O Globo
Já faz um tempo que virou moda usar a emergência
climática para fazer marketing. Empresas gastam fortunas com
relatórios e consultorias que atestem sua responsabilidade ambiental e social,
colocando o aposto “verde” em seus produtos sempre que podem — e também quando
não podem.
Declarar engajamento na preservação do meio
ambiente é obrigatório para quase todos os políticos, inclusive os que
trabalham pela destruição. As conferências mundiais sobre o tema se tornaram
grandes eventos midiáticos para os quais se enviam caravanas.
Só o Brasil mandou
no ano passado a Dubai, para a Conferência do Clima da ONU,
69 deputados, 16 senadores e 12 governadores, que participaram de seminários e
painéis de alto nível sobre como salvar a Terra do aquecimento. Tudo
fotografado, documentado e disseminado nas redes sociais, como atestado de
virtude.
Não que esse tipo de reunião não seja importante. Encontrar soluções para tentar conter os danos das tragédias climáticas e ambientais é urgente e só acontecerá com a troca de experiências e a adoção de uma nova concertação global.
A cada desastre, porém, esse teatro fica
ainda mais desmoralizado. Países assinam compromissos com metas sabendo que
dificilmente as cumprirão. Candidatos a presidente prometem iniciativas para
conter a mudança que muito provavelmente não implementarão. E a primeira verba
que governadores e prefeitos sacrificam quando precisam fazer cortes é a de
prevenção a desastres ambientais.
Por isso faz todo o sentido chamar os
políticos à
responsabilidade diante de uma catástrofe como a do Rio Grande do
Sul. Só não faz sentido acreditar que a cobrança e os ataques sejam
suficientes para fazê-los mudar de atitude.
Já aconteceu depois dos temporais que
varreram a Região Serrana do Rio de Janeiro em
2011, deixando 918 mortos. Dois anos depois, quando as chuvas mataram mais de
40 pessoas em Minas
Gerais e no Espírito Santo.
Em 2015 e 2019, após o estouro das barragens de Mariana (MG) e Brumadinho (MG),
que deixou ao todo 289 vítimas fatais.
Ou em fevereiro de 2023, quando
as chuvas devastaram São Sebastião, no Litoral Norte paulista, vitimando 65
pessoas. E assim chegamos ao Rio Grande do Sul, onde já pereceram mais de cem
pessoas e onde vem se revelando o mesmo enredo de relaxamento de leis
ambientais e fiscalização, falhas de manutenção e falta de investimento na
prevenção.20 fotos
Há outra razão por que a pressão sobre as
autoridades, por maior que seja, corre sério risco de ser inócua: o flagrante
despreparo para catástrofes de magnitude cada vez maior.
Se a prevenção já não funciona quando se
conhecem as soluções — como planos de contenção de encostas, esquemas de alerta
e remoção da população de áreas de risco —, pior fica quando se está diante de
fenômenos de escala inédita e efeitos inesperados.
Esse é um dos fatores que parecem agravar a
situação no Sul e que tem sido cada vez mais preponderante nas tragédias
registradas ao redor do mundo.
Desde que as águas tomaram Porto Alegre,
ficou claro que o esquema de contenção de enchentes montado em torno da cidade
estava obsoleto, tinha falhas de manutenção, e isso exacerbou os efeitos da
calamidade. Mas, se operasse de forma impecável, teria resistido a enchente tão
avassaladora?
Parte das 23 bombas instaladas para lançar a
água da chuva para fora do perímetro da cidade não funcionou porque estava
sobrecarregada. Se elas fossem maiores ou mais potentes, adiantaria bombear
água de volta ao aguaceiro?
Em 2022, quando as chuvas inundaram dois
terços do território do Paquistão e
mataram mais de 1,7 mil pessoas, o sistema de drenagem não fez muita diferença
porque não havia para onde drenar a água, tamanha a escala da inundação.
O fato de não existirem instrumentos para
impedir catástrofes de dimensão tão gigantesca introduziu um complicador a mais
numa crise que já era grave. As chuvas do Rio Grande do Sul sucederam uma
estiagem severa e mais de dez ciclones extratropicais apenas em 2023.
Certamente haverá muito debate sobre o caso
do Sul nos próximos anos, assim como uma necessária revisão dos planos de
prevenção, de resgate e de acolhimento às vítimas.
O que mais preocupa, porém, é constatar que o tamanho das calamidades tem crescido na mesma medida do oba-oba em torno da questão climática, sem que haja solução viável para os desafios que a nova realidade nos impõe. O que evidentemente não isenta os governantes de responsabilidade. Pelo contrário, só expõe a dimensão do nosso despreparo.
Perfeito.
ResponderExcluir" Principal órgão do governo Lula para clima teve apenas uma reunião "
( UOL )
🤔
Excelente!
ResponderExcluirMuito bom o artigo.
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