quinta-feira, 30 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Economia ilegal afeta país de forma implacável

O Globo

Pirataria, contrabando, sonegação, desvio de água, luz, TV e internet drenam recursos de áreas essenciais

Práticas criminosas como pirataria, contrabando, sonegação fiscal, furto de serviços como água, luz, TV e internet têm custo alto para o país, apontou o evento “Caminhos do Brasil”, iniciativa dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN, com o patrocínio de entidades vinculadas ao setor comercial. Pelas contas do levantamento “Brasil ilegal em números”, produzido pelas maiores associações industriais brasileiras, o prejuízo chegou a R$ 454 bilhões em 2022, ou quase 5% do PIB. As perdas registradas por 16 setores econômicos somaram R$ 297 bilhões.

Os tributos que deixaram de ser arrecadados são estimados em R$ 136 bilhões. São recursos que poderiam ser destinados a setores prioritários como educação, saúde ou segurança. Só os furtos de água — equivalentes a 2,6 vezes o volume armazenado no sistema Cantareira, em São Paulo — representaram R$ 14 bilhões. Os de energia alcançaram R$ 6,3 bilhões.

Há um pensamento equivocado disseminado na população de que essas ilegalidades são um mal menor. Não são. Afetam de forma implacável a todos. O produto pirateado, aparentemente semelhante ao original, representa riscos, pois não segue as normas impostas à indústria legal. Perdas em serviços básicos geram impacto nas tarifas, encarecendo as contas pagas por toda a sociedade. No setor de combustíveis, em que as fraudes somam R$ 15 bilhões, produtos adulterados danificam veículos. Reflexo óbvio dessas práticas é o desemprego. Em 2022, elas resultaram em 370 mil vagas com carteira assinada a menos.

É preciso levar em conta também que grande parte dessas práticas está associada ao crime organizado. Em São Paulo, redes de postos ilegais são controladas pela principal facção criminosa do estado, o PCC. Em comunidades do Rio, quadrilhas de milicianos e traficantes se especializaram em vender serviços ilegais à população. Empresas operando dentro da lei são impedidas pelos criminosos de atuar nessas áreas. A ilegalidade vai dos sinais furtados de TV e internet a serviços essenciais como água ou luz.

O enfrentamento à ilegalidade é desafiador. Há avanços, ainda que tímidos. O combate à sonegação é parte importante na discussão da reforma tributária em regulamentação no Congresso. A estimativa é que, dos R$ 454 bilhões perdidos para a ilegalidade, 30% correspondam a impostos não recolhidos. Além da reforma, vários projetos de lei poderiam contribuir para reduzir as perdas. O setor produtivo defende uma política integrada para combater o problema de forma mais célere e a redução de tributos para desestimular o comércio ilegal, que oferece preços mais baixos.

Está claro que, a despeito de operações policiais realizadas de tempos em tempos, ainda há muito a fazer para coibir as práticas ilegais. É preciso atuar em várias frentes, aperfeiçoando a legislação, ampliando a fiscalização, atuando no combate às quadrilhas. Além disso, é necessário esclarecer à população que ela não leva nenhuma vantagem ao comprar produtos ou serviços falsificados, furtados ou contrabandeados. O país perde recursos e empregos que beneficiariam a todos. Quem lucra com a ilegalidade são apenas os bandidos. A sociedade fica com o prejuízo.

Congresso tem de aprofundar debate sobre PEC das Praias antes de votá-la

O Globo

Não faz sentido promover mudança tão ampla sem entender todas as implicações, sobretudo as ambientais

A Proposta de Emenda à Constituição 3/2022, conhecida como PEC das Praias, ganhou impulso ao ser debatida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ela revoga um inciso do artigo 20 da Constituição que atribui à União a propriedade das áreas situadas numa faixa de 33 metros do mar, contados a partir da linha traçada com base na média da maré cheia de 1831 (são os “terrenos de marinha”). A PEC transfere gratuitamente a estados e municípios a propriedade desses terrenos — ou então a entes privados que já os ocupem, mediante pagamento.

O governo assumiu posição contrária, alegando que a PEC abre espaço à privatização de praias e favorece a exploração imobiliária sem preocupação com os riscos ambientais. De acordo com a secretária adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União (SPU), Carolina Gabas Stuchi, ela extingue o conceito de faixa de segurança e permite alienação e transferência do domínio das áreas, prejudicando o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. A oposição nega que a mudança permita criar praias privadas e afirma que a propriedade da União é um dispositivo anacrônico que não tem impedido estragos na costa brasileira.

