas dívidas e pudessem contrair novas. Quatro em dez brasileiros dizem estar dispostos a ampliar gastos com bens como móveis ou eletrodomésticos nos próximos 12 meses, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os efeitos deverão se fazer sentir mais no segundo semestre. Esse é um dos fatores que têm elevado as previsões de crescimento da economia para 2024. Analistas ouvidos pelo Banco Central preveem hoje um PIB 1,9% maior neste ano (há quatro semanas, a previsão era 1,8%).

A mudança em marcha no mercado de crédito ao consumo, embora alvissareira, deve ser encarada com cautela. A fragilidade financeira das famílias diminuiu, mas ainda é alta. A inadimplência das pessoas físicas começou a cair no ano passado. Mas, como destacaram os economistas Paula Marina Sarno e Rudrá Balmant de Moura em artigo recente, são declínios modestos.

A última medida que o governo deveria tomar nessa conjuntura é aquecer artificialmente o mercado de crédito ao consumo. Ao que parece, a intenção é justamente essa. Em manifestações públicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado o desejo de estender o crédito consignado aos trabalhadores informais (um desafio, pois os juros mais baixos cobrados nessa modalidade são garantidos por salários fixos). O governo cogita também abrir linhas de empréstimo para beneficiários do Bolsa Família e permitir o uso dos recursos de fundos de previdência complementar e seguros pessoais como garantia em empréstimos.

Todas essas ideias refletem uma visão distorcida de como funciona a economia, mal crônico nas gestões petistas. O crescimento sustentado de que o Brasil precisa só virá pela via do investimento, que registrou a marca constrangedora de 16,5% do PIB no ano passado (ante necessidade estimada em 25%). As empresas só investem mais quando enxergam condições favoráveis em prazos mais longos. É esse o objetivo que deve ser perseguido.

Para alcançá-lo, Lula poderia aproveitar o bom momento oferecido pelo cenário de expansão no crédito e adotar uma agenda que garantisse um ambiente de negócios menos hostil (a começar pela regulamentação da reforma tributária). A parte mais crítica dessa agenda é o equilíbrio fiscal. Enquanto persistir dúvida sobre a solvência das contas públicas, não haverá como resgatar a confiança dos investidores no futuro. Essa é a tarefa crítica do governo. Não há atalhos para um país atingir o crescimento econômico sustentado, como Lula já deveria ter aprendido.

Contaminação de ianomâmis por mercúrio é efeito da omissão do Estado

O Globo

Estudo constatou deterioração cognitiva e problemas neurológicos associados ao garimpo ilegal

A crise humanitária dos ianomâmis ainda está longe de resolvida. A população de 30 mil indígenas, distribuída entre Roraima e Amazonas, na fronteira do Brasil com a Venezuela, continua a conviver com o garimpo ilegal, apesar da operação promovida na região pelo governo federal em janeiro do ano passado. A própria ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, reconheceu o fracasso.

Os ianomâmis têm pagado um preço alto pela exploração clandestina do ouro. Uma pesquisa da Fiocruz sobre o efeito nos indígenas do mercúrio usado nos garimpos constatou graves deficiências cognitivas entre crianças da etnia. Os índices cognitivos baixos encontrados pelos pesquisadores — Q.I. médio de 68, quando o esperado seria 100, numa escala que vai até 120 — podem ser resultado da contaminação por mercúrio, da desnutrição infantil ou de outros problemas sanitários. Em qualquer caso, estão vinculados aos garimpos ilegais.

O estudo é o terceiro do grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde, da Fiocruz, que analisa a contaminação por mercúrio em indígenas, vulneráveis por viverem próximos a rios e se alimentarem de peixes contaminados. Uma equipe de 22 pessoas fez avaliações médicas, neurológicas, nutricionais e sociais. Nos exames neurológicos, também em adultos, 30% dos resultados ficaram abaixo do normal.

De acordo com o coordenador do estudo, Paulo Basta, apenas uma pesquisa contínua que acompanhasse o desenvolvimento das crianças forneceria as causas exatas das perdas cognitivas. Mesmo assim, ele considera que há “indícios robustos” de que a causa básica dos problemas neurológicos é a exposição crônica ao mercúrio. É sintomático que todas as 287 amostras de cabelo de indígenas de nove aldeias ninam, no Alto Rio Mucajaí, em Roraima, indicassem a presença de mercúrio. O mesmo ocorreu com todos os peixes coletados para a pesquisa, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA). As crianças com os piores índices apresentavam os níveis mais altos de contaminação por mercúrio.

Para romper a cadeia de intoxicação por mercúrio, é preciso inviabilizar a atividade ilegal que chegou a atrair 20 mil garimpeiros. É um problema antigo que passa de governo para governo. Em 1992, ano em que a reserva ianomâmi foi demarcada, o governo Collor expulsou 40 mil garimpeiros da região. Com apoio da Polícia Federal e do Exército, pistas de pouso clandestinas foram destruídas por explosivos. Foi um equívoco achar que a preservação do território estava garantida. As pistas foram reabertas, e a infraestrutura do garimpo foi reconstruída.

Agora há evidências de que aumentou o volume de dinheiro aplicado na mineração clandestina. Os anos de abandono da Amazônia ajudaram a fortalecer o garimpo ilegal, hoje vinculado ao crime organizado. A contaminação de indígenas por mercúrio é o efeito perverso de falhas e omissões de vários governos. Os ianomâmis precisam de mais ajuda emergencial do Estado. Desta vez, é essencial manter o poder público na região.

Estado imaginário, ditador de verdade

Folha de S. Paulo

Maduro instiga fantasia de anexar território da Guiana com objetivo de facilitar a sua agenda liberticida na Venezuela

Na caixa de ferramentas dos autocratas preocupados com a sua sustentação no poder consta a instigação de conflitos com países estrangeiros. Por meio da patriotada, o regime cria um pretexto para inibir a oposição doméstica em nome da mobilização das energias nacionais contra um inimigo externo.

Nicolás Maduro não inova na forma, portanto, ao promover a celeuma em torno do território do Essequibo, da vizinha Guiana. Já no conteúdo o ditador venezuelano deixa a sua contribuição pessoal para a coleção universal das barbaridades praticadas pelo despotismo em suas disputas de fronteira.

Na quinta-feira (4), o sucessor de Hugo Chávez promulgou uma lei que cria o estado venezuelano da Guiana Essequiba, expropriando em um golpe de caneta a Guiana de dois terços de seu território. Tudo não passa de um exercício de ficção aplicado à geopolítica.

Tumeremo, a "capital" da unidade federativa parida pela imaginação chavista, fica na região de Bolívar, dentro da Venezuela. As decisões administrativas porventura tomadas pelos governantes do estado de fancaria não encontrarão quem as execute dentro do território soberano da Guiana.

Tanta criatividade não se confunde com ingenuidade ou loucura. O ditador manipula o sentimento da população, que majoritariamente rejeita o traçado fronteiriço definido em 1899, tendo submetido o tema a plebiscito em dezembro.

A descoberta recente de portentosas reservas petrolíferas na costa do Essequibo aguçou a cobiça retórica do regime chavista sobre a região, embora a hipótese da invasão militar pareça improvável diante dos estragos que provocaria na diplomacia das Américas e na depauperada economia venezuelana.

O objetivo real dessa pantomima nacionalista é facilitar a navegação de Nicolás Maduro na repressão a qualquer possibilidade de competição eleitoral viável em seu país.

ditadura fechou as portas à participação das candidatas opositoras mais populares no pleito presidencial de 28 de julho. O descaramento foi tal que chegou a provocar críticas do governo petista, até então sempre disposto a defender as atrocidades do aliado.

A detenção por razões políticas atingiu quase 16 mil pessoas na última década, segundo a ONG Foro Penal. Mais de 250 continuam encarceradas, e milhares são objeto de medidas que restringem as suas liberdades civis.

O regime prepara uma legislação, cinicamente denominada antifascista, para apertar ainda mais o garrote contra os opositores.

A ditadura de verdade —opressora, violenta e corrupta— recorre à fantasia da Guiana Essequiba apenas para acelerar a marcha de sua agenda liberticida doméstica.

Medicina ideológica

Folha de S. Paulo

CFM cerceia direito ao aborto ao impor limite temporal para fazer procedimento

Após o comportamento insensato do Conselho Federal de Medicina (CFM) na pandemia de Covid-19, ninguém mais se surpreende com suas decisões retrógradas.

