segunda-feira, 6 de maio de 2024

Irapuã Santana - O Brasil dos dois pesos

O Globo

Quando Bolsonaro cortava as verbas da saúde e educação, era um absurdo. No atual governo, tem ocorrido a mesma coisa

Estamos a cinco meses das eleições municipais, em que decidiremos sobre as políticas mais próximas de nós. Afinal, é nas cidades que a vida acontece. Por isso gostaria de renovar o debate sobre o país e a sociedade que queremos ser.

À medida que o tempo passa, fica mais evidente que as discussões dizem respeito a quem, e não a “o quê”. Os grandes temas que são unanimidade quanto à necessidade de mudar se submetem ao grupo que defende o que fazer. A população não tem acesso à educação e à saúde de qualidade. No entanto, a depender de quem está no poder, uma parcela se cala, enquanto a outra grita. Quando Bolsonaro bloqueava ou cortava as verbas dessas áreas, era um absurdo. No atual governo, tem ocorrido a mesma coisa, mas surgiram justificativas vindas justamente dos setores que reclamaram tanto no governo passado.

Ainda em campanha nas eleições de 2022, Lula afirmou que o orçamento secreto era a “fonte do maior esquema de corrupção da História do país”. Depois de assumir, em 2023, foram empenhados R$ 34,6 bilhões em emendas, segundo a Secretaria de Relações Institucionais. Em 2022, foram R$ 16,8 bilhões, o que equivale a uma alta de 106,14%. O mais interessante é que o partido mais beneficiado foi o PL.

Neste ano, já foram liberados R$ 14 bilhões, entre janeiro e abril. Em 2020 — também ano de eleições municipais —, Bolsonaro empenhou R$ 4,18 bilhões. O que mudou de lá para cá?

Na semana passada, o presidente Lula, em ato do dia 1º de Maio, disse o seguinte:

— Eu vou fazer um apelo. Cada pessoa que votou no Lula [...] tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo.

Houve quem defendesse que não era propaganda antecipada. Porém o artigo 3A da Resolução 23.610 do TSE classifica como tal “aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto”. Como disciplinado no artigo 73 da Lei das Eleições, a transmissão desse pedido via canal oficial da Presidência pode ser considerada conduta vedada.

Mesmo sem pedido explícito de votos, em 2022 o TSE determinou o pagamento de multa a Bolsonaro por propaganda antecipada em razão da realização de motociata em abril daquele mesmo ano, entendendo que “analisando o conjunto das circunstâncias em que foi organizado o evento”, existiu ali “um verdadeiro ato de campanha”.

E, assim, surge novamente a pergunta sobre a diferença entre as situações. Por que adotamos dois pesos e duas medidas quando mudam os atores?

Aqui eu trago o exemplo do motorista do carro de luxo. Será que as instituições que adotam posturas distintas quando o rico ou o pobre comete crime são tão distantes assim de nós? Será que realmente queremos que a lei tenha a mesma aplicação para todo mundo?

No final das contas, somos pessoas numa sociedade que não consegue reconhecer o básico: situações similares precisam produzir efeitos parecidos. Esses poucos exemplos mostram que, antes de apontar o dedo para fora, precisamos mudar por dentro. Do contrário, seguiremos patinando eternamente.

 

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