O Globo
Quem nega a ciência contrata a morte.
Congresso faz sua marcha da destruição, enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta
um drama
A economia do Rio Grande do Sul deverá sentir os efeitos dessa inundação por muito tempo, mesmo depois de superado o pior da tragédia. É uma economia que enfrentou crises climáticas em três dos últimos cinco anos. Pelo fato de ter acontecido em maio, a perda imediata será menor porque atinge os 20% da safra não colhida, mas a perda de capital é mais difícil de superar. Para a economia do país é uma nova complicação, num quadro já complexo. O Banco Central ontem reduziu o ritmo do corte dos juros, em parte pelo aumento das pressões por mais gasto público, mas deu a impressão de estar dividido politicamente.
As perdas humanas são irreparáveis e a dor
dos gaúchos comove o país. As cenas estarrecedoras do quase naufrágio de um
estado inteiro, e os relatos das pessoas sem água potável no meio de uma
inundação lembram todos os cenários dramáticos que os cientistas vêm
descrevendo há anos. O pior é saber que no Congresso brasileiro aumentou o
ritmo da marcha pela destruição ambiental dos biomas brasileiros. O
Observatório do Clima fez uma lista de 21 projetos lesivos ao meio ambiente que
avançam no Congresso.
Um deles tem o potencial de desmatamento 30
vezes maior do que o que ocorreu no ano passado. Outro, se aprovado,
significará o desmatamento de 32% do Pampa. E é de autoria de um deputado do
Rio Grande do Sul, Lucas Redecker.
— Se durante o governo Bolsonaro havia quatro
ou cinco projetos em situação de aprovação iminente, agora isso saltou para 20.
O que significa isso? A agenda que era de Bolsonaro atravessou a rua e agora
está no Congresso — diz Marcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima.
Ontem, não
foi votado na CCJ do Senado o relatório do senador Marcio Bittar favorável
ao projeto do senador Jaime Bagattoli que permite a redução da reserva legal na
Amazônia nos municípios onde houver 50% do território de áreas protegidas.
Bittar está de licença médica. Só por isso esse projeto não avançou. Mas ele é
demolidor, segundo nota técnica do MMA. Bittar já havia apresentado em 2019,
junto com o senador Flávio Bolsonaro, um projeto (que não prosperou) ainda mais
radical: simplesmente acabava com a reserva legal.
Quem nega a ciência contrata a morte. Os
defensores desses projetos de ataque aos biomas são negacionistas. Eles estão
decidindo, por nós, que o país deve correr o risco do desequilíbrio ambiental,
como o que faz com que o Rio Grande do Sul viva esses dias terríveis. O estado
começou o ano passado na seca, terminou inundado, e agora enfrenta a segunda
grande enchente em poucos meses. Os negacionistas decidem também que o país
pode continuar destruindo a Amazônia, mesmo com a grande seca vivida pelos rios
da região. O país inteiro tem sinais evidentes de distúrbio no clima, mas a
marcha da destruição continua.
No curtíssimo prazo é preciso socorrer os
gaúchos com todo o tipo de ajuda, da voluntária à governamental. É uma
emergência social e climática. No médio prazo terá que haver um plano para a
economia gaúcha, mas não será fácil. O estado tem sido castigado
sucessivamente.
— O estrago vai deixar uma marca importante.
O que eu acho preocupante é o efeito de longo prazo. A economia gaúcha é
madura, com um setor agropecuário de relevância, mas que tem enfrentado uma
sequência longa de desastres. Há claramente uma destruição do equipamento
físico muito relevante, uma perda de capital recorrente muito difícil de ser
recomposta. Principalmente em uma área onde há tanta propriedade menor, e
empreendimentos familiares — avalia o economista José Roberto Mendonça de
Barros.
Na economia brasileira como um todo haverá
uma perda de PIB, mas não forte, e um aumento de pelo menos 0,1 ponto
percentual no IPCA com a queda da produção gaúcha. A ajuda ao Rio Grande do Sul
que deve ocorrer e ser célere, mas não pode ser vista como uma porta para mais
gastos em outras áreas ou outros estados.
A redução da queda dos juros foi um sinal
ruim por dois motivos. Os juros de 10,5% são muito altos e a diretoria ficou
dividida entre quem foi indicado por Bolsonaro, e quem foi escolhido pelo
presidente Lula. Mas isso é apenas um ruído imediato, que pode ser superado.
Resgatar os gaúchos dessa crise é problema mais grave, e que fica mais difícil
diante de um Congresso insensível a todos os sinais do clima e incapaz de ouvir
a ciência.
Jesus,Maria e José!
ResponderExcluirMuito bom!
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