Folha de S. Paulo
A mão invisível do mercado desregula o
termostato natural da Terra
Num soluço fulminante da crise climática,
mais de 80% do território gaúcho submergiu sob a força das chuvas torrenciais
das últimas semanas.
As perdas humanas e materiais, incalculáveis até o momento, seriam motivo de uma reflexão mais profunda sobre a forma como ocupamos o solo e lidamos com a natureza. Todavia, o negacionismo político se uniu ao seu homônimo climático de forma desavergonhada para ocultar uma causa central dessa tragédia: o desmonte dos instrumentos de planejamento e monitoramento do Estado pela mercantilização do espaço (urbano e rural).
Em seu livro "A Grande
Transformação" (1944), Karl Polanyi nos alertou que "deixar o destino
do solo e das pessoas para o mercado seria equivalente a aniquilá-los". A
natureza "seria reduzida aos seus elementos, bairros e paisagens
contaminados, rios poluídos... [e] o poder de produzir alimentos e
matérias-primas destruído". Oitenta anos depois, insistimos na ilusão de
dominar a natureza pela força da tecnologia, com a desculpa do progresso.
A mão invisível do mercado desregula o
termostato natural da Terra, produzindo um "mal público global" por
excelência. Inescapável e regressiva, a mudança climática agride mais os mais
pobres, menos preparados para lidar com ela.
A defesa convicta (e errônea) de que o Estado
não deve se endividar para não onerar as gerações futuras com maior carga
tributária fecha os olhos para os custos intertemporais do descaso ambiental e
da ocupação desordenada do solo, sob a égide dos lucros imobiliários e do
agronegócio.
Essa miopia interessada custa caro: cada R$ 1
gasto em prevenção ambiental economiza R$
15 em recuperação pós-desastre. No caso gaúcho, a (des)proporção deve ser
ainda maior.
Aqui entra o mote neoliberal "nunca desperdice uma crise séria", que aparece nas
exortações de "não é hora de apontar culpados" e "não
politizemos esta tragédia".
Instrumentaliza-se a união nacional para
compartilhar os custos do descaso com adaptação e monitoramento climáticos.
Convoca-se, então, o "Estado socorrista", desequipado e subfinanciado
pela aversão à tributação da riqueza concentrada nas mansões e fazendas —em
áreas de preservação, inclusive— e nas licitações milionárias de obras que
atentam contra o meio ambiente e fragilizam a população urbana.
Tal irresponsabilidade se apoia na
excepcionalidade das crises, que suspende a rigidez dos orçamentos públicos
equilibrados e das dívidas com a União e mobiliza doações de compatriotas de
todas as regiões. Vale até evocar o Plano Marshall, como fez o governador
Eduardo Leite (PSDB), em ato falho que confessa sua cumplicidade na tragédia ao
liderar o nocivo desmonte
da política ambiental do estado.
A percepção do custo (humano e material)
evitável se diluirá no pano de fundo da reconstrução do estado, ocultando as
causas dessa tragédia amplamente anunciada. Há indícios de que a
desfaçatez neoliberal não desperdiçará esta crise.
Primeiro, a gratidão seletiva de autoridades
a bilionários esbanjando doações —módicas, frente à magnitude da catástrofe.
Segundo o site Matinal, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB),
pretende reconstruir a cidade com a "parceria" —sem necessidade de licitação— da
consultoria Alvarez & Marsal, famigerada por sugerir cortes no
funcionalismo da cidade de Nova Orleans após o furacão Katrina, entre outras
barbaridades relatadas pelo jornal
New York Times. "Tudo deve mudar para que tudo fique como está".
Num país com 7,4 mil km de litoral, em que pululam praias artificiais em
condomínios de luxo, soluções inteligentes, verdes e inclusivas —como as cidades-esponjas—
parecem uma realidade distante.
É claro que as economias de mercado apresentam inúmeros problemas e não serei eu a ser seu advogado, mas, depois desta coluna, pus-me a ler sobre a degradação ambiental em países como a extinta União Soviética e a atual China. Mas é claro que isto mais dificilmente aparecerá em textos de autores como o ora compartilhado aqui, pois a sua inclinação ideológica o influenciará em suas conclusões.
ResponderExcluirAaaahhh... o capitalismo malvadão, que nas últimas décadas tirou milhões e milhões da extrema pobreza... Além de promessas e utopias vãs, o que teríamos além de você?
😏😏😏
Coluna excepcional! O desrespeito à Natureza é ou será cobrado em qualquer país, independente da ideologia do seu governo.
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