O Globo
Ministro da Fazenda se queixou de
desconfiança com política econômica, mas divisões internas mostram que há
razões para isso
O ministro Fernando Haddad se queixou dos
“fantasminhas” que, segundo ele, distorcem a realidade para criar um ambiente
de desconfiança em relação à política econômica, especialmente a fiscal, quando
os indicadores todos mostram as coisas sob controle. Sim, os números de 2023
foram ótimos, Haddad passou no primeiro teste daqueles que torciam o nariz para
ele, mas as nuvens carregadas no céu de 2024 não se devem a fantasminhas, mas a
problemas bem concretos, e o ministro sabe bem disso.
Desde o início do governo, Haddad avança algumas casas, segura o passo um pouco, recua uma ou duas e assim vai seguindo conforme as resistências que encontra, algumas externas, mas, no mais das vezes, internas. Basta tomar como exemplo o caso das “bugigangas” chinesas, como chamou o chefe do ministro, o presidente Lula. Se dependesse de Haddad e do modelo de justiça tributária que ele desenhou, a taxação das compras em sites internacionais já teria começado há tempos. Foi a resistência política, cujo símbolo maior foi a contraposição pública da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, que mudou o curso das coisas.
Agora, o que se tem é um governo abertamente
dividido a respeito da justiça de taxar as “blusinhas” de sites como Shein e
Shopee. “Todo mundo compra”, disse Lula, ao defender a não taxação. É verdade.
Mas todo mundo compra justamente porque esses produtos ingressam no Brasil
usando uma brecha na legislação tributária, de forma indevida, e em flagrante
vantagem em relação aos concorrentes nacionais. E aqui falamos tanto da
indústria têxtil e calçadista quanto das redes de varejo que operam o comércio
on-line.
Sob o ponto de vista desse grande público
consumidor que se vicia em “bugigangas”, a taxação seria um deus nos acuda,
capaz de, uma vez explorada pela oposição bolsonarista, fazer sangrar ainda
mais a popularidade de Lula. É esse o discurso usado pela primeira-dama e pela
ala do governo contrária à tributação para fazer a cabeça dele.
Do outro lado, da indústria e do comércio
locais, estão Haddad, o vice-presidente Geraldo Alckmin, Arthur Lira e
apoiadores como Maria Luiza Trajano, da Magalu, e Josué Gomes, da Coteminas. Um
time heterogêneo, para dizer o mínimo. Lira se convenceu da bandeira, impopular
de um lado, mas que conta com lobby poderoso de outro.
A arrecadação com essa taxação poderia ajudar
Haddad a perfazer a arrecadação de que ele precisa para cumprir uma meta fiscal
cada dia mais difícil de atingir. A desconfiança em relação a essa capacidade
nada tem a ver com um movimento “patrocinado”, como o ministro reclamou na
audiência na Câmara em que teve outros momentos bem mais felizes, como os
esculachos merecidos que deu nos bolsonaristas que foram lá só para lacrar.
Essa desconfiança com a capacidade do governo
de ajustar as contas públicas decorre de vários fatores, mas ficou maior depois
que a própria Fazenda anunciou a revisão dos parâmetros fixados por ela própria
num arcabouço fiscal que não chegou nem a completar o primeiro ano sem ser
alterado.
As dúvidas manifestadas pelo Banco Central em
relação ao ajuste fiscal e à capacidade do país de cumprir a meta de inflação
do ano que vem, acrescidas do ruído causado pelas declarações do ministro,
lidas como sinal de que o governo pensa em rever essa meta, ajudam a completar
o cenário diferente do ano passado, quando Haddad conseguiu navegar as disputas
internas com o PT e sair vitorioso, graças a uma aliança estratégica com o
Congresso.
Agora, essa aliança também se esgarçou, como
comprova a divisão em quase todas as matérias importantes da pauta econômica,
das desonerações de folhas à taxação de bugigangas. Em vez de caçar fantasmas
imaginários, o ministro recobrará a confiança dos agentes econômicos se, de
novo, conseguir vencer esses obstáculos bastante reais.
Haddad é o cara.
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