domingo, 7 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Antes ímã para imigração, Brasil virou terra de emigrantes

O Globo

Comunidade brasileira no exterior já soma 4,5 milhões. Fuga de cérebros é prejudicial ao desenvolvimento

Conhecido como terra de oportunidades acolhedora para imigrantes, o Brasil tem se transformado em país de emigrantes. A comunidade brasileira no exterior soma 4,5 milhões, sem contar aqueles em situação ilegal. Mais da metade desses brasileiros que vivem no exterior, ou 2,6 milhões, emigrou na década de 2012 a 2022, um período de crises, com destaque para a debacle econômica e política da gestão Dilma Rousseff. As estatísticas de emigração são especialmente elevadas entre 2013 e 2020, segundo a série de reportagens que o GLOBO tem dedicado ao tema.

Em 2013, o consumo das famílias brasileiro registrou o décimo ano de crescimento consecutivo, mas a cada ano inferior ao anterior. A partir daí, vieram a recessão e o aperto que estimularam a busca por novas oportunidades fora do país. “As pessoas que haviam ascendido socialmente e formado uma nova classe média passaram a ter dificuldades para manter a posição conquistada”, afirma o sociólogo Rogério Baptistini, da Universidade Mackenzie.

É a perda da esperança numa vida melhor que leva sobretudo os mais jovens a pensar em emigrar. Uma pesquisa do Datafolha feita em 2022 com jovens em 12 capitais brasileiras constatou que 76% tinham “muita” ou “alguma” vontade de sair do Brasil. Quanto mais novos, maior o desejo de emigrar. Sem base para um crescimento econômico sustentado, capaz de gerar empregos e renda para que a população realize seus projetos de vida, o Brasil perdeu a imagem, cultivada durante muito tempo, de “país do futuro”. O resultado é que, na última década, o número de brasileiros no exterior aumentou 47%, enquanto a população vivendo dentro das fronteiras cresceu apenas 6,5%.

O próprio perfil dos emigrantes tem mudado desde a década de 1990, segundo André Linhares, advogado especialista em migração para os Estados Unidos. Antes, muitos tentavam arriscar para ganhar a vida. Hoje, grande parte emigra não por necessidade financeira, mas pela busca de qualidade de vida.

É verdade que a diáspora brasileira no exterior remeteu ao país R$ 4,7 bilhões no ano passado, um recorde. Mas, ainda que tragam recursos, é grave que o Brasil perca profissionais qualificados que se aperfeiçoam lá fora e não deverão voltar para trabalhar em setores importantes baseados em pesquisa e inovação. A “fuga de cérebros” torna ainda mais escassa a mão de obra mais necessária para nosso desenvolvimento. E a situação poderá piorar.

Além de perder brasileiros que poderiam contribuir para um crescimento mais robusto, a fuga para o exterior ocorre num momento em que a população envelhece e tende a estagnar ou mesmo diminuir. O Brasil teria de fazer o oposto: além de reter sua população, atrair mais imigrantes, para ajudar a aumentar o consumo interno, a gerar mais receitas para o governo e mais investimentos para a economia. Outro risco de haver menos jovens no mercado de trabalho é a pressão sobre o financiamento das aposentadorias. A questão migratória precisa ser acompanhada de perto em Brasília. Precisamos de políticas que façam novamente do Brasil a terra de acolhimento, de braços abertos aos imigrantes, que sempre foi.

Conhecimento científico é trunfo do país diante de mudanças climáticas

O Globo

Pesquisas em curso na Embrapa usam patrimônio genético para tentar adaptar espécies a clima mais inóspito

As mudanças climáticas continuam a afetar o produtor agrícola brasileiro. A safra de grãos, cereais e leguminosas não repetirá neste ano resultados tão bons quanto em 2023. A queda prevista, de 2,8%, é creditada ao clima, de acordo com o IBGE. Os pesquisadores temem que, com o passar do tempo, a “safrinha de milho” colhida no Centro-Sul de janeiro a abril, depois da safra de verão, desapareça.

O maior trunfo do Brasil para enfrentar estes novos tempos é o conhecimento científico acumulado pela Embrapa. Nos últimos 51 anos, a empresa de pesquisas esteve por trás da transformação da agricultura brasileira em competidor de escala global. Sem o trabalho dela, o Brasil não teria avançado com a produção de grãos pelo bioma inóspito do Cerrado.

