domingo, 19 de maio de 2024

Bernardo Mello Franco - A desconstrução de Castro

O Globo

Desembargador disse ter certeza “plena e inequívoca” de que político montou esquema criminoso para desviar recursos e se reeleger; ele nega irregularidades

Cláudio Castro passou a semana em Nova York, onde se vendeu como um gestor empenhado em “reconstruir” o Rio de Janeiro. Enquanto o governador palestrava, o Tribunal Regional Eleitoral iniciou o julgamento que pode desconstruir seu mandato.

Na sexta-feira, o desembargador Peterson Barroso Simão leu um voto arrasador. Disse ter certeza “plena e inequívoca” de que Castro montou um esquema criminoso para desviar dinheiro público e garantir a reeleição em 2022.

O relator votou pela cassação de Castro, do vice-governador Thiago Pampolha e do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar. O julgamento foi interrompido por pedido de vista e deve ser retomado na próxima quinta.

O Ministério Público apontou Castro como o principal beneficiário do escândalo dos cargos secretos. Segundo as investigações, o Ceperj e a Uerj foram usados para contratar milhares de cabos eleitorais. Os dois órgãos foram turbinados com recursos obtidos na privatização da Cedae, um ano antes da eleição.

Nas palavras do desembargador Simão, tratou-se de um “plano perverso” para desequilibrar a disputa e favorecer o grupo político do governador. “Tudo ocorreu sorrateiramente, de forma obscura, com folhas de pagamento secretas, sem o mínimo da transparência pública”, disse.

Segundo o relator, Castro e seus aliados “usaram e abusaram da máquina pública”, torrando dinheiro em “projetos mirabolantes” com pagamentos na boca do caixa e sem comprovação dos serviços. “Os investigados conseguiram infringir todos os princípios do artigo 37 da Constituição: moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência”, resumiu.

O escândalo dos cargos secretos foi revelado pelo portal UOL. No julgamento, os juízes assistiram a uma reportagem da TV Globo sobre a farra de contratações em Campos, berço político de Bacellar. Uma única agência da cidade fez pagamentos de R$ 12 milhões em dinheiro vivo. A cunhada do presidente da Alerj, então secretário de Castro, sacou mais de R$ 22 mil.

O desembargador Simão elogiou o trabalho da imprensa, alvo de críticas constantes do governador. Disse que os chefes do esquema fizeram de tudo para ocultar informações de jornalistas e fiscais do Tribunal de Contas do Estado. “Atuaram com o propósito de não deixar rastros”, sentenciou.

A defesa de Castro negou irregularidades e alegou que ele teve uma vitória “acachapante”, com 2,6 milhões de votos de vantagem sobre o segundo colocado. Por isso, a trama não teria sido capaz de desequilibrar a eleição.

O argumento foi desconsiderado pelo relator do processo. “A gravidade dos fatos praticados durante o período eleitoral é de grande dimensão, sequer importando se a vitória tivesse ou não ocorrido”, rebateu Simão.

Nas últimas semanas, o governador fez ataques à procuradora regional eleitoral, a quem acusou de perseguição política. O voto do relator mostra que o discurso era estratégia para desviar o foco das acusações.

No giro em Nova York, Castro apresentou um retrato imodesto de si mesmo e de sua gestão. “Nós vivemos no Rio de Janeiro, hoje, um tempo de orgulho”, pontificou. Falava de um estado assolado por escândalos, que já teve cinco governadores presos e um cassado.

Até agora.

 

Um comentário: