quarta-feira, 22 de maio de 2024

Bruno Boghossian - Leite e a hora do julgamento

Folha de S. Paulo

Governador comete erros graves ao encarar causas e precedentes da tragédia no RS

Eduardo Leite conhecia o tamanho do desastre gaúcho quando disse que não era hora de "procurar culpados". Naqueles primeiros dias da tragédia, ele tentava deixar em segundo plano um inevitável julgamento da população do estado sobre o desempenho de seus governantes. Semanas depois, o próprio tucano parece ter precipitado esse momento.

O governador vinha concentrando esforços em ações de socorro. Ele se aliou a outras autoridades para organizar uma resposta imediata a uma calamidade com poucos precedentes no país. O ineditismo e o drama talvez tenham dado a Leite a ilusão de uma absolvição sumária.

Declarações recentes sugerem que o governador não está pronto para responder por algumas questões ligadas às causas e aos precedentes da tragédia. Em entrevista à Folha, o tucano admitiu que conhecia estudos que alertavam para os riscos de uma catástrofe, mas advertiu que "o governo também vive de outras pautas e agendas".

Considerando que a função de um governador é tomar decisões com base nas melhores informações disponíveis, pode-se dizer que Leite cometeu um erro grave. Primeiro, por exibir hesitação sobre um conjunto de dados alarmantes que haviam chegado a seu gabinete. Depois, por reconhecer que não tratou a prevenção como prioridade.

Leite também teve dificuldades para escapar de uma conflito evidente entre decisões de seu governo e críticas feitas por ambientalistas a um pacote de mudanças feitas em sua gestão. Ainda que seja difícil desenhar uma relação inequívoca entre as medidas e as inundações, o tucano recorreu a um péssimo slogan no programa Roda Viva: "Não erramos pelo negacionismo".

O governador demonstra um compreensível desconforto com um aspecto das discussões sobre o desastre. "O que me incomoda muito na política é a polarização, é que antes de procurar soluções, se procuram culpados", disse. Leite tem alguma razão, mas não poderá se escorar nesse argumento por muito tempo.

 

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