Mesmo que os cientistas não produzam conhecimento na mesma velocidade com que as temperaturas deverão subir, há um acervo acumulado de pesquisas que continuam a surtir efeitos. Mais uma variedade de soja acaba de ser desenvolvida. “Uma planta que suporte de dez a 15 dias a mais de seca pode fazer uma diferença de vida ou morte para a safra”, disse ao GLOBO o pesquisador Alexandre Nepomuceno, responsável pela pesquisa e chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Soja (Embrapa Soja).

Desenvolver transgênicos, operar a edição do DNA de espécies e aplicar micro-organismos associados às plantas são os caminhos de pesquisa mais promissores. Hoje, 95% da soja e 80% do milho produzidos no Brasil já são transgênicos. O foco vinha sendo obter plantas resistentes a pragas. Mas o aquecimento global acrescentou mais uma tarefa para a Embrapa. A edição gênica se tornou rápida e barata graças à técnica conhecida como CRISPR. Ela permite que empresas como a Embrapa desenvolvam variedades de plantas com mais facilidade.

Outro trunfo forte da Embrapa é a biodiversidade vegetal brasileira, a maior do mundo. Há à disposição uma infinidade de genes a trabalhar em laboratórios para tornar as espécies menos vulneráveis a altas temperaturas ou à seca. Existem, na Caatinga e no Cerrado, plantas que sobrevivem por longos períodos de seca como se hibernassem e são capazes de ressuscitar em menos de dois dias quando chove. Resultado de associação da Embrapa com a Unicamp, o Centro de Pesquisa em Genômica para Mudanças Climáticas tem descoberto na Serra da Canastra (MG) plantas muito resistentes à seca. Há na região canelas-de-ema que sobrevivem com até 5% de água em seus tecidos (grande parte dos vegetais morre quando esse índice fica abaixo de 50%).

Todo esse patrimônio genético poderia, em tese, ser transferido a outras espécies vegetais, de modo a garantir sua adaptação a um clima mais quente e mais inóspito. O conhecimento científico é a maior vantagem que o Brasil detém para proteger sua agricultura do aquecimento global. As autoridades não podem se esquecer disso.

Gasto público e juro são riscos para o PIB global

Folha de S. Paulo

Principais economias do mundo terão de fazer ajustes para conter dívidas; o mesmo, com agravantes, vale para o Brasil

Com taxas de juros bem maiores do que as de antes da pandemia e gastos públicos em alta em boa parte dos países, crescem as pressões nos orçamentos e os riscos para a economia mundial.

Segundo o Fundo Monetário Internacional, a dívida pública deve atingir o equivalente a 120% do Produto Interno Bruto nas nações desenvolvidas e a 80% nas emergentes até 2028. Trata-se de um salto de cerca de 20 pontos percentuais ante o nível anterior à crise sanitária, que já era elevado.

Ademais, os principais fatores que influenciam essa trajetória se mostram menos favoráveis hoje. Na década passada, a permanência de juros próximos de zero nos principais centros financeiros manteve os custos de financiamento muito baixos, o que segurou a dívida e permitiu níveis elevados de gastos públicos sem maiores sobressaltos.

Ampliar as despesas do governo sempre tem apelo político, ainda mais quando se consolida a percepção equivocada de que não há risco na indisciplina fiscal.

Hoje o quadro é diferente, contudo, dadas as taxas bem mais altas nos centros globais. Nos Estados Unidosos juros básicos estão em torno de 5,5% ao ano e não se vislumbra muito espaço imediato para queda, tendo em vista a batalha ainda em andamento do banco central americano para conter pressões inflacionárias.

De outro lado, segue a tendência de redução do ritmo de crescimento da economia. Mesmo com melhores resultados e boas perspectivas nos EUA, a expectativa do FMI para a ampliação do PIB mundial nos próximos cinco anos ronda 3,5% anuais, a menor em décadas

A combinação de juros altos, menor expansão da atividade e déficits orçamentários aceleram a escalada das dívidas públicas e elevam seu custo de rolagem, num círculo vicioso que em algum momento deverá impor um ajuste custoso para a sociedade.

Perceber e construir as condições políticas para estancar essa dinâmica perversa é um desafio, tendo em vista que os impactos ruins podem demorar a ocorrer. Mas o perigo de instabilidade econômica e financeira deveria chamar a atenção das autoridades desde logo.

No Brasil, ainda mais que em muitos outros países, não há dúvida de que o quadro é ruim. O país tem um deficit primário estrutural de 1,6% do PIB e precisa restaurar saldos positivos. Nas projeções do próprio governo petista, isso não ocorrerá sem ajustes nas despesas, mas não há sinais de disposição de levar a cabo qualquer restrição, mesmo que modesta.