A resolução 2.378, que veda a assistolia em fetos com mais de 22 semanas para interromper gravidez, só confirma a captura do órgão por pautas ideológicas.

O método preconizado pela OMS —induzir a parada de batimentos cardíacos do feto para aumentar a segurança do aborto em gestações acima de 20 semanas— é aplicado principalmente em casos de estupro, quando o medo de denunciar e a burocracia da autorização prolongam o período de gestação.

A legislação brasileira permite o aborto em casos de risco à vida da mulher, de anencefalia fetal e de gravidez resultante de abuso sexual. O Código Penal de 1940 não prevê limite temporal para o procedimento, condição que o CFM se arroga o poder de revogar.

A entidade cerceia, agora, a autonomia médica que tanto invocou na defesa de profissionais que, durante a crise sanitária, propagavam remédios ineficazes contra a Covid.

Tal limitação arbitrária acarretará ainda mais dificuldade de acesso ao aborto legal. Estima-se que existam apenas duas centenas de serviços capacitados para realizá-lo nos 5.570 municípios brasileiros, em geral nas regiões mais ricas.

O conselho alega que a assistolia não existia em 1940 e que fetos são viáveis após 22 semanas. Esse marco no desenvolvimento embrionário pode ter relevância para o debate abstrato, não porém para cercear o direito das vítimas de estupro nos casos em que o Estado falhou em atendê-las a tempo.

Segundo o relator da resolução, Raphael Câmara, que foi secretário da pasta da Saúde no governo Jair Bolsonaro (PL): "Na época, não se poderia prever que em 2024 ia ter gente querendo matar bebê de nove meses. Então é óbvio que o Conselho Federal de Medicina tem que se adaptar aos tempos".

A declaração de Câmara acusa de assassinato mulheres violentadas em atos hediondos. Se de fato o CFM estivesse comprometido com adaptar-se aos novos tempos, deveria inclinar-se para a empatia, não para a crueldade.

Bagunça na Petrobras

O Estado de S. Paulo

Empresa terá o 10.º presidente em dez anos se Lula fizer mesmo a mudança que pretende, o que por si só basta para mostrar a falta de seriedade com que se trata a principal empresa do País

Quando estiver sacramentada a mudança no comando da Petrobras – medida que entrou em contagem regressiva, de acordo com os sinais emitidos de Brasília –, a empresa terá alcançado a incrível e inquietante marca de dez presidentes em dez anos. Diante de rodízio tão frenético de CEOs, movido pela voracidade igualmente intensa de políticos interessados em se aproveitar da empresa, é quase um assombro que a companhia mantenha bons resultados.

A surpresa só não é total por causa de dois fatores básicos: primeiro, o domínio da tecnologia desenvolvida pela Petrobras para pesquisa, exploração e produção de petróleo em águas ultraprofundas; segundo, as amarras de governança criadas depois do escândalo de corrupção da Lava Jato, operação deflagrada também há dez anos. Em razão dessa blindagem, os diferentes executivos que se sucederam não conseguiram atender integralmente aos anseios do Palácio do Planalto sob vários presidentes.

Embora alguns deles – caso do atual, Lula da Silva – se considerem os verdadeiros donos da Petrobras, não custa ressaltar que este não seria o caso mesmo que a companhia fosse integralmente estatal, condição que a colocaria como propriedade da União, ou seja, do povo brasileiro. Como se sabe, a Petrobras é uma companhia mista, com participação da União e da iniciativa privada, e aí está o seu infortúnio, porque esta é uma verdade apenas em teoria. Por força de pressões governamentais, na prática a empresa acaba atuando como estatal. A depender do governo de plantão, às vezes mais, às vezes menos. A fase atual é de desabrida intervenção.

A fritura do atual presidente, Jean Paul Prates, ocorre apesar de ele seguir a cartilha petista, partido pelo qual se elegeu senador, e a despeito de seu empenho na reintegração de partes da empresa que foram privatizadas, como refinaria e distribuidora. Isso sem falar em sua mal-ajambrada mudança na política de preços dos combustíveis, que nada mais fez do que retirar qualquer critério compreensível das decisões de reajuste.

