sábado, 4 de maio de 2024

Demétrio Magnoli - O ópio dos estudantes

Folha de S. Paulo

Tese 'decolonial' espalhou-se entre professores universitários e salas de aula

"O Ópio dos Intelectuais", obra do filósofo Raymond Aron publicada em 1955, referia-se ao marxismo e brincava com a caracterização da religião, por Karl Marx, como o "ópio do povo". A religião laica dos intelectuais fez seu caminho até os estudantes e, bem diluída nos líquidos do pacifismo e do terceiro-mundismo, deixou uma marca nas manifestações contra a Guerra do Vietnã. De lá para cá, porém, foi substituída por outra doutrina dogmática: a tese "decolonial".

Assim como o marxismo, a nova doutrina espalhou-se entre professores universitários, gotejou para as salas de aula e, finalmente, emergiu no palco das manifestações contra a guerra em Gaza nos campi dos EUA. Sua síntese aparece num cartaz exposto no acampamento de protesto da Universidade George Washington: "Palestina livre. Os estudantes voltarão para casa quando os israelenses voltarem para a Europa, os EUA etc (seus lares verdadeiros)".

Aron apontava o fracasso moral dos intelectuais marxistas, que desprezavam a "democracia burguesa" enquanto condescendiam com os regimes totalitários do "socialismo real". O movimento "decolonial" segue rumo paralelo, eximindo governos autoritários e organizações antidemocráticas que se apresentam como rivais do Ocidente. Nos campi dos EUA, brados estudantis misturam a reivindicação de interrupção da guerra com lemas clássicos do Hamas.

As religiões invocam a palavra sagrada: razão transcedental. Os marxistas e os "decoloniais" invocam a História, com H maiúsculo: as "leis históricas", no primeiro caso, ou a justiça histórica reparatória, no segundo. Mas, como as religiões tradicionais, as religiões políticas almejam a redenção –e é isso que as torna sedutoras.

O triunfo do proletariado e o advento do socialismo assinalam a redenção marxista. A tese "decolonial", um estilhaço da política identitária, enxerga o mal absoluto na expansão global europeia (isto é, "branca"), fonte da opressão sobre os "povos originários" e a "diáspora africana". Para eles, a redenção não está no futuro, mas num passado mítico que precisaria ser restaurado.

O grupo dirigente dos protestos na Universidade Columbia declara os EUA e o Canadá nações ilegítimas, formadas por colonos europeus que oprimem os negros e ocupam terras indígenas. O cartaz do acampamento na George Washington exige que os "invasores" judeus saiam do Oriente Médio. Daí, os cânticos de "Palestina livre do rio até o mar" (e, ainda, "por qualquer meio necessário", uma senha costumeira destinada a legitimar o terror do 7 de outubro).

A derrapagem "decolonial" dos protestos limitou o alcance da mobilização estudantil. Sonhava-se reeditar o movimento contra a Guerra do Vietnã. Não por acaso, invadiu-se o Hamilton Hall, palco de uma célebre ocupação em 1968. Há 56 anos, o movimento dos estudantes gerou passeatas imensas e uma crise política nacional. Os acampamentos atuais, pelo contrário, reuniram apenas minorias significativas. A nódoa do antissemitismo afastou a maioria dos estudantes, mesmo diante da criminosa punição infligida por Israel aos civis de Gaza.

A tese "decolonial", como o marxismo, oferece uma explicação unívoca sobre as injustiças sociais. Intelectuais adoram o poder de reduzir tudo a uma equação totalizante bastante simples –e os jovens, mais ainda. Contudo, o vício no marxismo tinha uma porta de saída que inexiste no ópio "decolonial".

O que fazer quando fica claro que a promessa brilhante do socialismo conduzia, inexoravelmente, à cinzenta realidade do totalitarismo? Havia uma saída consistente com o núcleo moral das ideias socialistas: o reformismo social-democrata. Mas para onde podem ir os jovens ativistas "decoloniais" ao descobrirem a impossibilidade de reverter a seta do tempo e cancelar o mundo nascido da expansão europeia? Resta-lhes, somente, angústia, desespero e cinismo.

 

7 comentários:

  1. Graaande Demétrio Magnoli !

    Parabéns ao blogueiro por divulgar suas colunas !

    👏🏿👏🏿👏🏿

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  2. O colunista tropeça de novo na sua pretensão e arrogância! O marxismo NÃO foi substituído pelo "decolonialismo"! E nem a frase do cartaz citada pelo colunista entre aspas SINTETIZA esta última "doutrina".
    O colunista escreve sobre o que NÃO CONHECE ou CONSCIENTEMENTE DISTORCE as teorias que pouco entendeu!
    Com UMA MENTIRA POR PARÁGRAFO, alicerçado em mentiras ou distorções como em geral faz, o incompetente colunista começa mais um textINHO que lhe garante mais uns trocados... Mas sempre tem leitor que se ilude com o suposto "conhecimento" do colunista...

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    1. Calma, fio. Primeiramente, aprenda a escrever para criticá-lo.

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  3. Daniel é contra? Golaço de Demétrio Magnoli. Daniel é o VAR invertido petralha! Criticou, é gol legal. Daniel é imbecil arrematado.

    O artigo é perfeito.

    MAM

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  4. Demétrio demetriando sua amargura sem fim.

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  5. Ademar ademarizando: "..Verdade..", "muito difícil..", "..sei não.."..realmente, é um debate de idéias profundas, no oceano abissal da obscuridade....

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  6. Ademarizar e davidiar consolam a arrogancia e ajudam a esconder a propria obtusidade.

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