O Globo
A revisão da meta menos de um ano depois da
aprovação do arcabouço fiscal só contribuiu para o temor de descontrole das
contas públicas
Fernando Haddad volta dos Estados Unidos com
a situação em seu latifúndio mais tensa e bagunçada do que quando embarcou. O
mercado e instituições como o Fundo Monetário Internacional mostram o aumento
do ceticismo quanto à trajetória da política fiscal proposta pelo ministro no
ano passado. Ao mesmo tempo, no Congresso crescem os ruídos que mantêm a pauta
congelada praticamente desde o fim do ano passado.
O ministro terá de atuar nas duas pontas para
evitar que passe (volte?) a ser alvo de desconfiança e que seja minada a carta
branca recebida de Lula para indicar o caminho da política econômica. Ele e
todos sabem que vários setores, a começar do próprio PT, só esperam por sinais
de sangue na água para alvejá-lo.
A revisão da meta fiscal para os próximos anos, menos de um ano depois da aprovação do arcabouço fiscal, só contribuiu para o temor de descontrole das contas públicas. Haddad lutou bastante para evitar que fosse revista a meta de 2024, mas não teve a mesma disposição ou as mesmas armas para bancar aquilo que ele mesmo propôs quando da aprovação do marco que substituiu o teto de gastos.
O resultado é que, qualquer que seja a
justificativa para a revisão da meta, o novo arcabouço durou ainda menos que
seu antecessor. A principal razão parece ser justamente uma característica
central da nova regra, apontada como arriscada por economistas, analistas e
pela imprensa: a forte dependência de um aumento consistente da arrecadação
para que todo o mecanismo ficasse de pé.
O grande problema é que o Congresso frustrou,
nos últimos meses, diversas iniciativas da Fazenda para promover esse
incremento da receita. Boa parte das medidas foi derrubada e, quando o governo
insistiu, por meio da Medida Provisória 1.202, o mesmo Parlamento fincou pé,
desmantelou o texto e mantém suas partes em banho-maria sem nunca chegar a
votá-las. E, quando vier a votar, é bem provável que o resultado sejam novas
derrotas para o Executivo.
Na outra ponta, os gastos só crescem. O
anúncio de reajuste do salário mínimo para 2025, incluído na Lei de Diretrizes
Orçamentárias, deve ter um impacto de R$ 36 bilhões graças ao atrelamento de
despesas previdenciárias e outras.
O mesmo Legislativo que inflaciona as emendas
parlamentares, contribuindo para a gastança, aponta essa política de ganho real
do mínimo como fator de deterioração da expectativa com a trajetória da dívida
e do ajuste fiscal. “A política econômica pode derrotar o Lula em 2026”,
observou um cacique nesta quinta-feira, enquanto, na política, o circo pega
fogo com as derrotas impingidas ao presidente pela Câmara e também pelo Senado,
comandado por Rodrigo Pacheco, tido como aliado.
Nessa arena, a volta de Haddad também é
aguardada com certa ansiedade. Embora mesmo ele tenha demonstrado nos últimos
meses extrema irritação com a maneira como Arthur Lira e Pacheco promoveram o
esvaziamento da MP 1.202 e frustraram sua busca pela revisão de desonerações e
benefícios tributários que considera ineficazes e injustos, a avaliação é que
sua interlocução com os comandantes das duas Casas ainda é melhor que a do
colega Alexandre Padilha.
Lula demonstra que insistirá em empoderar o
titular das Relações Institucionais, pois removê-lo ou escanteá-lo justamente
quando Lira intensifica as críticas a ele seria capitular diante do presidente
da Câmara. Mas é imprevisível o que a medição de forças pode produzir em termos
de resultados para o governo nas votações.
Na última hora, os governistas ganharam uma
semana a mais para negociar a salvação de parte dos vetos de Lula marcados para
morrer em sessão do Congresso. O foco é conseguir ao menos um “desconto” na
derrubada dos vetos a emendas ao Orçamento. Um refresco de cerca de R$ 3
bilhões, ou nada diante dos outros tantos bilhões voando por aí em aumento de
previsão de gastos. Não faltará trabalho a Haddad, que mal terá tempo de deixar
as malas em casa.
Coitado!
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