O Globo
Recurso ao STF para arbitrar impasse com
Congresso e briga sem conclusão na Petrobrás minam credibilidade de Lula
Enquanto o discurso de Lula diz que ele e os
ministros devem buscar a concórdia com o Congresso e intensificar ações para
impulsionar o crescimento da economia, a realização das promessas de campanha
e, portanto, a popularidade do governo, a prática muitas vezes não condiz com
essas diretrizes.
No mesmo dia de uma intensa negociação
empreendida pelo Planalto para adiar novamente a sessão do Congresso que
analisaria uma série de vetos presidenciais, e forçosamente imporia uma derrota
de alguma monta ao governo, o Executivo ingressou no Supremo Tribunal Federal
(STF) com uma ação questionando a constitucionalidade da prorrogação da
desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de pequenos e
médios municípios.
Não é nova a alegação da Advocacia Geral da União (AGU), nem desprovida de argumentos dos pontos de vista jurídico e financeiro. A questão aqui é política: trata-se da questão que mais lances rendeu na queda de braço entre Executivo e Legislativo.
Antes de resolver judicializar a questão, o
que já estava no radar desde que o Congresso derrubou o veto de Lula à
prorrogação da desoneração, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou até o
fim de 2023 dizendo que tentaria outra solução.
A escolhida foi editar uma Medida Provisória,
já na virada do ano, trucando o Parlamento e, de quebra, incluindo outros três
assuntos sobre os quais deputados e senadores já haviam se manifestado. O
resultado foi o previsível diante dessa opção: o Congresso reafirmar as
decisões já tomadas e reiteradas nas derrubadas de vetos — e a permanência do
impasse.
Ir ao Supremo depois de tantos rounds passa
que sinal no momento em que Lula procura Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para
tentar retomar o protagonismo da agenda econômica? O pior possível: em caso de
derrota, o governo acionará o Judiciário como Poder para desempatar a contenda.
O que coloca outro problema na equação: como
fica a situação do STF, que acumula uma lista grande de contenciosos próprios
com o Legislativo e uma campanha de descredibilização por parte da extrema
direita bolsonarista —com conexões internacionais nas últimas semanas—, chamado
a arbitrar um contencioso a mais? Certamente não é o que a Corte deseja neste
momento.
Integrantes do governo argumentarão que esse
é um caso inequívoco de impasse constitucional, situação em que o STF precisa
mesmo ter a última palavra. Verdade, mas os muitos lances de vaivém político
com as duas Casas fizeram com que a questão atingisse outro patamar, e o
inconformismo do Congresso com o que considera um método do governo para
driblar sua falta de maioria é grande — e um impeditivo para a tão sonhada
retomada de uma boa articulação política.
Outro exemplo de tempo perdido com uma crise
desnecessária é a novela da Petrobras, tanto no capítulo da distribuição de
dividendos extraordinários, que minou o valor da empresa por mais de um mês
para terminar no desfecho previsto antes da interferência do governo, quanto
naquele concernente à fritura do presidente, Jean Paul Prates, que sangrou,
sangrou e acabou ficando.
Para que tanto barulho por absolutamente
nada? O que o adiamento de distribuição de dividendos que só podem se destinar
a esse fim, e nunca a investimentos ou outras destinações que o governo poderia
ter em mente, diz a respeito da governança de uma empresa de economia mista?
A economia é complexa, sujeita ao impacto de
um cenário externo incerto, e, depois de um primeiro ano bom, a desconfiança
com a política econômica e fiscal está em alta. A bateção de cabeça política, a
insistência do governo em confrontar o Congresso e a visão de mundo ao mesmo
tempo intervencionista e pouco comprometida com a austeridade fiscal de Lula em
nada ajudam a dissipar esse pé atrás. O governo anda em círculos e atrapalha os
próprios objetivos.
Pois é.
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