quinta-feira, 30 de maio de 2024

Míriam Leitão - Coronelismo, emenda e voto

O Globo

O cientista político Carlos Melo diz que parlamentares se comportam como 'vereadores federais' e que, através das emendas, distorcem a relação legislativa

O Brasil está dominado pelo “coronelismo, emenda e voto” e por parlamentares que se comportam como “vereadores federais”. É o que pensa o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, sobre a crise política brasileira. Há uma hipertrofia do Legislativo e a atrofia do Executivo, que foi eleito para executar o Orçamento e já não consegue pelo crescimento das emendas parlamentares. O outro lado ruim do fenômeno é terem desaparecido os congressistas que pensavam as grandes questões nacionais, como havia no passado.

— A lógica hoje no Congresso Nacional é basicamente de interesses dos parlamentares em relação aos municípios. Outro dia, num ato falho, o presidente da Câmara falou “nos meus municípios”. É o velho patrimonialismo. Há deputados que carregam recursos em emendas para os seus municípios, seus currais eleitorais, fazem prefeitos, fazem vereadores e, portanto, garantem a base política, os cabos eleitorais, que vão reelegê-los — disse Melo, em entrevista que me concedeu na GloboNews.

Ele acha que o processo não passa mais pelos governadores e muito menos pelas políticas públicas. Um deputado pode mandar emenda para um município construir uma escola e, nessa altura das mudanças demográficas, ser mais necessário, naquele mesmo município, um hospital. Esse tipo de distorção é criada o tempo todo quando se dá tanto poder de execução orçamentária aos parlamentares.

— A lógica municipal está ligada a atender aos interesses fisiológicos e mais imediatos do município para levar votos para os parlamentares de Brasília. Os partidos que fazem isso acabam constituindo uma grande bancada e ter uma grande bancada dá muito poder no presidencialismo de coalizão para pressionar o presidente da República.

E o que agrava este caso é que as emendas passaram a ser impositivas e aumentaram de valor.

— Antes, o executivo negociava, segurava as emendas, ele fazia um jogo de "toma lá, dá cá" mais efetivo de sua parte. Depois da matéria votada, ele liberava. Agora, mudou. Hoje tem uma lógica do "coronelismo, emenda e voto". Esse parlamentar com tantos recursos, o prefeito fica dependente dele, o governo fica dependente dele. O prefeito depende da emenda, o governo do voto. É o novo coronel. E aí temos um problema que é o grande debate nacional. Onde ficam as grandes questões da política e da economia?

O cientista político acha que, na eleição deste ano, apesar de o pleito municipal ter sempre questões locais, a polarização permanecerá como uma sombra na disputa.

— Principalmente nas grandes cidades, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, pela movimentação que já se vê hoje. Pega o caso de São Paulo, um candidato como Guilherme Boulos com apoio de Lula e um candidato como Ricardo Nunes, correndo atrás do apoio de Bolsonaro. Isso os leva a outro patamar, com esperança de carregar ao menos 25% dos votos. Os pisos são elevados, mas os tetos são baixos porque há a rejeição.

Ele diz que Boulos agregou Marta Suplicy na chapa porque ela foi uma prefeita que criou marcas importantes lembradas até hoje, como os CEUs e o bilhete único. E Ricardo Nunes está fazendo a estratégia de adiar a escolha do vice, para ficar à espera de como estará Bolsonaro politicamente. Acha que a Tabata está fazendo certo, ao tentar furar esse bloqueio, e criticando principalmente o atual prefeito que é quem conduz a cidade.

Na terça-feira, o Congresso derrubou um veto de Lula sobre as saidinhas e manteve o veto de Bolsonaro a um artigo da Lei de Segurança Nacional que tipifica o crime de disseminação em massa de desinformação. Isso é sintoma das distorções que Carlos Melo está vendo na estrutura do poder no Brasil. Ele acha que, nas saidinhas, a maioria do Congresso se deixou levar pelo populismo, que contraria toda a opinião dos especialistas em segurança pública. Segundo ele, a boa notícia foi que Lula vetou mesmo sabendo que perderia.

— Na vitória de Bolsonaro nas fake news houve além de populismo, estupidez, e a força bruta que mora no caos das redes sociais, que tem substituído o que um dia chamamos de opinião pública. A sociedade civil organizada, como a conhecemos, morreu. Houve aí uma clara aliança do centrão com a extrema direita em nome daquilo que hipocritamente chamam de "liberdade de expressão". Vários desses parlamentares fazem política pelas redes.

 

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