Assim, a dívida pública deve continuar crescendo e superar 80% do PIB nos próximos anos —um obstáculo para a queda dos juros.

Código Civil em pauta

Folha de S. Paulo

Senado deveria aprovar atualização da lei, que acompanha mudanças culturais

A revisão do Código Civil, concluída por uma comissão de especialistas no Senado na sexta-feira (5), é importante, dado tratar-se de uma lei que já nasceu um tanto envelhecida —apesar de ter trazido inovações em relação ao à versão anterior, de 1916.

O diploma, de 2003, demorou 34 anos para ser aprovado desde a instituição da comissão que o redigiu.

O anacronismo é visível em certos temas, como a descrição de que o casamento ocorre entre "o homem e a mulher", ignorando a união de pessoas do mesmo sexo —reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. A comissão do Senado propõe redação mais inclusiva, ao contemplar relações entre "duas pessoas".

A lei atual ignora, ademais, outras modalidades de famílias. É o caso das monoparentais (compostas por apenas mãe ou pai com filhos) e de outras não conjugais (irmãos e primos que moram juntos).

O arranjo nuclear (casal com ou sem filhos e enteados ou família monoparental) vem se tornando menos predominante. Em 2022, ocupava 66,3% dos domicílios, o menor nível da série histórica, iniciada em 2012 pelo IBGE.

Ainda segundo o instituto, em 2022, 11 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo foram celebrados no país, uma alta de 19,8% em relação a 2021 e recorde desde 2013.

A atualização do Código Civil também é necessária por dar celeridade a processos já cotidianos, ao instituir a modalidade unilateral de divórcio, por exemplo —uma pessoa do casal poderá requerer a separação em cartório, o outro cônjuge será notificado e poderá responder em até cinco dias.

No campo da tecnologia, trata de questões como inteligência artificial, responsabilidade civil de plataformas digitais por vazamento de dados de usuários e direito a retirada de vinculação de nome a certos resultados de buscas, como imagens íntimas.

Em temas de costumes, há sempre o perigo de mais retrocessos. Espera-se, contudo, que os senadores constatem a necessidade das atualizações. O tempo ensina que, se a lei não acompanhar as mudanças culturais na sociedade, será por ela ultrapassada na prática.

O mistério da fé lulopetista

O Estado de S. Paulo

Lula acha que basta rechear seu discurso com expressões religiosas para se aproximar dos evangélicos, o que mostra a ignorância do PT a respeito dos anseios desse segmento da população

O presidente Lula da Silva parece achar que encontrou a luz que fará o governo retomar o caminho da popularidade perdida. Como o demiurgo e seus spin doctors estão convictos de que a desaprovação crescente ao seu mandato vem do afastamento da população evangélica, ele resolveu se transfigurar em crente. Foi o que se viu na constrangedora missa de quermesse que Lula oficiou num palanque de Arcoverde, em Pernambuco, quando usou inacreditáveis 27 vezes as palavras “Deus” e “milagre”, atingindo a surpreendente marca de uma referência religiosa por minuto em seu discurso. O presidente definiu como um “milagre de fé” a obra que levará águas do Rio São Francisco para o agreste pernambucano, exaltou a “crença” dos brasileiros tanto para obras oficiais quanto para a sua própria chegada à Presidência, criticou o uso do nome de Deus em vão pelos adversários e, ora vejam, afirmou ter sido escolhido pelo “homem lá de cima” para solucionar o problema da escassez de água no Nordeste.

Eis o mistério da fé lulopetista: desde que os institutos de pesquisa radiografaram a distância que hoje separa o governo dos evangélicos, conselheiros governistas invariavelmente apontam caminhos para que Lula tente se aproximar desse segmento. Nos últimos dias, soube-se que a nova campanha do governo adotará o slogan “Fé no Brasil”. A ideia, dizem porta-vozes, é difundir os feitos do governo e fazer um “aceno” ao eleitorado evangélico. Não se discute aqui a religiosidade presidencial nem a criatividade dos seus publicitários, mas o artificialismo de recém convertido e a estratégia escolhida para a tal “aproximação com os evangélicos” demonstram que nada entenderam do problema – muito menos das soluções. Pelo que se viu em Pernambuco, Lula e seus apóstolos só reafirmam desconhecimento e preconceito.

