Correio Braziliense
A tendência de fazer compras online ganhou
força na pandemia e se integrou à vida dos brasileiros de forma definitiva
Era mais um jabuti daqueles que aparecem de
última hora: a cobrança do imposto de importação sobre produtos de até US$ 50
comprados pela internet, o equivalente a R$ 257 no câmbio atual. Foi incluído
no projeto que institui o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que
estava para ser votado nesta quinta-feira (22) pela Câmara dos Deputados. No
jargão parlamentar, jabuti é uma proposta estranha aos propósitos originais do
legislador, que aparece sem que se saiba direito quem está por trás, mas sempre
é alguém ou algum lobby muito poderoso.
De olho na reação dos consumidores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçou vetar a taxação federal de remessas de até US$ 50, vindas do exterior. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para aprovar o projeto, havia convocado uma sessão nesta quinta-feira, o que só acontece quando os assuntos são muito importantes. Diante da reação, adiou a decisão. Na quarta-feira, o assunto já havia sido objeto de bate-boca entre o ministro da Fazenda, Fernado Haddad, e o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
Atualmente, as compras do exterior abaixo de
US$ 50 são taxadas somente pelo Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) estadual, com alíquota de 17%. O imposto de importação federal,
de 60%, por sua vez, incide somente para remessas provenientes do exterior
acima de US$ 50. A isenção federal do imposto para encomendas de baixo valor
tem sido criticada pelo empresariado, que diz haver uma penalização da produção
nacional, cuja tributação é muito mais alta. A proposta já havia sido aventada
pelo governo federal, que recuou diante da forte reação contrária dos
consumidores nas redes sociais.
No folclore da política brasileira, o jabuti
virou figurinha carimbada por causa de uma frase do senador Vitorino Freire, um
político pessedista de origem pernambucana que fez carreira no Maranhão e,
durante o regime militar, foi senador pela antiga Arena: “Se você encontrar um
jabuti em cima de uma árvore, antes de tirá-lo, pergunte quem o colocou lá”,
dizia, ao se referir a desconhecidos que assumem altos cargos no governo.
Como jabuti não sobe em árvore, a expressão
também passou a ser usada quando uma proposta estranha é embarcada num projeto
de lei, que geralmente trata de outro assunto, sem que se saiba direito quem é
o padrinho. Essa prática é responsável por muita insegurança jurídica, encarece
os custos da administração tributária das empresas e gera milhares de processos
na Justiça, porque não corresponde à boa técnica legislativa. É fruto da
esperteza política e do poder dos lobbies nos bastidores do Congresso.
Bugigangas
Lula ameaçou vetar, mas não fechou a porta
para uma negociação: “A tendência é vetar, mas a tendência também pode ser
negociar”, disse, em conversa com jornalistas no Palácio do Planalto. O
presidente da República disse estar disponível para discutir o tema com Arthur
Lira. “Cada um tem uma visão a respeito do assunto. Quem é que compra essas
coisas? São mulheres a maioria, jovens, e tem muitas bugigangas. Eu nem sei se
essas bugigangas competem com as coisas brasileiras, nem sei”, acrescentou.
Ao incluir a taxação no projeto do Programa
Mover, o relator do texto, deputado Átila Lira (PP-PI), manifestou
“preocupação” com a indústria nacional e desequilíbrio na concorrência com os
produtos fabricados no Brasil. A isenção também é questionada por entidades
ligadas ao varejo. A lista das empresas que já aderiram ao Remessa Conforme
inclui as gigantes Amazon, Shein e Shoppe.
O governo defende equilíbrio de tratamento na
cobrança de impostos. “Você tem as pessoas que viajam que tem isenção de US$
500 no Free Shop, que tem mais isenção de US$ 1 mil, e que não paga [imposto],
que são gente de classe média. E como é que você vai proibir as pessoas pobres,
meninas e moças que querem comprar uma bugiganga, um negócio de cabelo”, disse
Lula.
A tendência de fazer compras on line ganhou
força durante a pandemia e se tornou parte integrante da vida dos brasileiros
de forma definitiva. De acordo com a pesquisa “E-commerce Trends 2024”,
realizada pela Octadesk em parceria com o Opinion Box, 62% dos consumidores
fazem de duas a cinco compras online por mês, enquanto 85% dos brasileiros
fazem pelo menos uma compra por mês na internet. Uma das propostas é limitar o
número anual de compras de cada consumidor.
O faturamento do e-commerce no Brasil em 2023
foi de R$ 185,7 bilhões, segundo dados da Abcomm (Associação Brasileira de
Comércio Eletrônico), com Ticket Médio de R$ 470,00 (um crescimento de 2% em
relação ao ano anterior), 395 milhões de pedidos e 87,8 milhões de consumidores
virtuais.
Segundo a NuvemShop, pequenos e médios
e-commerces movimentaram cerca de R$ 703 milhões no primeiro trimestre de 2023,
um crescimento de 23% em relação ao mesmo período de 2022. Para 58% dos
consumidores, a compra online ajuda a conseguir preços mais baixos em
comparação às lojas físicas; 57% citam a praticidade de comprar sem sair de
casa; e 56% aproveitam as promoções.
Nunca fiz esse tipo de compra.
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