domingo, 26 de maio de 2024

Celso Rocha de Barros - Onde fica o centro?

Folha de S. Paulo

Única área em que governo Lula de fato se distanciou do centro de 1994-2014 foi em parte da política externa

Boa parte da discussão política nos últimos meses tem sido sobre quem, entre os políticos de direita, é "de centro". Em parte, trata-se de saber quem herdará o legado político de Jair Bolsonaro. Mas é mais do que isso: trata-se de discutir onde deve ficar "o centro" no debate político brasileiro.

Isso é importante porque, quando marcamos o lugar do centro, fica estabelecido que há uma distância X a partir dali, nas duas direções do espectro político, a partir da qual está a falta de bom senso, o radicalismo e, conforme se ande ainda mais para longe, o extremismo.

Pela definição de "centro" que valeu no Brasil no auge de nossa experiência democrática, entre 1994 e 2014, o centro brasileiro hoje em dia tem um claro ocupante: o governo Lula.

Haddad implementa uma política econômica que caberia perfeitamente no período 1994-2014 (aliás, em 1994-2008). O vice de Lula, que também é seu ministro da Indústria, é Geraldo Alckmin. Qual "centrista" discutido atualmente na direita escolheria como vice alguém que fosse, para a esquerda, o que Alckmin foi para a centro-direita entre 1994-2014? Simone Tebet, a candidata da terceira via em 2022, está no governo Lula. O ministro das Minas e Energia, que acaba de derrubar o presidente da Petrobras, é indicado por Gilberto Kassab, homem forte do governo Tarcísio. No que se refere à política de memória sobre o golpe de 64, Lula 3 é mais conservador que FHC. A ideia mais importante produzida pelo centro nos últimos anos, a reforma tributária, foi implementada por Lula, com enorme custo político.

A única área em que o governo de fato se distanciou do centro de 1994-2014 foi em algumas áreas de política externa. Mas mesmo nisso houve muito mais mudança retórica (OK, muito ruim) do que realinhamento da tradição diplomática brasileira.

Aqui alguém pode dizer: bom, mas o Lula quer fazer estaleiro, Abreu de Lima, essas coisas desenvolvimentistas. Bom, se para você isso desqualifica um centrista, então você está propondo que o centro é o liberalismo econômico puro.

Você tem o direito de defender isso, e, aliás, há bons motivos para cobrar o governo sobre projetos desenvolvimentistas com histórico ruim. Mas você está marcando o centro muito à direita do que ele está nas democracias maduras, e muito longe do eleitorado brasileiro, que não tem essa simpatia toda por liberalismo econômico. Nem na direita.

Vale dizer, aliás, que nem todos os grandes projetos estatistas do PT deram errado. Na briga recente da Petrobras, os acionistas queriam que a empresa se concentrasse no seu "core business", extrair petróleo. Bom, mais de três quartos desse "core business" atualmente vêm do pré-sal, cuja exploração é resultado de um imenso investimento estatal de governos petistas.

E sim, Haddad está tentando cobrar imposto de rico. Mas se isso for radicalismo, quase todo mundo nas democracias desenvolvidas é radical.

Se o centro não tiver esquerdismo nenhum, de duas uma: ou você incorreu em uma impossibilidade geométrica, ou tirou do cálculo metade da democracia brasileira. É razoável?

Se você quer provar que seu direitista preferido é de centro, tente escrever sobre ele algo como o quarto parágrafo desta coluna, mas com o sinal invertido. Se não for possível, lamento, amigão: o radical é você.

 

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