Mas o executivo pecou ao não endossar o máximo exigido pela gestão lulopetista no caso da retenção dos dividendos extraordinários aos acionistas da Petrobras. Foi este o “deslize” que deu a seu adversário de primeira hora, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o capital político necessário para sair na frente na tarefa de agradar ao chefe, o mesmo que descreveu o mercado financeiro – que representa os acionistas privados – como um “dinossauro voraz que quer tudo para ele”.

Esqueceu-se o presidente de que esse capital “jurássico” contribuiu fortemente para manter a saúde financeira da empresa que, mesmo com os baques sofridos a cada golpe intervencionista do governo, vale R$ 502 bilhões na Bolsa de Valores nacional. A União detém 36,6% das ações. Para agir da forma como pretende, ignorando os interesses dos investidores privados “vorazes”, bastaria ao governo Lula da Silva comprar os 63,4% restantes. Como não dispõe de recursos para isso, que siga a dinâmica do mercado.

Mas o que se vê na relação do governo federal com a Petrobras é uma esculhambação que se arrasta há anos, com uma breve interrupção na gestão de Pedro Parente, entre 2016 e 2018, período em que foram revistos os critérios de governança da empresa. Parente foi nomeado pelo então presidente Michel Temer logo após o impeachment de Dilma Rousseff – cuja gestão voluntarista e intervencionista deixou a Petrobras à beira de quebrar, com uma dívida mais de cinco vezes superior a seu caixa.

A corrupção desbragada teve sua parcela na derrocada, sem dúvida, mas o que mais contribuiu para a situação claudicante da empresa foram as decisões baseadas unicamente em interesses políticos, como o congelamento de preços da gasolina e a compra de refinarias, que impuseram prejuízos enormes. A Petrobras perdeu o grau de investimento no mercado internacional, credibilidade e investidores. Caiu do 1.º para o 5.º lugar na Bolsa.

Num momento em que a mão do Estado recai, mais uma vez, pesada e implacável sobre a empresa, é importante recordar as consequências dessa política insana. Talvez seja o momento de a sociedade debater se deseja manter a Petrobras como estatal.

O exemplo eloquente da Embraer

O Estado de S. Paulo

Enquanto a política industrial do governo investe no protecionismo e no dirigismo, a Embraer importa quase todos os componentes de seus aviões e compete de igual para igual no mundo

A Embraer está voando alto. O lucro líquido cresceu 13% em 2023: US$ 164 milhões, o maior em cinco anos. Todas as unidades de negócio tiveram crescimento no volume de entregas, o maior desde 2019, e na receita: US$ 5,2 bilhões, 16% acima de 2022. A expectativa para 2024 está entre US$ 6 bilhões e US$ 6,4 bilhões.

O caso é pedagógico no momento em que o governo encarrilha sua “nova” política industrial, batendo bumbo para mais do mesmo: Estado “indutor” (via subsídios, isenções, barreiras tarifárias, exigências de conteúdo local), quando não “empresário” (via estatais) – e, claro, muita saliva e chumbo grosso contra o diabólico “mercado”.

Quando a Embraer foi privatizada, em 1994, estava quebrada. Hoje é uma das maiores empresas do mundo num nicho de tecnologia de ponta ultracompetitivo. Uma das maiores exportadoras industriais do Brasil, a Embraer é também grande importadora. Sem exigências de conteúdo local, 80% dos componentes de seus aviões são importados.

Não se trata de demonizar incentivos à indústria – eles podem ser pertinentes em circunstâncias excepcionais para setores específicos, com diagnósticos, metas e monitoramento precisos. Tampouco se trata de elevar a privatização a uma panaceia, mas de reconhecer, conforme a Constituição, que estatais devem ser exceção e atuar no mercado nas mesmas condições de uma pessoa jurídica de direito privado, sem desvios ou privilégios.

Para a mentalidade desenvolvimentista do lulopetismo, caudatária da ditadura Vargas e da ditadura militar, o Estado indutor e empreendedor é a panaceia, quando deveria ser um remédio excepcional para circunstâncias excepcionais, as ditas “falhas de mercado”.

