O Globo
Governo ignora evidências de que oposição segue forte e falta um programa claro para falar com o eleitorado
Quando eu era pequena, era comum as crianças
fazerem birra com colegas ou com os pais quando não queriam participar de uma
brincadeira ou tomar banho naquela hora. Tapavam os dois ouvidos com os dedos
e, com petulância, cantarolavam: “Lalalalalá, não tô ouvindo nada”. É até
bonitinho com pequenos, mas, quando políticos ou seus apoiadores agem assim em
relação às más notícias ou às estratégias do polo adversário, passa a ser
temerário.
O instituto Quaest fez uma pesquisa com
recorte inédito: comparou a aprovação a Lula e ao governo federal à de quatro
postulantes a herdeiro do voto de Jair Bolsonaro nos estados por eles
governados. O resultado foi favorável aos oposicionistas em São Paulo, Minas
Gerais, Goiás e Paraná.
Com os dedinhos nos ouvidos, apoiadores de Lula dizem que, com exceção de Minas, o petista já não venceu nesses estados, o que não mudaria em nada a realidade nacional e o cenário para 2026. Será?
Não. Fosse assim, o Planalto não estaria
atrás de produzir boas notícias em qualquer área, atirando a esmo e sem clareza
de quem precisa atingir, e de que forma. Só agora estão no radar mudanças no
crédito imobiliário, mandingas para baixar a conta de luz na marra — algo que
foi feito no governo Dilma Rousseff com resultado desastroso — e reajuste para
servidores públicos. Medidas que não conversam entre si e que não são tiros
certeiros na busca por maior popularidade.
E, por falar em tiro, foi na área da
segurança pública — essa sim crucial para qualquer disputa eleitoral de agora
até 2026, inclusive as eleições municipais de outubro — que o governo pode ter dado
mais um tiro no pé. Contrariando os conselhos da ala política do
governo, Lula resolveu vetar parcialmente o projeto de lei que proíbe a
“saidinha” de presos. Foi um veto pontual, mas que estabelece uma exceção
considerada difícil de fiscalizar pelos caciques do Congresso, aqueles que
terão o poder de derrubar o veto. A tendência é que mais esse não fique de pé,
como tem sido o destino de muitas das intervenções de Lula a projetos aprovados
pelo Parlamento.
Um presidente cujos vetos são abatidos em
série demonstra fraqueza diante do Legislativo. Cheiro de sangue na água é algo
que partidos e congressistas não costumam deixar passar batido. Cobram um preço
cada vez maior por um apoio cada vez mais incerto e traiçoeiro.
Por que, então, enfrentar tal desgaste? Ainda
mais às vésperas de uma eleição em que até candidatos a prefeito serão forçados
pelo eleitor a apresentar soluções (factíveis ou não, porque o tema não é de
alçada municipal) para a violência que tira o sono de cidadãos nas grandes
cidades. “Qual a capital em que o PT vai vencer?”, me questionou nesta
quinta-feira um observador privilegiado, com assento nesse Congresso de que o
Planalto se distancia dia a dia. De fato, não é simples apontar uma.
Enquanto as pesquisas e a política fornecem
dados de sobra para o governo se preocupar três anos antes da eleição, a
atitude continua sendo negar a realidade. A força de nomes como Tarcísio de
Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema “em casa” representa a evidência de que,
mesmo com as sucessivas tentativas de golpe que tentou engendrar, mesmo com as
joias sauditas, mesmo inelegível, Jair Bolsonaro segue sendo cabo eleitoral
perigoso. E, depois de 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, parece ter
reorganizado a tropa e deflagrado a própria “sucessão”, com o governador de São
Paulo largando na frente.
O ex-presidente também já colocou em campo um
plano para fazer maioria no Senado — aliados seus falam numa bancada de 37 a 45
bolsonaristas raiz na Casa em 2027. Seria prudente destapar os ouvidos, abrir
os olhos e sair da negação, e isso não tem nada a ver com fazer um “catadão” de
medidas aleatórias e sem efeito concreto naquilo que o eleitor considera
prioridade.
Pode ser.
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