quinta-feira, 16 de maio de 2024

Maria Cristina Fernandes - Lula acelera o trator até esvaziar o tanque

Valor Econômico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já estava devidamente instalado no trator quando o governador gaúcho escorregou na lama. Ao dizer que o excesso de doações impacta o comércio do Rio Grande do Sul, e se desculpar em seguida, Eduardo Leite mostrou o quão perdido está na catástrofe que se abate sobre seu Estado, redobrando a responsabilidade do Planalto.

Acelerado, o trator presidencial rompe as divisas gaúchas e expõe Lula a riscos precoces. Do Rio Grande do Sul à Petrobras. É verdade que a tragédia gaúcha permitiu ao Executivo retomar um governo que andou terceirizado para o STF. A investida contra as notícias falsas, por exemplo, poderia ter sido agregada ao inquérito do fim do mundo, mas achou-se por bem incumbir o discreto ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, que toca os processos na primeira instância da Justiça Federal em vários Estados, e deixar o ministro Alexandre de Moraes recuado.

Ao nomear Paulo Pimenta para a Pasta da reconstrução do Rio Grande do Sul, Lula optou por um ministro que conhece seu Estado e já não estava funcionando na comunicação, mas arrumou um problema.

Não que a solução para o Rio Grande do Sul seja “técnica”. Assim como as razões que levaram ao desastre passaram por escolhas políticas, da ocupação do solo à alocação orçamentária, aquelas que presidirão a recuperação do Estado também o serão.

O problema é que será difícil separar a dedicação de Pimenta ao cargo de sua pretensão ao Palácio do Piratini, levando o governo a concorrer na politização da tragédia, raia em que a extrema-direita vinha nadando de braçada.

Há planos robustos para o Estado. A equação financeira que Fazenda e Congresso estão a viabilizar é consistente, mas nenhum dinheiro será suficiente para tamanha tragédia, o que pressionará por mais gastos. Sua frustração, num Estado em que Jair Bolsonaro ganhou folgado em 2022, o PT tem apenas 4,6% das prefeituras e 22,5% da bancada federal, é combustível para a extrema-direita.

Nada parece mais equivocado do que ver nesta tragédia a Covid de Lula. E não apenas pela escala incomparável de mortes. A pandemia levou à redução generalizada de juros e a rios de dinheiro despejados na economia mundial. O movimento lastreou a gastança bolsonarista que levou o déficit público a 9% do PIB em 2020 e deixou Bolsonaro a um triz da reeleição. Por mais solidariedade mundial que enseje, a tragédia é gaúcha e o gasto, nacional. Se o governo extrapolar, não apenas não beneficiará o conjunto da população brasileira, como ainda corre o risco de prejudicá-la com inflação.

A tragédia gaúcha não é a única fonte de pressão fiscal. Antes disso, a corda entre o presidente e o ministro da Fazenda já estava tracionada, vide a declaração de Lula - “mesmo se você [Haddad] não der certo, meu governo dará” e o recuo do ministro do endosso ao cardápio de corte de gastos do economista Bráulio Borges.

Pesa sobre Haddad a mesma pressão que levou à queda do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, a de que a pauta do mercado supera a do governo. Sobre ambos também pesa o azedume do PT e do titular da Casa Civil, Rui Costa. Ministros que participaram da reunião de segunda foram testemunhas do aval de Lula a Costa, alvo generalizado da Esplanada.

Lula estica a corda com Haddad porque, embora saiba que, sem o ministro, o aval do PIB a seu governo arrisca desabar antes do tempo, tem ainda mais certeza de que Haddad só existe politicamente ao seu lado.

A corda de Prates se rompeu porque Lula tinha alternativas. A expectativa do Planalto é que Magda Chambriard seja mais receptiva à expectativa de que a Petrobras desove investimentos vedados ao fôlego fiscal da União e à retranca da iniciativa privada. Há limites, porém.

O veto da empresa aos planos do Ministério das Minas e Energia em alavancar o setor de gás por meio da estatal demonstra que a governança erguida depois da Lava-jato oferecerá alguma resistência à reprise da lambança passada.

O presidente mantém-se acossado pelo encanto crescente despertado pelos governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Ronaldo Caiado (GO). Setores centristas que optaram por seu nome em 2022 contra o bolsonarismo já têm alternativas. Lula parece ter visto na profusão de oportunidades das últimas semanas combustível para encher o tanque do trator com o qual pretende enfrentá-los.

Em ano de eleição municipal, presidentes sempre se fortalecem. Como os parlamentares precisam liberar recursos para suas bases eleitorais, ficam mais abertos a acordos com o governo, vide o trato com o PL do senador Flávio Bolsonaro para adiar a votação do veto da “saidinha”.

Tudo isso pode fazer com que Lula ganhe tempo até a reforma ministerial. Parece possível que consiga adiá-la para novembro, com o apurado das urnas das eleições municipais. O problema é que o prognóstico para o PT é azedo. Depois que inventaram as emendas “pix”, o governismo deixou de ser vantajoso em eleição, diz um PhD no tema.

Até lá, Lula pretende, a partir da reconstrução gaúcha, mostrar que o governo tomou o rumo da empatia, da humanidade e da sustentabilidade e, a partir da Petrobras, que o investimento público é novamente alavanca de crescimento.

Só não dá para ignorar os sinais de alerta que podem aparecer ao longo do caminho - um partido enfraquecido pelas urnas, um investidor assustado e um trator de tanque vazio.

2 comentários:

  1. A colunista foi totalmente INJUSTA com o governador do RS, ao afirmar que "Eduardo Leite mostrou o quão perdido está na catástrofe que se abate sobre seu estado". Não gosto de Leite, e dificilmente votaria nele. Mas ele está fazendo muito esforço nesta catástrofe, e realmente comanda com dedicação e até eficiência as ações para minorar os problemas, que em parte ele mesmo e seu governo causou ou acentuou.
    Concluir que Leite está "perdido" por ter dado uma declaração infeliz, em meio a dezenas de entrevistas diárias e reuniões de todos os tipos, nas piores condições possíveis, é uma tremenda MENTIRA da colunista, que certamente pouco acompanha as ações do governo do RS. E o governador já teve a grandeza de rapidamente reconhecer seu erro e pedir publicamente desculpas.
    Há muitos motivos pra criticar Leite, mas a conclusão da colunista é totalmente descabida e INJUSTA! Se o restante da coluna não estivesse tão bem ponderada, eu poderia pensar que quem estaria "perdida" seria a colunista, mas tb ela tem direito a algum escorregão nas suas ideias. Mas, diferentemente de Leite, duvido que ela peça desculpas pela BOBAGEM que escreveu.

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  2. O governador do Rio Grande do Sul estar preocupado com o comércio local não tem nada de errado.

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