O Globo
O governo tem sido useiro e vezeiro na arte de descumprir todos os entendimentos que sela com o Legislativo
Diante da consumação de mais uma derrota
anunciada na relação com o Congresso, o ministro Fernando Haddad (Fazenda)
defendeu a necessidade de que haja um pacto entre os três Poderes para o
cumprimento da política fiscal. Nada mais justo. Desde que comece pelo óbvio:
pacto e acordo são sinônimos, e o governo tem sido useiro e vezeiro na arte de
descumprir todos os entendimentos que sela com o Legislativo.
Podem-se falar muitas coisas do presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas ele tem sido bastante objetivo e direto ao
delimitar, nas negociações para a votação da pauta econômica do governo, o que
tem condições de passar na Casa que comanda e o que não tem a menor chance.
Textos de propostas, de medidas provisórias a
PECs, são discutidos item a item em reuniões na residência oficial da Câmara e,
ainda assim, muitas vezes são alterados com o dedo do governo, até da Fazenda,
no Senado, quando não submetidos a vetos de Lula depois de referendados pelas
duas Casas.
No Senado, a situação não é muito diferente, a não ser porque Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tem demonstrado até mais boa vontade com os desacertos da articulação política da gestão Lula. Basta pegar o exemplo da Medida Provisória 1.202, que Pacheco acaba de revogar em parte.
Era óbvio que a solução improvisada de
retirar da MP parte dos seus múltiplos temas e manter outros não funcionaria
quando Lira e Pacheco já haviam dado diversas declarações sugerindo a revogação
total do texto e o envio de projetos de lei separados para cada um — até porque
a conexão entre eles é praticamente zero.
Essa ideia, que parece pautar a forma como o
governo muitas vezes escolhe lidar com o Parlamento, o “vamos ver se cola”, é o
oposto da proposta de um pacto. Não é exatamente produtivo dinamitar a
confiança entre as partes em sucessivos episódios — houve vetos não combinados
no próprio arcabouço fiscal, no Orçamento e na proposta que restabeleceu o voto
de qualidade no Carf, para ficar só em algumas agendas ligadas à Fazenda — e,
diante de nova derrota, falar em pacto, como se fossem os demais entes que agissem
fora do combinado.
São inegáveis as vitórias de Haddad no
primeiro ano de governo, assim como é um dado de realidade a forma engenhosa
como o ministro construiu, a partir do zero, confiança em sua capacidade de
gerir a economia mesmo com públicos antes céticos a seu respeito. Esses feitos
já foram tema diversas vezes neste espaço, porque são e serão, ao cabo de
quatro anos, um dos eixos fundamentais para entender o sucesso ou fracasso do
governo Lula 3.
Da mesma forma, ao ser um dos proponentes,
internamente, de que o governo invista de forma consistente na economia verde,
se livrando de contradições que impedem ao Brasil ser protagonista no setor,
Haddad aponta um caminho auspicioso para o próprio Lula na reeleição e em seu
sonho de ser um ator global relevante.
Mas é preciso que o petista deixe de
escorregar no que parece ser excesso de autoconfiança na lida com o Congresso.
As vitórias até aqui tinham como traço comum o fato de os temas a que os
projetos se referiam —do arcabouço à reforma tributária— estarem alinhados com
a inclinação desse Parlamento, eleito de forma bastante dissociada da vitória
de Lula praticamente no olho mecânico.
Querer empurrar goela abaixo dessa maioria,
que difere em muito do PT em termos de política econômica, e, sobretudo, querer
convencê-la na marra de que votou errado e de que o Planalto é o detentor da
sabedoria única é pedir para qualquer proposta de pacto soar como uma pregação
no deserto.
Verdade.
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