No passado, a presença do Estado no litoral se justificava pela necessidade de defender o Brasil das tentativas de invasão pelo mar. Mas a defesa deixou de fazer sentido como justificativa para a propriedade dos terrenos da costa. Vigora hoje uma situação conveniente para o governo, que se beneficia de taxas sobre toda negociação imobiliária nessas áreas. Segundo Gabas, a União arrecada R$ 1,1 bilhão por ano com tais imóveis. No Balanço Geral da União (BGU), eles representam um ativo de R$ 213 bilhões (excluindo 2,9 milhões de imóveis ainda sem cadastro).

Apesar da oportunidade financeira, não está claro que a transferência a estados e municípios ou a venda a entes privados seja uma solução adequada se adotada sem as devidas precauções. Há risco de povoamento desordenado do litoral, com consequências ambientais drásticas caso as regras de ocupação dependam apenas dos grupos políticos locais. As implicações da PEC são amplas o bastante para justificar menos açodamento em sua tramitação.

O aumento no nível dos oceanos parece irreversível, e uma das frentes de trabalho estratégicas em tempos de aquecimento global será a preparação da costa brasileira para conter um mar muito diferente daquele de 1831. Só isso já desaconselharia tirar o litoral da jurisdição da União. Há, ainda, áreas de manguezais, necessários à reprodução da vida marinha, que precisam de proteção. Além das dificuldades para a população e colônias de pescadores.

Em vez de fragmentar a propriedade dos terrenos no litoral e dificultar o controle da ocupação da costa, o Congresso deveria pedir transparência na aplicação do dinheiro que eles rendem. E a proximidade das eleições municipais recomenda cautela. Não faz sentido aprovar PEC tão transformadora sem que haja mais tempo para entender todas as suas repercussões.

Boulos e Nunes lideram com números modestos

Folha de S. Paulo

Segundo o Datafolha, cerca de metade do eleitorado de SP prefere outras opções; debate precisa ser melhor que o de 2020

A pouco mais de quatro meses do primeiro turno das eleições municipais, nenhum dos principais pré-candidatos em São Paulo demonstra especial vigor nas intenções de voto apuradas pelo Datafolha.

Segundo pesquisa divulgada nesta quarta-feira (29), Guilherme Boulos (PSOL), com 24%, e o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), com 23%, seguem empatados, na margem de erro, como ocorreu em março, quando obtinham marcas maiores, de 30% e 29%, respectivamente —há dois meses, a relação de postulantes era diferente.

Em cenário alternativo também considerado agora, com dois nomes a menos na lista, a disputa no topo pouco se altera: Nunes passa a ter 26%, e Boulos, os mesmos 24%.

Nas duas hipóteses da sondagem, portanto, cerca de metade do eleitorado paulistano tem outra preferência, ainda está indeciso ou não pretende votar em ninguém. Nesse vasto contingente, as intenções são bastante pulverizadas.

No rol mais amplo de pré-candidatos, os mais bem posicionados, muito atrás dos líderes, são José Luiz Datena (PSDB, 8%), Tabata Amaral (PSB, 8%) e Pablo Marçal (PRTB, 7%) —todos consideravelmente abaixo do índice de votos em branco e nulos, de 13%.

Quando se excluem Datena, um contumaz desistente de eleições, e Kim Kataguiri (União Brasil, 4%), Tabata e Marçal passam aos 9%, e brancos e nulos, a 15%.

Se quiser analisar os números com um viés otimista, Boulos, apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), verá a confirmação de sua ascensão à esquerda na maior cidade do país, onde já disputou o segundo turno em 2020 —ou pode torcer para que a rejeição de 61% a nomes apoiados por Jair Bolsonaro (PL) contamine seu principal rival.

Já Nunes, que assumiu a prefeitura três anos atrás com a morte de Bruno Covas (PSDB), conseguiu se fazer mais conhecido dos paulistanos e equilibrar as avaliações de sua gestão de 2022 para cá. Ademais, sua taxa de rejeição, de 24%, é inferior à do psolista, de 32%, o que em tese constitui vantagem num segundo turno.

Há muito a ocorrer na disputa, porém. As convenções partidárias para a oficialização de candidaturas só terão início em 20 de julho, e a propaganda no rádio e na televisão, em 16 de agosto. Ainda não se tem ideia de como se comportarão os eleitores de candidatos derrotados na primeira votação.

Os postulantes devem à população um debate mais qualificado sobre as prioridades municipais que o do pleito passado, realizado no período atípico da pandemia. Para tanto, os programas de governo das forças locais precisam ter mais peso e consistência do que as bandeiras ideológicas de seus padrinhos políticos nacionais.

