Folha de S. Paulo
Tortura não é novidade na Terra Santa;
novidade, porém, está na motivação
Khirbet Khizeh, de S. Yizhar, a história
ficcional da expulsão dos palestinos de seu povoado pelas forças do
proto-Estado judeu, na guerra de 1948, foi publicado no ano seguinte.
"Atirar –e, depois, chorar": o remorso do narrador, um jovem soldado
que cumpre a ordem de remoção dos habitantes, pertence ao mito nacional de
Israel. Hoje, porém, sob um governo controlado por extremistas, Israel não
chora mais: atira e, depois, tortura.
Tortura não é novidade na Terra Santa. Agentes israelenses torturam prisioneiros palestinos. Policiais da Autoridade Palestina torturam prisioneiros do Hamas e vice-versa, na Cisjordânia e em Gaza. O Hamas cometeu abusos sexuais contra reféns israelenses. A novidade, porém, está na motivação.
Uma investigação da CNN, baseada em fotos e
depoimentos de funcionários israelenses anônimos, lançou luz sobre o centro de
detenção estabelecido na base militar de Sde Teiman. É uma Guantánamo no
deserto do Neguev. Os prisioneiros, manietados em ambientes contaminados por
fezes e ratos, impedidos de se locomover durante dias inteiros e proibidos de
falar, sofrem abusos e sevícias intermitentes. Direito humanitário? Convenção
da ONU contra Tortura? Nada disso existe naquele inferno.
A tese da bomba-relógio, um cenário que só
aparece no cinema, forma a base lógica da prática estatal da tortura. Contudo,
não funciona em Sde Teiman: no cárcere para supostos combatentes de campo, não
há dirigentes do Hamas ou da Jihad Islâmica que possam guardar segredos
sensíveis. Tortura-se, ali, por vingança.
O soldado do romance de Yizhar cumpre ordens
terríveis. Sua disciplina resignada sintetiza o conceito que fabricou Israel:
um país seguro para judeus expulsos de suas pátrias originais por meio século
de perseguições que culminaram no Holocausto. A Nakba palestina emergiu de uma
guerra, não de uma deliberação genocida. Se perdessem, os judeus é que seriam
expulsos, conforme prometiam os líderes das forças árabes. Mas o soldado chora
porque reconhece a humanidade de suas vítimas.
O escritor Amos Oz, autor do ensaio
"Como curar um fanático", inflexível defensor da solução de dois
Estados, combateu nas guerras do Sinai, dos Seis Dias e do Yom Kippur. Ele
captou o dilema moral inscrito no "atirar –e, depois, chorar":
"Fiz muitas coisas que lamento ter sido obrigado a fazer, mas nenhuma de
que me envergonhe". O antissemita de plantão (disfarçado ou não no manto
conveniente do "antissionismo") dirá que são lágrimas hipócritas –e,
como sempre, estará errado.
Khirbet Khizeh entrou no currículo escolar
oficial judeu em 1964, tornou-se best-seller e inspirou uma série de TV. Numa
palestra a estudantes, ninguém menos que Moshe Dayan, ministro da Defesa na
Guerra dos Seis Dias, recitou cada um dos nomes dos povoados palestinos
destruídos e enterrados sob povoados israelenses. A mais completa descrição da
extinção da paisagem material e simbólica palestina e sua substituição pela
paisagem israelense deve-se não a um árabe-palestino, mas a um judeu
israelense: Sacred Landscape, de Meron Benvenisti, que foi vice-prefeito de
Jerusalém.
As lágrimas, porém, secaram. As provas estão
em Sde Teiman e na guerra de punição coletiva conduzida em Gaza, duas faces de
uma mesma moeda, coisas que envergonhariam Oz, se ele estivesse vivo para
contemplá-las.
Haverá, sempre, um propagandista disponível
para racionalizar os massacres de civis e as torturas de prisioneiros,
atribuindo-os ao trauma criado pela barbárie do 7 de outubro. A tentativa de,
por essa via, justificar as ações estatais israelenses, é historicamente falsa.
O "atirar –e, depois, torturar" reflete a natureza do governo de
Netanyahu e deita raízes na prolongada ocupação, que corrompe a alma do Estado
judeu. Os judeus israelenses precisam da paz em dois Estados tanto quanto os
árabes palestinos.
O colunista escreveu sobre muitas coisas que eu desconhecia, mas elas fazem muito sentido e parecem verdadeiras. Ele tem criticado o CRIMINOSO massacre de palestinos pelo governo israelense, e mostra aqui que isto já acontecia muito antes do ataque do Hamas em outubro. Infelizmente Israel se transformou num ESTADO TERRORISTA, que não é mais detido nem pelo governo dos EUA, seu único apoiador e realmente CÚMPLICE, pois fornece bombas e foguetes para os militares israelenses despejarem sobre os civis palestinos e suas residências.
ResponderExcluirNão há mais qualquer limite moral no GENOCÍDIO que Israel está provocando na Faixa de Gaza! Se o mundo permite isto, qualquer outro governo, democrata ou não, que queira matar dezenas milhares de civis estará moralmente autorizado!
Muito bom o artigo.
ResponderExcluirA prática da TORTURA pelo governo israelense pode explicar parte da convergência ideológica de Jair Bolsonaro com Netanyahu e seu ministério extremista. Crimes de guerra, crimes contra a humanidade, tudo irmana estes fascistoides.
ResponderExcluirO TPI finalmente decidiu PROCESSAR Netanyahu por seus crimes de guerra e pelos milhares de assassinatos de crianças e mulheres palestinas, além de prejudicar ou impedir INTENCIONALMENTE a ajuda humanitária na Faixa de Gaza e aterrorizar os civis diariamente massacrados pelos militares israelenses.
ResponderExcluirPRISÃO DAS TORTURAS! O sonho de Bolsonaro se concretiza em Israel.
ResponderExcluirhttps://www.ihu.unisinos.br/categorias/638963-prisao-das-torturas-em-sde-teiman-israel-tem-a-sua-guantanamo