segunda-feira, 13 de maio de 2024

Camila Rocha - Políticos ignoram urgência climática

Folha de S. Paulo

Se nada mudar, presenciaremos também a emergência de revoltas

As mudanças climáticas saíram dos livros e se tornaram realidade. A afirmação, feita pelo secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, reflete a percepção da população brasileira sobre a tragédia no Rio Grande do Sul.

De acordo com uma pesquisa da Quaest, realizada nos dias 5 e 6 de maio, 99% dos brasileiros associam as mudanças climáticas com as enchentes no Sul do país, sendo que 64% apontam que os fenômenos estão totalmente relacionados, e 30% consideram que estão parcialmente relacionados. Além disso, para 70% a tragédia poderia ter sido evitada.

A intensa frustração com a situação faz com que as pessoas venham buscando informações e respostas nas redes sociais.

De acordo com um levantamento conduzido pela consultoria Timelens, a maior parte das buscas nas redes sobre o tema está relacionada à procura por culpados pela catástrofe. Entre os principais culpados, e alvos preferenciais da raiva e da revolta da população, então o governo federal (33%) e o governador e senadores do Rio Grande do Sul (18%).

A raiva contra os políticos é motivada sobretudo pelas escassas e demoradas respostas aos alertas de risco feitos no passado, aos parcos recursos direcionados para emergências climáticas e à flexibilização de regras ambientais.

Assim, na visão da maioria dos brasileiros, os políticos são os grandes responsáveis pela tragédia anunciada. De acordo com a pesquisa da Quaest, 68% responderam que o Governo do Rio Grande do Sul tem muita responsabilidade, 64% afirmaram que as prefeituras têm um alto nível de responsabilidade, e 59% atribuíram alta responsabilidade ao governo federal.

Tal entendimento fornece o contexto ideal para a circulação de fake news contra governantes, que, por sua vez, retroalimentam e aumentam ainda mais os sentimentos de raiva e frustração, sentimentos que também se estendem a especialistas e cientistas.

Não à toa, episódios vivenciados por cientistas desesperados com a inércia de políticos logo se tornaram populares nas redes, como o protagonizado pelo ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutor em ciências e professor de ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Em junho de 2022, em uma audiência pública na Câmara Municipal de Pelotas (RS), Silva alertou: "O comportamento das chuvas mudou. Eu tenho feito um levantamento e já percebi que de 2013 para frente nós temos um acumulado de precipitação [chuvas] no mês de mais de 300 mm. A minha pergunta é: o que nós, por exemplo, na Defesa Civil, temos programado para prever essas possibilidades? Em algum momento, vamos começar a ver [inundações] em áreas em que a água não chegava com tanta frequência e vamos lembrar disso que estamos falando aqui."

No entanto, a urgência climática seguiu e segue sendo ignorada pelos políticos que pouco ou nada fizeram para prevenir, amenizar e se preparar para as catástrofes vindouras.

Se nada mudar nos próximos anos, além de novas catástrofes naturais, vamos presenciar também a emergência de novas revoltas como as de junho de 2013, com a diferença de que, ao que tudo indica, o protagonismo de jovens e estudantes será compartilhado com o de inúmeros refugiados climáticos.

 

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