Nesses casos, o Estado suplementaria funções que o mercado não cumpre adequadamente. É o que se alega, por exemplo, no caso dos monopólios naturais (como o abastecimento de água num município), ou da produção de bens que geram externalidades positivas para toda a sociedade (como pesquisas científicas), ou de mercados incompletos (como créditos para atividades não servidas pelos bancos), ou de estímulos a regiões subdesenvolvidas.

Mas a literatura e a experiência econômica mostram que, para corrigir essas falhas, estatais não são necessariamente a única nem a melhor opção. No Brasil, via de regra, são a pior, porque os governantes, por incompetência ou interesse, dão livre vazão às “falhas de governo”. As estatais são ambiente fértil para capturas políticas e, mesmo quando não há desvio ou corrupção, há inúmeros incentivos à gestão ineficiente, como limites legais à possibilidade de falência, salvaguardas com o dinheiro do contribuinte, regimes de trabalho nos moldes do serviço público ou monopólios blindados pelo Estado.

O Brasil tem mais empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado do que qualquer uma das 36 nações da OCDE – um fórum das democracias avançadas. Boa parte deveria ser desestatizada ou liquidada. As pertinentes precisariam ser blindadas de interferências político-partidárias espúrias. A Lei das Estatais de 2016 fez algum progresso para robustecer a transparência, controles internos, gestão de risco e governança. Mas o Executivo, às vezes com a conivência do Legislativo ou do Judiciário, manobra para erodir essa disciplina. E muito ficou por fazer.

No curto prazo seria preciso criar uma política de gestão que inclua justificativas mais claras para a participação do Estado em empresas e fortaleça os conselhos de administração. Nomeações e demissões de conselheiros e executivos deveriam ser condicionadas a um órgão de Estado, não de governo. Também são necessárias tipificações mais rigorosas para a ingerência ilícita na autonomia dos conselhos de sociedades de economia mista.

Enquanto isso, o governo intervém na Petrobras, por exemplo, para forçar investimentos em atividades ociosas ou onerosas, como refinarias ou estaleiros. A economia segue dando voos de galinha sob a mão pesada do Estado, enquanto a mão invisível do mercado lança empresas como a Embraer às alturas. Mas, se dependesse de Lula, a Embraer já teria sido reestatizada.

Resolução ilegal

O Estado de S. Paulo

Ao vedar aborto legal, CFM afronta a lei e um direito garantido às mulheres há 84 anos

O Conselho Federal de Medicina (CFM) editou uma resolução que veda a prática do aborto legal em gestações com mais de 22 semanas. Segundo o CFM, uma vez transposto esse marco temporal, “há chance de vida fora do útero”, razão pela qual os médicos não estão mais autorizados a realizar a assistolia fetal, um procedimento que leva à morte do feto. “Após 22 semanas, é possível preservar o direito da gestante de interromper a gravidez fruto de estupro e garantir o direito à vida (do feto), com a antecipação do parto”, disse o conselheiro Rafael Câmara, relator da resolução. Sobre quem, afinal, haveria de recair a responsabilidade pelos cuidados com a criança, não se ouviu nem uma palavra da guilda médica.

A resolução do CFM, que decerto chegará ao Poder Judiciário cedo ou tarde por sua manifesta ilegalidade, afronta um direito das mulheres garantido pela legislação brasileira há nada menos que 84 anos. O Código Penal é claríssimo ao não punir o aborto praticado por médico – em qualquer fase da gestação, ressalte-se – quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (o chamado “aborto necessário”) e no caso de gravidez decorrente de estupro, desde que haja consentimento da vítima ou de seu representante legal.

Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda reconheceu como igualmente lícita a “interrupção da gravidez de feto anencéfalo”, ou seja, do feto que, por não ter desenvolvido o cérebro, não tem capacidade de sobreviver fora do útero da mãe. Nas palavras de Marco Aurélio Mello, então ministro relator daquele julgamento, tido como histórico pelo STF, “anencefalia e vida são termos antitéticos”.

