Folha de S. Paulo
Na regulamentação das exceções, pode passar
boi, boiada e muito favor para amigos do poder
O governo mandou ao Congresso o que é, até
aqui, um
projeto razoável de regulamentação da mudança dos impostos sobre consumo.
Procurou manter a qualidade restante da reforma
tributária, definida em termos gerais por meio de emenda à Constituição, de
dezembro de 2023.
Para citar apenas um aspecto da reforma, o
pessoal tentou limitar exceções ou privilégios.
Na emenda constitucional, deputados e, em
especial, senadores criaram um excesso de regimes diferenciados, favorecidos e
específicos. Isto é, bens e serviços para os quais o imposto será menor.
Quanto mais exceções, pior a qualidade econômica da reforma. Além disso, mais regras serão necessárias para enquadrar com precisão produtos e atividades econômicas que merecerão tratamento diferente. É oportunidade para lobby ou mutreta.
Pelo menos 20
profissões ganharam esse direito, por exemplo (redução de 30% da alíquota).
É o caso também de "produções nacionais artísticas, culturais, de eventos,
jornalísticas e audiovisuais" (redução de 60%).
A concessão genérica estava na emenda
constitucional. A regulamentação inclui, entre outros, feira de negócios, show,
carnaval, programa de auditório (sic), "entrevistas e clipes"
(influencers?). O que mais os lobbies vão colocar nessa e noutras caixinhas de
imposto menor ou zero?
Em nome da justiça social, o imposto sobre
alguns produtos e serviços pode ser menor (comida, remédio, escola, saúde).
Melhor é devolver o imposto pago para os mais pobres, em vez de se generalizar
o benefício, que será apropriado também pelos ricos (como ocorre com a atual
desoneração de alimentos).
Outras leis, ordinárias, serão necessárias
para especificar a situação. É o que vai acontecer com o imposto
seletivo sobre veículos, por exemplo, que vai variar de acordo com potência
ou impacto ambiental. Produtores de refrigerantes vão tentar escapar do
"seletivo" (que tenta induzir a redução do consumo de
"males" para a saúde e o ambiente). Etc.
A definição do que são "produtos
agropecuário, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in
natura" é campo aberto de incerteza. "In natura", na lei, é
"produto tal como se encontra na natureza", que não seja
industrializado ou "acondicionado em embalagem de apresentação",
embora possa haver "acondicionamento indispensável para o
transporte". Hum.
Enfim, com mais exceções, mais conflito
haverá entre contribuinte e Receita: mais arbítrio oficial ou lobby privado e
judicialização.
Esses são apenas poucos exemplos de como as
especificações de regimes diferenciados podem dar pano para a manga.
Atualmente, é muitíssimo pior. Mas podemos fazer besteira nova.
O imposto, no fim das contas, é pago pelo
consumidor. Uma redução de alíquota, porém, evita o risco de que o vendedor do
bem ou prestador de serviço veja seu mercado diminuir, em certos casos (em
particular no de produtos e serviços que não sejam de grande necessidade). Esse
o motivo da disputa.
O governo diz que a alíquota
média da nova tributação sobre consumo será de 26,5%; a emenda
constitucional da reforma proíbe aumento de carga tributária. Em tese, EM
MÉDIA, vamos pagar o mesmo tanto de imposto que pagamos hoje, mas com ganho
grande de eficiência econômica.
Por bom motivo, a carga de alguns setores
aumentará. Porém, a carga de alguns ainda será menor do que a de outros por
privilégio de quem tem poder político-econômico.
A discussão vai bem além de alíquotas. A
reforma é muito complexa e enorme. Os entendidos ainda mastigam as centenas de
artigos da regulamentação. Mas temos de prestar muita atenção ao que se vai
fazer dessa oportunidade rara de melhorar a medula econômica do país.
Complicado.
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