Eleições de araque

Folha de S. Paulo

Ao desconvidar observadores da UE, Maduro reitera que comanda uma ditadura

Venezuela é uma ditadura que infringe direitos humanos e destruiu a economia do país a ponto de instalar uma crise humanitária que gerou cerca de 7,7 milhões de refugiados. Mas o déspota Nicolás Maduro finge que está numa democracia e ainda tem a petulância de pretender que a comunidade internacional acredite nessa farsa.

Na terça-feira (28), seu Conselho Nacional Eleitoral informou que o convite para que observadores da União Europeia (UE) monitorem a eleição presidencial, marcada para o dia 28 de julho, foi cancelado.

O órgão justificou-se com discurso rançoso sobre um fantasioso imperialismo: "Seria imoral permitir sua participação, conhecendo suas práticas neocolonialistas e intervencionistas contra a Venezuela".

De fato, a UE mantém sanções contra a nação sul-americana, do mesmo modo que os EUA, mas como mecanismo de pressão contra atrocidades notórias cometidas pelo regime, notadamente a partir da onda de protestos de 2017.

Investigação conduzida pelo Tribunal Penal Internacional em curso desde 2021 já levantou 1.746 denúncias de abusos contra os os direitos humanos. Em 2022, gabinete da ONU instalado na Venezuela divulgou um relatório com 122 casos de tortura e de violência sexual. Desde 2017, ao menos 125 pessoas foram mortas.

Em fevereiro deste ano, Maduro expulsou do país os funcionários da repartição das Nações Unidas.

A proibição de observadores da UE no pleito é mais uma infração ao Acordo de Barbados, pelo qual a Venezuela se comprometia a realizar eleições justas, livres e abertas ao escrutínio externo.

O Judiciário cooptado pela ditadura já havia interditado as candidaturas dos principais oponentes do caudilho. Esse movimento gerou a primeira crítica do Itamaraty ao regime —não de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em suas falas ainda coloca panos quentes sobre a barbárie venezuelana.

Em 28 de julho, a população do país irá às urnas numa pantomima. Sem oposição política, liberdade de expressão e direitos humanos, não se pode considerar que tal evento seja a expressão de um regime democrático.

Dia de 7 a 1

O Estado de S. Paulo

Ao impor derrota fragorosa ao governo, o Congresso reforça a natureza instável e fragmentada das relações entre ambos. Superá-la exigiria uma sabedoria que falta hoje ao Planalto

Ignorando os prognósticos mais realistas, o governo do presidente Lula da Silva apostou alto nas votações que enfrentaria no Congresso e encerrou a terça-feira com uma coleção eloquente de fracassos. Em sessão conjunta da Câmara e do Senado, deputados federais e senadores impuseram derrotas significativas ao Palácio do Planalto, derrubando vetos de Lula e mantendo todos os vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O governo saiu derrotado por larga margem na derrubada dos vetos presidenciais à chamada “saidinha” de presos do regime semiaberto e a trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que proíbem o uso de recursos públicos para ações que supostamente ferem os valores da “família tradicional”. Também perdeu no caso da possível criminalização de fake news em contexto eleitoral, que Bolsonaro vetara ainda em 2021. Triunfou, porém, ao evitar um calendário fixo para pagamento de emendas impositivas que havia sido aprovado na LDO, sonho de consumo de congressistas que desejam irrigar suas bases eleitorais – a bem da verdade, uma vitória favorecida pelo pagamento de verbas para redutos indicados pelos parlamentares. Um acordo entre Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), permitiu ainda a aprovação do Imposto de Importação sobre as compras internacionais de até US$ 50, tema que o PT enxergava com reticência, e o Ministério da Fazenda, com certa ambiguidade.

Os reveses ruidosos e os triunfos acabrunhados inspiram conclusões relevantes. A primeira é que nos embates regidos por pragmatismo e realismo, Executivo e Legislativo tendem a estar alinhados. A cisão se dá nas pautas que são mais caras à direita hoje hegemônica no Congresso, incluindo temas de costumes, valores e cláusulas pétreas do conservadorismo, como o tratamento mais duro dado a presidiários. Nelas, as derrotas impostas ao governo provavelmente continuarão a se repetir com intensidade. Chama a atenção, no caso da noite de terça-feira, o otimismo delirante demonstrado por articuladores políticos do Palácio do Planalto (não se sabe se verdadeiro ou mero artifício retórico para convencer parlamentares da frágil base governista). Os vetos que retomavam a “saidinha” de presidiários, por exemplo, foram apresentados como “uma questão de honra” para o governo. Debalde. O resultado foi, isso sim, uma desonra política em alto grau, adornada até mesmo por partidos que ocupam espaços na Esplanada dos Ministérios.