Classificando a assistolia fetal como “feticídio”, os conselheiros do CFM autorizaram os médicos a adotar o procedimento, considerado o mais indicado para gestações em estágio avançado, apenas até a 22.ª semana. Ao que tudo indica, esse recorte temporal foi adotado porque, segundo explicou Câmara, é o momento em que se considera viável a vida extrauterina. O busílis é que não cabe ao CFM determinar prazo algum para a realização do aborto legal, quando nem o Código Penal nem a Constituição o definem. Nenhum médico Brasil afora pode ser processado criminalmente caso realize um aborto naquelas três circunstâncias autorizadas por lei. E tampouco deve sofrer quaisquer sanções de natureza administrativa.

Ao fim e ao cabo, o que o CFM está fazendo é impingir às mulheres brasileiras um enorme sofrimento adicional a uma violência sofrida por elas ou à angústia de ter de optar entre a sua própria vida ou a do feto que carrega no ventre. É de uma crueldade inominável essa resolução ilegal do CFM, pois é evidente que profissionais de saúde passarão a ter receio de realizar abortos mesmo nos casos autorizados pela legislação temendo sofrer punições.

Por fim, para além da violência de gênero contida nessa resolução, há ainda uma clivagem socioeconômica que não pode ser ignorada. É claro que as gestantes mais pobres serão as mais penalizadas.

Jogo de soma zero prejudica a Petrobras

Correio Braziliense

Os interesses dos jogadores são opostos, e não cooperativos, suas perdas e danos são individuais, mas afetam direta e negativamente o valor de mercado da empresa

Não importa quem tem razão na disputa entre o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A discussão sobre a gestão dos dividendos da empresa no contexto de uma disputa de poder entre facções políticas, como está se apresentando, é um jogo de soma zero. Ou seja, os interesses dos jogadores são opostos, e não cooperativos, suas perdas e danos são individuais, mas afetam direta e negativamente o valor de mercado da empresa.

A crise entre ambos deu lugar a uma disputa de poder entre o PSD, aliado do governo, e o PT, que pretende se aproveitar das divergências para emplacar no comando da Petrobras o atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. Será mais um contraponto ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que sofre permanente "fogo amigo" dos petistas. Assim, terá repercussão geral no ambiente econômico e na credibilidade do governo junto aos investidores.

A polêmica entre Silveira e Prates pôs na ordem do dia, da pior forma possível, a troca de comando da empresa. A última reunião do atual Conselho de Administração será no próximo dia 19; assembleia geral para eleição dos novos conselheiros, em 25 de abril. Mesmo que Prates seja mantido no cargo, substituir Pietro Mendes, presidente do Conselho de Administração da Petrobras e aliado de Silveira, pelo ex-senador Aloizio Mercadante, economista desenvolvimentista, mostra a intenção de um grau de interferência política do PT na gestão da empresa que contraria as boas regras de gestão corporativa.

Há precedentes de erros estratégicos cometidos na gestão da Petrobras durante os governos do PT, que levam desconfiança ao mercado. Não se trata apenas do escândalo da Petrobras, mas também de uma concepção de expansão das atividades da empresa para setores que não são diretamente ligados à atividade-fim, a produção de energia. É o caso da Sete Brasil, empresa criada para fabricar sondas de exploração do pré-sal, que foi a joia da coroa do chamado "Petrolão" e causou enormes prejuízos à empresa.

Silveira também foi protagonista da crise provocada pela fracassada tentativa de emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da Vale. Embora possa agradar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua atuação no "enquadramento"de estatais de sua pasta denota uma tendência de intervenção política na gestão da empresa. O Brasil tem uma cultura avessa à gestão de ativos públicos por critérios de excelência e meritocracia.

A gestão de ativos públicos pode impulsionar ou prejudicar o crescimento econômico. Muitos países sofrem com a falta de investimentos em infraestrutura porque gerenciam mal os seus ativos. Está provado que a democracia tem mais chances de atuar em prol do interesse comunitário quando os governantes se preocupam mais com os consumidores e entregam esses ativos à administração profissional e, para isso, lançam mão do que existe de melhor na gestão corporativa.

Um novo fracasso na gestão da Petrobras, como o que ocorreu nos governos petistas anteriores, pode arrastar a imagem do presidente Lula ladeira abaixo e resultar, mais à frente, na privatização integral da empresa. Não faltam exemplos de privatizações bem-sucedidas para a oposição construir uma narrativa com esse objetivo.

 

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