Valor Econômico
Modelo da Cepal foi distorcido por governos que tornaram proteções temporárias em permanentes
Por que a indústria brasileira perdeu sua
extraordinária pujança do período 1930 a 1980? Essa pergunta continua
provocando divergências e inspirando trabalhos acadêmicos.
Em 26 de março, destacamos aqui um “paper”
dos professores Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS)
que analisa o processo histórico e sugere estratégias para a
reindustrialização.
Voltamos ao tema para registrar algumas contestações ao trabalho e réplicas. Em resumo, Marquetti e Fonseca citam vários fatores que levaram à desindustrialização: abandono do projeto nacional e desestruturação do Estado; fortalecimento do poder econômico-político da burguesia financeira, fomentado pela elevação dos juros reais e dos lucros financeiros, enquanto a burguesia industrial perdia espaço; reformas com liberalização do comércio; privatizações de estatais, inclusive de bancos estaduais que financiavam a indústria; aumento da dívida interna por causa dos juros elevados; taxa de câmbio valorizada, com efeito negativo na competitividade da indústria.
Paulo Areas, administrador pela California C.
University e empresário, em respeitosa discordância, enumerou seis fatores que
considera determinantes para a perda de pujança da indústria:
1. O custo do trabalho no Brasil, em razão de
impostos e litigâncias, é exagerado quando comparado aos asiáticos, hoje
grandes fabricantes e exportadores.
2. Nas últimas décadas, aumentou brutalmente
a carga tributária, o que diminuiu o dinheiro disponível para pessoas físicas e
jurídicas.
3. A burocracia é infernal. Exemplo: o Grupo
Gerdau, com usinas nos EUA, tem lá cinco pessoas em seu departamento fiscal e
aqui, mais de 50.
4. O dinheiro barato emprestado pelo BNDES
não era bem fiscalizado, deixando a possibilidade de aplicá-lo no mercado
financeiro pelo tomador, em vez de investi-lo no negócio. E os não exportadores
não eram punidos, como fizeram os asiáticos
5. O governo permitiu enorme concentração
bancária e os bancos só emprestam a prazos curtos e com altíssimas taxas de
juros. Comprovante da existência de cartel: entre os dez bancos do mundo com
maiores retornos sobre o capital, quatro são brasileiros. Os bancos daqui
alegam que isso é fruto de competência. Logo, vale a pergunta: por que então
não invadiram os EUA e a Europa para ganhar bilhões baseados na “competência”?
6. O modelo cepalino de fechar mercado para
beneficiar os locais criou parques industriais obsoletos e não enriqueceu os
países que o adotaram. Já os asiáticos exigiam que empresas exportassem para
gerar renda e competir com os melhores do mundo. Isto e outros fatores, como a
boa educação pública, fizeram a renda per capita disparar, o que tirou centenas
de milhões da miséria.
Outro lado
A coluna ofereceu aos dois economistas
autores do “paper” a possibilidade de responder a Areas. Marquetti e Fonseca
disseram concordar com alguns pontos e discordar de outros.
A maior discordância é sobre o elevado custo
do trabalho no Brasil (item 1). Citaram que o rendimento médio mensal do
trabalhador do setor privado em 2023 foi de R$ 2.818 (com carteira) e R$ 2.038
(informal). “Há uma década o custo do trabalho na China ultrapassou o do
Brasil. A incapacidade brasileira de elevar a produtividade do trabalho não tem
relação com o custo do trabalho. Se tivesse, as empresas investiriam em
máquinas e não o fazem: a taxa de investimento foi de apenas 16,5% no país.
Há concordância dos dois economistas sobre a
concentração bancária (item 5). No “paper”, eles abordam o tema quando falam na
hegemonia financeira, já que a concentração é uma face dessa tal hegemonia. “Os
juros elevados assolam os consumidores e grande parte das empresas não
financeiras. A taxa referencial (Selic) também é alta e propicia ganhos
elevados sem necessidade de produzir. O país atrai capital financeiro
internacional de curto prazo, o que valoriza a taxa de câmbio e reduz a
competitividade da indústria. A taxa de juros no neoliberalismo funciona como
um poderoso mecanismo de transferência de renda do setor produtivo para o
financeiro.”
Marquetti e Fonseca dizem que cabe ao BNDES
(item 4) papel de destaque no financiamento das empresas brasileiras em geral.
Citam o exemplo da Embraer. Contudo, concordam que houve problemas, como
apontado por Areas, como no caso dos campeões nacionais e no financiamento da
privatização de estatais. “O banco deveria ser mais exigente em seus
financiamentos, e, por exemplo, cobrar metas de emprego, exportação e/ou
ambientais. Financiamento público se justifica quando tiver fim social e tem
que ser rigorosamente acompanhado pelo órgão financiador, mas muitas vezes o
empresariado se opõe a isso.”
Os economistas observam que a visão de que a
Cepal propunha fechar mercados (item 6) não bate com os documentos da própria
Cepal, em que se propõe proteção temporária para indústrias infantes, algo
consensual na época. “Se proteções temporárias viraram permanentes, isso foi
por ações dos governos.”
Os dois economistas entendem que as críticas
ao modelo cepalino podem ser, em boa medida, estendidas ao desenvolvimentismo.
“O desenvolvimentismo implica criar vantagens competitivas além dos recursos
naturais ao combinar a atuação do Estado com o mercado. O primeiro passo
consiste em aumentar a capacidade de produzir para o consumo interno e, num
segundo, competir internacionalmente. O desenvolvimentismo no Brasil foi
abandonado ao longo da década de 1980. O PIB brasileiro cresceu 7,3% ao ano
entre 1947 e 1980, quando vigorava o desenvolvimentismo, e 2,1% ao ano entre
1980 e 2023, quando foi abandonado e substituído pelo neoliberalismo. É
necessário reconstruir o modelo desenvolvimentista voltado para as questões do
século XXI para o país crescer a taxas elevadas, propiciando empregos de
qualidade e lucros para as empresas.”
Em relação ao item 5, o retorno sobre o capital dos bancos brasileiros é elevado com a excelente ajuda das maiores taxas reais de juros do mundo, praticadas pelo Banco Central do Brasil. Essa parte não se deve atribuir à competência.
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