Valor Econômico
Tragédia de 2023 pouco mobilizou políticos gaúchos e o governo federal
No Brasil, as tragédias se sucedem, trazendo
morte, sofrimento e prejuízos, principalmente para os mais pobres. Na maioria
das vezes, poucas lições extraímos com o drama humano - e menos ainda mudamos
nosso comportamento.
A situação vivida atualmente no Rio Grande do
Sul foi bola cantada por especialistas em meteorologia e meio-ambiente, triste
reprise das chuvas e inundações sofridas em meados do ano passado. A classe
política, porém, ignorou os alertas.
Na mensagem que enviou a proposta para o orçamento de 2024 à Assembleia Legislativa, o governador Eduardo Leite (PSDB) mencionou a destruição e as mortes provocadas em diversos municípios do Estado em 2023, e propôs que todos os gaúchos unissem seus esforços para “que todos os atingidos tenham de volta a esperança no futuro”. Palavras quase protocolares, diante do pouco que se propôs de mudanças.
A favor do governador tucano, pode-se até
considerar louvável a ampliação dos recursos previstos para o Fundo Estadual de
Defesa Civil, que prevê neste ano gastar R$ 5,05 milhões para o desenvolvimento
de uma plataforma digital de informações para a população e expansão do Centro
de Operações da Defesa Civil (em comparação com os R$ 2,6 milhões de 2023). No
entanto, a previsão de despesas totais alocadas na subfunção “Defesa Civil”
para este ano é 7,5% menor do que o destinado no ano passado (R$ 495,7 milhões).
Se de um lado o governador não deu prioridade
à prevenção de novas catástrofes ambientais no orçamento, também não houve
ajuda vinda dos representantes do Estado no Congresso Nacional.
Segundo o portal Siga Brasil, do Senado
Federal, de todo o valor previsto pelos deputados federais e senadores gaúchos
em emendas individuais e de bancada em 2023 e 2024 (R$ 2,84 bilhões), apenas R$
1 milhão se destinava a estudos e projetos de prevenção e proteção a
deslizamentos urbanos e míseros R$ 700 mil foram voltados para preservação e
conservação ambiental no Estado. Ainda assim, nenhum centavo foi aplicado.
Além disso, dos R$ 192,1 milhões que os
parlamentares transferiram desde o ano passado para administração do Palácio do
Piratini, sede do Poder Executivo sul-rio-grandense, mais recursos foram
alocados na Secretaria de Agricultura e Pecuária (R$ 21,1 milhões) do que na
pasta de Assistência Social (R$ 18,9 milhões), área que poderia amparar os
abrigados que tiveram que recomeçar suas vidas praticamente do zero após a
destruição de suas casas.
Casos de grande comoção nacional costumam
mobilizar parlamentares a apresentarem projetos de lei destinados a lidar com a
prevenção ou com a remediação das tragédias que os produziram. No caso das
enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul, porém, as dezenas de mortes
parecem não ter motivado a ação dos representantes da população gaúcha no
Congresso Nacional.
Entre os 106 projetos de lei ordinária e
complementar, assim como propostas de emenda à Constituição, apresentados até a
última sexta-feira pelos 31 deputados federais gaúchos na atual legislatura
(2023-2026), apenas dois foram apresentados como uma resposta às situações de
calamidade causadas pelas chuvas em 2023 e 2024.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol) sugeriu
uma alteração no Código de Defesa do Consumidor para punir comerciantes que se
aproveitem da situação de vulnerabilidade da população para aumentar seus
lucros durante as tragédias, com a proibição de participar de licitações e de
ter acesso a empréstimos em bancos públicos (PL nº 1525/2024).
Numa iniciativa encabeçada pelo deputado
gaúcho Bibo Nunes (PL) e subscrita por outros 18 colegas do mesmo Estado, foi
proposta a introdução de um dispositivo na Constituição que permita que 5% do
valor das emendas orçamentárias individuais possam ser remanejados para o
atendimento a catástrofes e emergências ambientais (PEC nº 44/2023). Nenhuma
das medidas, porém, teve avanços na tramitação.
Entre os três senadores gaúchos não houve a
apresentação de nenhum projeto legislativo após as enchentes do ano passado que
lidasse com a questão ambiental, com defesa civil ou prevenção de desastres.
Pelo contrário, Paulo Paim (PT), Hamilton
Mourão (Republicanos) e Luis Carlos Heinze (PP) se uniram numa iniciativa
conjunta (PL nº 4.653/2023) para incluir a região carbonífera gaúcha no
Programa de Transição Energética Justa, favorecendo com incentivos
governamentais a produção de energia termelétrica proveniente da queima de
carvão mineral - aumentando, assim, as emissões de gases de efeito estufa e
contratando a ocorrência de novos eventos climáticos extremos nos próximos
anos.
Da parte do governo federal, até hoje não
saiu do papel a proposta de campanha de se criar uma Autoridade Nacional de
Segurança Climática, condição imposta pela ministra do Meio Ambiente Marina
Silva para apoiar Lula no segundo turno. A ideia de se ter um órgão
supra-ministerial que coordene ações de prevenção e adaptação às mudanças
climáticas em todas as pastas do governo nunca foi prioridade do presidente da
República, a despeito das ações de marketing embaladas pelo “Brasil voltou” nos
encontros internacionais.
Com instrumentos frágeis para responsabilização - na Justiça ou nas urnas - de políticos que nada fazem para prevenir novas tragédias ambientais, é questão de tempo para que novas mortes e destruições aconteçam.
Perfeito.
ResponderExcluirRealmente PERFEITO! Bruno fez a "lição de casa": pegou o assunto da semana, foi atrás de dados que reunissem Política e Economia, fez uma boa análise e nos apresentou um texto ponderado, IMPARCIAL, informativo, CRÍTICO e muito bem escrito. Muitos parabéns ao autor, e também ao blog que divulgou esta obra prima! Ah, se todos os colunistas fossem como o Bruno!
ResponderExcluirDeus nos livrem de tanto sofrimento!
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