Um erro habitual de muitos não evangélicos, especialmente da esquerda lulopetista, é enxergar o segmento como uma só coisa e, sobretudo, como uma outra gente. É como se se tratasse de outro País, apartado e monolítico, uma espécie de “Evangelistão”. Ocorre que não há outro Brasil, à parte do Brasil oficial, tampouco ninguém é apenas evangélico, assim como não é apenas católico nem apenas mãe, pai ou trabalhador. Pensar o inverso é tão enganoso quanto tomar a parte pelo todo: atribuem-se ao segmento evangélico os males do fundamentalismo bolsonarista e do radicalismo de pastores que se misturam à política. Convém lembrar a animada fala da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao tratar da atuação de pastores “mentirosos” que “vão para o inferno” porque se aproveitam da “boa-fé” e da falta de instrução dos fiéis. Foi quase uma peça antipetista pronta. Ela e a companheirada não percebem que nem todo evangélico segue a cartilha do extremismo.

O presidente dificilmente moverá montanhas entre evangélicos tentando credenciar-se como uma espécie de profeta. Sem dúvida há uma dissonância de valores entre a esquerda e uma boa parcela dos evangélicos, tradicionalmente mais conservadores em matéria de família, segurança e expectativas de futuro. Mas a dissonância maior tem muito mais a ver com a visão de mundo e de liberdade.

Há pesquisas com moradores de periferias e também entre evangélicos que apontam uma prevalência de valores liberais, com foco no empreendedorismo, nas conquistas individuais e na ascensão pelo trabalho. Há, por oposição, também forte rejeição a um Estado glutão e intrometido – exatamente o ideal de Estado para os petistas. Como constatou em 2017 uma pesquisa feita pelo próprio PT, por meio da Fundação Perseu Abramo, na periferia de São Paulo, em meio à brutal crise econômica gerada pela incúria lulopetista, “no imaginário da população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é, em grande medida, o próprio Estado ineficaz e incompetente”.

É difícil acreditar que será a Bíblia a salvar o governo da desaprovação popular. Não há milagre: os evangélicos, a exemplo de tantos outros setores da sociedade, querem facilidade para empreender, escolas eficientes para seus filhos, bom uso dos impostos e segurança para a família. Deus não tem nada com isso.

O dilema da Margem Equatorial

O Estado de S. Paulo

Cabe ao governo assumir o ônus da decisão política de explorar petróleo na Margem Equatorial. A Guiana descobriu petróleo, cresceu 64% em 2022 e continua com emissão líquida zero de carbono

O petróleo retirado do pré-sal, que já corresponde a mais de 80% da produção nacional, levou o produto a rivalizar com a soja e o minério de ferro na liderança na pauta de exportações brasileira e contribuiu de forma decisiva para o recorde de US$ 98,8 bilhões no superávit da balança no ano passado. A tendência é que a produção continue crescendo até 2030, como mostrou reportagem do Estadão, mas, a partir daí, deve começar a cair. Os sinais de declínio das reservas já estão sendo percebidos, como é natural na atividade.

A força exportadora do petróleo, aliada à diversificação do mercado de destino devido às mudanças geopolíticas, torna ainda mais premente uma solução para o dilema em torno da avaliação do potencial das reservas da Margem Equatorial, a nova e promissora fronteira exploratória da costa brasileira, que se estende por cinco bacias petrolíferas, do Amapá ao Rio Grande do Norte. Desde que a autorização para perfuração num bloco na Bacia da Foz do Amazonas foi negada pelo Ibama, em maio do ano passado, em meio a grande polêmica no governo, o assunto foi engavetado.

Comunicado recente da Petrobras deve recolocá-lo em pauta e mostra que experimentos científicos derrubam a principal alegação do Ibama para proibir a licença ambiental – o risco de um eventual vazamento na operação exploratória derivar para a costa do Amapá, distante 175 quilômetros, e poluir a Região Amazônica. Nos últimos meses, foram lançados na Margem

Equatorial mais 428 equipamentos para medir o comportamento das correntes marítimas, conhecidos como derivadores, sendo 84 deles na Bacia da Foz do Amazonas. A conclusão foi de que a corrente marítima na região segue em sentido oposto à costa.

Estrategicamente, a Petrobras tomou o cuidado de ressaltar que os estudos não são da empresa, mas da “comunidade científica”, o que engloba profissionais das universidades dos Estados do Norte e Nordeste por onde se estende a Margem Equatorial, além de Marinha, Ministério da Ciência e Tecnologia e Serviço Geológico do Brasil. O resultado será publicado em revista científica especializada e vai reforçar a defesa da exploração na região.

