O Globo
Presidente da República parece decidido a repetir estratégia de usar a estatal para irrigar a economia a tempo de chegar em 2026 com mais chances de se reeleger
Ao deixar a Petrobras, Jean Paul
Prates contou aos colegas de diretoria que Luiz Inácio Lula da
Silva foi lacônico ao demiti-lo
do cargo na última terça-feira, em encontro rápido no Palácio do Planalto.
Pelo relato dele, o presidente alegou duas razões principais para tirá-lo do
posto.
A primeira: os dois não estavam “alinhados”
em relação aos rumos da empresa. A segunda: Lula não perdoou o fato de Prates
não obedecer sua ordem para votar pela retenção dos dividendos extraordinários
que seriam distribuídos aos acionistas, entre os quais a própria União. Uma
afronta, falou o presidente na conversa. Uma deslealdade, disse Lula aos
aliados.
Nem é preciso ser bom entendedor para traduzir o gesto. Prates nem de longe era rebelde às ordens do presidente. Mas Lula está ansioso para voltar rapidamente ao tempo em que mandava na companhia sem grandes obstáculos, para que ela volte a despejar bilhões em megaprojetos como a refinaria Abreu e Lima ou o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
Ou na construção de estaleiros, que na última
encarnação petista eram financiados pela Sete Brasil. O presidente tem saudades
de quando se apresentava de macacão laranja e mãos sujas de óleo para aplauso
de um mundo que via no Brasil uma estrela global em ascensão.
Naquela época, a Petrobras chegou a responder
por 34% do investimento do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, e a
economia brasileira chegou a crescer 7,5% em um ano.
A nova CEO da Petrobras, Magda Chambriard,
prometeu trazer de volta esse passado. Nas conversas com os ministros de Minas
e Energia e da Casa
Civil, maiores adversários de Prates no governo, ela também sinalizou que
abraçaria seus projetos favoritos — como os gasodutos que fazem brilhar os
olhos de Alexandre
Silveira ou a
fábrica de fertilizantes da falida Unigel, de um empresário amigo de Rui Costa.
Petrobras 70 anos: o que pensam
ex-presidentes para o futuro da estatal6
fotos
Abriu espaço, também, para que indicassem
pessoas de sua confiança para a diretoria e cargos-chave na empresa. E, antes
de ser confirmada, recebeu o aval de Dilma
Rousseff e do ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli,
consultados pelo próprio Lula.
Portanto, por mais que seja reconhecida como
técnica experiente, foi pela política que Magda conquistou o posto. E, se por
um lado o passado que ela se comprometeu a reviver evoca boas lembranças em
Lula e em seus ministros, aos contribuintes e acionistas da Petrobras ele
reaviva a memória de um rastro de prejuízos irreparáveis.
Os números são do Tribunal de Contas da União
(TCU):
só Abreu e Lima torrou US$ 19 bilhões. O Comperj, mais US$ 8 bilhões. A Sete
Brasil, criada para financiar os estaleiros com conteúdo nacional, fez derreter
mais US$ 25 bilhões.
Somado, o rombo foi de US$ 56 bilhões, ou
quase R$ 300 bilhões que, de acordo com o TCU, nunca mais serão recuperados —
com exceção dos R$ 6,1 bilhões devolvidos por pessoas físicas e empresas que
confessaram ter desviado o dinheiro da Petrobras por meio de propina e
superfaturamento.
Tudo isso sem contar a desastrosa política de
uso do caixa da Petrobras para subsidiar os combustíveis, que custou mais US$
40 bilhões.
Superar o trauma deixado por tamanha
destruição de valor exigiu longo aperfeiçoamento institucional, com restrições
legais ao uso político das empresas de controle público e mudanças no estatuto
da Petrobras que travam investimentos sem um mínimo de viabilidade e retorno
financeiro.
O “sistema” vem trabalhando para desmontar
esse arcabouço desde o governo Jair
Bolsonaro, com as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, a
flexibilização da Lei das Estatais e o desrespeito às regras de governança da
Petrobras.
A escolha de Magda Chambriard sugere que Lula
está decidido a completar o trabalho e derrubar as barreiras erguidas desde o
petrolão, repetindo a estratégia de usar a Petrobras para irrigar a economia, a
tempo de chegar em 2026 com mais chances de se reeleger.
Acontece que o Brasil não é mais o mesmo.
Além da Lei das Estatais, estão aí a
autonomia do Banco Central, os entregadores de iFood, os motoristas de Uber, o
orçamento secreto, o conservadorismo evangélico, a extrema direita radical e
grandes catástrofes naturais como a do Rio Grande do
Sul.
Não há razões para acreditar que soluções que
já não funcionaram lá atrás, num cenário favorável, funcionarão agora, em
contexto bem mais desafiador, com uma sociedade tão mais complexa e desafios
tão diversos.
Torrar bilhões para fazer o Brasil de 2024 se
encaixar num roteiro dos anos 2000 gerará enormes prejuízos. Sem garantir final
feliz nem sucesso de público.
Excelente! A colunista está coberta de razão! Lula está levando a vaca pro brejo...
ResponderExcluirSerá?
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