O Estado de S. Paulo, 7.4.2024
Sexta-feira, 3 de abril de 1964. Entro na
redação sobressaltada por ameaças que não deixam seus telefones em paz. A
maioria das vozes, sempre anônimas e uma oitava acima, é feminina. São as
“malamadas” xingando o jornal e seus profissionais em repúdio a um editorial,
Terrorismo, não!, contra as arbitrariedades e violências cometidas pelo governo
do então Estado da Guanabara (leia-se Carlos Lacerda) nas primeiras horas do
regime militar.
“Isto mostra o fanatismo e a intolerância das
lacerdistas”, reagiu o jornal, acrescentando-lhes mais um defeito: a
puerilidade de crer que alguma ameaça pudesse atemorizar o Correio da Manhã,
amainar-lhe a indignação e fazê-lo recuar de uma guerra que apenas iniciara
seus estragos irreparáveis.
Foi o cronista Antonio Maria quem cunhou a expressão “malamada”, para irritar Lacerda e tipificar o mulherio sexualmente recalcado que o idolatrava.
Quando delas me lembro, penso em Wilhelm
Reich e suas teorias sobre psicopatologia social & sexual. Pois malamadas
também saciaram sua recalcada libido venerando Mussolini e Hitler. As nossas
foram assaz atuantes naquelas passeatas com Deus pela democracia e contra o
comunismo que preambularam e atiçaram o golpe, com o incentivo do Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), núcleo de conspiração putschista
basicamente sustentado pelo empresariado de direita dos EUA e daqui.
Entrevistada pelo Roda Viva da última
segunda-feira, a historiadora Heloisa Starling referiu-se ao referido instituto
como “Ípes”, sigla que 60 anos atrás a gente acentuava oxitonamente, com um
circunflexo no e, como a árvore cujo tronco inspirou Alencar, o José, não o
também cearense Humberto (Castelo Branco), que foi apenas o primeiro ditador
fardado (e sem pescoço) que o poder moderador de araque nos legou.
Ípes ou Ipês, muito estrago ele fez. Além de
palestras e publicações mal-intencionadas, produziu filmetes de propaganda
alarmista, com garantida exibição nos cinemas como parte de uma lavagem
cerebral coletiva cuja eficácia só seria superada em paranoias e capilaridade
pelas fake news da era digital.
Dois anos antes do golpe, com a Garota de
Ipanema no início de seu reinado, outra habitante do mítico bairro carioca,
chamada Amélia, que nem era linda, nem cheia de graça, promovia em sua casa os
primeiros conchavos que redundaram na Campanha da Mulher pela Democracia
(Camde), turbinada por passeatas de pias senhoras de rosário na mão. Elas não
rezavam para pneus, mas em defesa da família, da religião e de vagos
“princípios anticomunistas”.
Em nome de tais princípios, o regime militar mergulhou o País nas profundezas do obscurantismo e da repressão, concretizando o que alegava combater. O que levou a maior expressão do pensamento católico a confessar, publicamente: “Até hoje nunca tive medo do comunismo no Brasil. Agora começo a ter”.
Muito interessante o texto.
ResponderExcluirSobre o IPES, que reuniu Golbery, Simonsen, Maluf, Walther Moreira Salles, etc., financiado principalmente pelo governo dos EUA:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Pesquisas_e_Estudos_Sociais
O tema rende assunto.
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