Já passa da hora de o assunto ser revisitado, com a definitiva opção do governo sobre explorar ou não a Bacia da Foz do Amazonas. Em novembro do ano passado, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, comprometeu-se a concluir a avaliação dos recursos apresentados pela Petrobras “no início de 2024”. Mas, obviamente, esta será uma decisão mais política do que técnica e o governo tem de assumir esse ônus.

Um exemplo desse tipo de opção foi dado recentemente pelo presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, ao ser entrevistado no programa Hardtalk, da rede britânica BBC. No meio da conversa, Irfaan Ali interrompeu de forma veemente o entrevistador Stephen Sackur, que contestava a exploração de petróleo e gás que, segundo o próprio jornalista inglês, renderia em torno de US$ 150 bilhões pelas próximas duas décadas, num momento em que se discutem os efeitos da atividade no clima. A surpreendente e enfática resposta do presidente viralizou na internet.

“Mantivemos nossa floresta viva e ela equivale à Inglaterra e Escócia juntas. Armazena 19,5 gigatoneladas de carbono para que você e o mundo todo possam tirar proveito sem pagar nada por isso”, disse Irfaan Ali, acrescentando que, mesmo com a exploração de petróleo seu país não deixará a posição de emissor líquido zero de carbono, devido à preservação da Floresta Amazônica. Ex-colônia inglesa, a Guiana foi o primeiro país a descobrir petróleo na Margem Equatorial, em 2015, e o início da produção fez o país, até então um dos mais pobres do continente, registrar o segundo maior PIB per capita da região.

De uma só tacada, a descoberta no mar da Guiana deu ao país reservas estimadas em 11 bilhões de barris de petróleo. Em 2022, último dado disponível, a economia do país cresceu inacreditáveis 64%. A Guiana assumiu o ônus de uma posição política. O Brasil não pode ficar indefinidamente em cima do muro.

Amputação eleitoreira

O Estado de S. Paulo

Reoneração dos municípios é retirada de MP como recado a Haddad em ano eleitoral

Pinçar o trecho que determinava o fim da desoneração dos municípios com até 156 mil habitantes da Medida Provisória (MP) 1.202/23, antes de prorrogá-la, foi um recado claro do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de que todo expediente político é oportuno em ano eleitoral. Amputar a MP da parte potencialmente prejudicial a acordos regionais é apenas um deles, e o fato de ter retirado em torno de R$ 10 bilhões do cálculo fiscal do Ministério da Fazenda para este ano, um mero efeito colateral.

As prefeituras – que teriam, no dia seguinte à prorrogação da MP, suas alíquotas de contribuição previdenciária elevadas de 8% para 20% – foram “salvas” da reoneração pela providencial borracha de Pacheco, que apagou da medida a parte que o incomodava. Alegou, na sucinta justificativa, estar garantindo “a segurança jurídica de todos os envolvidos”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que negociava com Pacheco as medidas fiscais e disse não ter sido consultado pelo senador, pediu em seguida, quixotescamente, um “pacto” entre Executivo, Legislativo e Judiciário para reorganizar as finanças públicas. A história brasileira mostra que só pede “pacto” quem já não tem muito poder político.

Há tempos a planilha de prioridades político-econômicas do País muda a cada dois anos, de acordo com a temporada eleitoral da vez. E isso não apenas no Congresso, mas no próprio Palácio do Planalto. Difícil imaginar que o bom senso fiscal encontre guarida em um ambiente em que os interesses eleitoreiros tendem a favorecer a farta distribuição de benesses. É cada vez mais evidente que os obstáculos à austeridade fiscal pretendida por Haddad virão não apenas dos parlamentares, mas também de seu chefe, Lula da Silva, que já participa ativamente da formação de alianças municipais para as eleições de outubro.

O ministro da Fazenda aguarda parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre sua intenção de ingressar com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a desoneração tributária dos municípios. Com um argumento simples, reforça o que diz a lei, que exige compensação financeira para acompanhar todo novo gasto tributário. Trata-se do óbvio, mas neste país o óbvio nem sempre prevalece, sobretudo em meio a campanha eleitoral.

