Observatório da Imprensa
Mundo afora, jornais e revistas deram
bastante atenção ao atrito entre o Facebook e o governo australiano por volta
de fevereiro de 2021. O conflito tende a se repetir agora, neste maio de 2024.
Como sempre, ao tentar entender o presente é
bom dar uma olhada no passado. Em 1631 o francês Théophraste Renaudot criou a
primeira publicação periódica impressa, o La Gazette. Seu objetivo inicial
foi a publicação de anúncios. La Gazette existiu até 1917.
Assim sendo, a venda de espaço para a publicidade – que ali acabara de nascer – foi a alavanca que levantou todas as publicações periódicas desde então. Algumas delas se tornaram verdadeiras entidades corporativas que – sob o pretexto de divulgar fatos, apenas – passaram a manipular a opinião pública, até mesmo colocar ou retirar governantes.
Todas essas corporações, mesmo as muito
ricas, contavam sempre com a receita publicitária para o pagamento de um número
cada vez maior de jornalistas, maquinário, impressores, distribuidores etc.
Esse quadro mudou drasticamente com a adoção
planetária da social media, que há cerca de duas décadas tomou a forma
pela qual hoje a conhecemos. Facebook, originalmente uma brincadeira entre um
grupo de universitários, tornou-se o maior trust de dados pessoais de
seres humanos, após ter adquirido o Instagram e o WhatsApp.
Ainda em seus primeiros anos, aquela ideia
utópica de que estávamos diante de uma “plataforma de comunicação democrática e
livre” foi encarada de outra forma aqui na Austrália. Essas plataformas – que
então começavam a arrebanhar uma quantidade cada vez maior de empresas que
antes anunciavam na imprensa – passaram desde 2012 a ser
tratadas como “veículos publicitários” pelo Advertising Standards Board.
Ficaram portanto sujeitas aos termos do código nacional de proteção ao
consumidor.
Ainda sob o escudo de “plataforma
democrática” – mas vendendo seus espaços –, desde 2005 a social media levou
ao fechamento de 2.900 periódicos nos Estados Unidos. E até meados de 2021, em
apenas 18 meses, acabou com 150 jornais na Austrália.
Chego então a dois pontos que me intrigam: os
impostos e o custo das notícias. Segundo a TV australiana ABC, Google e
Facebook faturam alguns bilhões por ano neste país. E pagam, juntos, quantias
irrisórias em impostos – no caso do Google foram só 4,8% no ano passado. Ora,
todos os meios de comunicação sediados aqui pagam a quem apura e redige as
notícias – e pagam também todos os impostos que a atividade atrai. No entanto,
Facebook e Google andavam fazendo todas as notícias chegarem “gratuitamente”
aos nossos celulares…
O parlamento australiano, depois de muito
debate, votou em 2021 uma lei que obriga as plataformas a pagar aos jornais e
TVs daqui pelas notícias que elas venham a repassar. Depois de algumas
ameaças – mesmo a de se retirar da Austrália –, Google fez acordos naquele ano
com várias publicações. Mas o Facebook tomou à época uma atitude a meu ver
infantil. Simplesmente retirou do ar, sem nenhum aviso prévio, não só o acesso
às notícias, mas também um número enorme de portais, como os de bombeiros rurais,
o do serviço de meteorologia, de entidades de aborígenes no interior, de
departamentos estaduais de saúde etc. Isso durou uns dois dias.
Essa atitude de “pirraça” infantil
caracteriza uma postura despótica e prepotente desse tipo de plataforma. Ou ela
quer dar a entender que notícias são mero produto do trabalho escravo de
jornalistas. Como não chamar a isso uma forma de roubo?
Recentemente, a Meta anunciou que não vai
renovar seus acordos financeiros com as empresas de mídia australianas – no
valor de 70 milhões de dólares anuais. Google, como visto acima, quase
não pagou imposto. Movidos por estes fatos, a ministra da comunicação Michelle
Rowland e o tesoureiro assistente Stephen Jones anunciaram no final da semana
passada a criação de um comitê parlamentar especial para lidar não só com
questões econômicas como também quanto “à influência e o impacto das redes
sociais na sociedade australiana”. A proposta está pautada para a primeira
reunião parlamentar desta semana. Aguardemos.
***
Marcus Cremonese é graduado em jornalismo pela FACHA, Rio de Janeiro. Teve matérias publicadas no Jornal do Brasil e no O Tempo, de Belo Horizonte. Mudando-se para a Austrália, publicou no Journal of Audiovisual Media in Medicine (JAMM), de Londres. Produz ilustrações científicas para livros e revistas médicas.
Vai Marcus Cremonese, a porta se abriu.
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