A MP prorrogada (com cortes) por Pacheco prevê também como medidas para aumentar a arrecadação federal a reoneração de 17 setores econômicos, revogada pelo governo em fevereiro, e o fim gradual do Programa Emergencial de Retomada de Eventos (Perse), medida criada durante a pandemia para socorrer setores diretamente afetados pelo isolamento social. O Perse foi mantido apenas formalmente, já que, atendendo aos lobbies do setor, os parlamentares conseguiram que o assunto passasse a ser discutido em projeto de lei. Outro item é a limitação de compensação de créditos tributários por meio judicial acima de R$ 10 milhões.

Se a sustentação prioritária da meta fiscal em medidas arrecadatórias – e não no corte de despesas, como deveria – já compromete sobremaneira o objetivo da equipe econômica, o evidente descompromisso demonstrado pelas lideranças políticas com o equilíbrio fiscal torna a meta inatingível por definição.

Políticas migratórias sem discriminação

Correio Braziliense

É compreensível que os países queiram controlar melhor as suas fronteiras, o que passa pela definição de políticas migratórias consistentes, mas tachar os imigrantes como inimigos da nação é um erro

O novo primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, de centro-direita, avisou, no seu discurso de posse, que vai impor limites à entrada de imigrantes no país. Os dados mais recentes apontam que pelo menos 1 milhão de estrangeiros vivem em território luso, o correspondente a 10% da população. As declarações do político foram vistas como um sinal de que ele pretende atrair para a sua base de apoio parte dos portugueses que despejaram mais de 1,1 milhão de votos na extrema direita nas eleições realizadas em 10 de março. Essa ala da sociedade lusitana, extremamente conservadora, atribui ao grande número de imigrantes os problemas que enfrentam — em especial, o forte aumento dos preços das moradias e a queda na qualidade dos serviços de saúde e educação, além do aumento da insegurança interna.

A posição de Montenegro se alinha ao pensamento que vem se disseminando pela Europa. A visão de que a região não pode mais manter as portas escancaradas para a imigração tornou-se dominante, a ponto de a União Europeia lançar um pacto anti-imigração que deve entrar em vigor ainda neste ano. O objetivo, no entender das autoridades, é dar maior segurança aos países em relação às suas fronteiras. Os estrangeiros ilegais passarão a ser rastreados por um sistema biométrico, o que permitirá aos países do bloco decidirem se dão ou não permissão para que eles permaneçam em território europeu. A região tem recebido centenas de milhares de imigrantes todos os anos, um terço deles por meio do Mar Mediterrâneo.

As pressões exercidas pela população local contra os imigrantes têm sido reverberadas pela ultradireita, que prega o fechamento dos países com argumentos falaciosos — entre eles, o de que os cidadãos de fora querem acabar com a cultura europeia e impor uma miscigenação que põe em risco a supremacia branca. Na França, mesmo com a posição contrária do presidente Emmanuel Macron, o Parlamento aprovou, em 2022, um projeto que facilitou a expulsão de migrantes ilegais, tornou mais difícil para filhos de imigrantes se tornarem cidadãos franceses e diminuiu o acesso deles aos benefícios sociais disponibilizados pelo governo. Nos Estados Unidos, o quadro não é diferente. A imigração virou tema central na disputa pela Presidência da República.

É compreensível que os países queiram controlar melhor as suas fronteiras, o que passa pela definição de políticas migratórias consistentes, mas tachar os imigrantes como inimigos da nação é um erro. Parcela significativa dos países europeus, entre eles, Portugal, enfrenta um rápido envelhecimento da população, o que os especialistas definem como suicídio demográfico. São os imigrantes que vêm rejuvenescendo esses países, movimentando a economia e ocupando vagas que os nacionais não querem, quase sempre, com baixos salários e pesada carga de trabalho.

Os Estados Unidos, por sua vez, vivem um novo impulso populacional graças aos estrangeiros que aportaram por lá em busca de uma vida melhor. Não custa lembrar que, no recente acidente em que um navio destruiu uma ponte em Baltimore, os seis mortos eram imigrantes, que, como muitos, são os invisíveis que trabalham à noite para manter as cidades funcionando. Certamente, quando a ponte for reconstruída, as obras serão tocadas, essencialmente, por essas pessoas.

O primeiro-ministro de Portugal indicou que o país vai priorizar a entrada no país de profissionais especializados e de estudantes. Mas não são os doutores que pegarão no pesado. Sem os trabalhadores imigrantes menos qualificados, Portugal, metade da Europa e os Estados Unidos param. Mais: como qualquer cidadão, eles pagam impostos, consomem e têm os mesmos direitos e deveres.

 

 

 

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