A terça-feira não só demonstrou a força da oposição, como reafirmou a natureza instável e fragmentada das relações entre governo e Congresso. Há algum tempo se registram mudanças significativas no presidencialismo de coalizão no Brasil, mas o governo ainda não parece habituado à nova realidade. Ou melhor, parece estar perdido sobre quais ferramentas dispõe para fazer valer sua agenda. Historicamente a estrutura multipartidária e federativa na qual o presidencialismo se assenta decorre de uma premissa: a existência de uma coalizão de governo majoritária e coerente, e um presidente forte com poder de definir a agenda legislativa. Para exercer tal força, o presidente precisa ter o controle do Orçamento, popularidade alta que lhe garanta capital político e um ambiente legislativo dotado de partidos com um mínimo de coerência interna e liderança firme capazes de assegurar o bom fluxo das negociações.

Nada disso parece existir hoje. Ao contrário, tem-se um Congresso com poderes inquestionáveis sobre o Orçamento, partidos tradicionais com bancadas reduzidas (fora outros que deixaram de existir ou foram desfigurados), profusão de bancadas temáticas (ruralistas, evangélicos e armamentistas, por exemplo) e um Centrão nascido de um emaranhado de interesses dispersos. Tudo somado, tornou-se inviável a formação de coalizões mais estáveis, como nos primeiros mandatos de Lula e nos governos de Fernando Henrique Cardoso. A dispersão de forças é o pior dos mundos para qualquer governo, pois exige mais tempo, energia, capital político e recursos orçamentários para conquistar o voto de parlamentares. Exige, por fim, uma sabedoria hoje ausente no Palácio do Planalto, de onde grassa um governo medíocre e sem agenda clara para apresentar ao Congresso – e ao País.

A confusão dos planos de saúde

O Estado de S. Paulo

Lira faz acerto verbal para que operadoras suspendam cancelamentos unilaterais de planos de usuários, enquanto governo federal assiste ao debate como se fosse mero observador

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou ter feito um acordo com operadoras de planos de saúde para suspender rescisões unilaterais de contratos. Beneficiários respiram aliviados. Deveriam? Nada indica que sim.

O Estadão mostrou nas últimas semanas que houve uma escalada do número de cancelamentos por parte das empresas. A reportagem comparou números de março deste ano com os do mesmo mês do ano passado e revelou que ao menos 80 mil clientes deixaram de ser atendidos pelos planos coletivos por adesão no período.

É possível que uma parte desse universo tenha deixado as operadoras por vontade própria. Esse é um esclarecimento que as empresas deveriam fazer, mas elas se recusam. Oficialmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa ter recebido mais de 15 mil reclamações sobre rescisão contratual unilateral por parte das empresas em 2023, 37% a mais que no ano anterior.

Na maioria dos casos, justificam as empresas, a carteira é deficitária e não pode mais ser mantida, o que desampara pacientes em tratamento. Mencionam atuar dentro da legalidade e informam que os clientes têm direito a trocar de plano sem carência, embora migrar, a depender do estado de saúde do usuário, possa ser uma tarefa impossível.

Parlamentares começavam a se mobilizar para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as operadoras. Lira, no entanto, decidiu atuar. Por meio de suas redes sociais, informou que as operadoras se comprometeram a “suspender cancelamentos recentes relacionados a algumas doenças e transtornos”.

A quais doenças e transtornos e a que período Lira se referia não se sabe, uma vez que o acerto foi verbal. Como bem observou a advogada Giselle Tapai a este jornal, acordo não é lei. Mas, enquanto isso, a abertura da CPI é adiada, e o projeto de lei que altera o marco atual de saúde suplementar, de 1998, continua em discussão.

Até lá, permanecem o confuso estado de coisas e a angústia dos clientes dos planos. Diante disso, é espantosa a ausência do governo federal nessa discussão.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), pediu explicações às empresas pelos cancelamentos unilaterais. É pouco. Já a ANS divulgou longa nota com as principais regras a que as operadoras estão sujeitas. Reafirmou que é proibida a prática de seleção de riscos, ou seja, a exclusão de clientes por condição de saúde ou idade – algo que as operadoras asseguram não fazer.

Mas a ANS ressaltou que é lícita a rescisão de contrato de plano coletivo quando o beneficiário está em tratamento ou internado, desde que a empresa arque com todo o atendimento até a alta hospitalar. Eis um dos principais pontos do imbróglio. Órgãos de defesa do consumidor e o Judiciário têm entendimento diferente e consideram a situação ilegal, com base em precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Do Ministério da Saúde não se ouviu uma palavra até agora, e não é por acaso. Trata-se de um verdadeiro vespeiro, e é difícil vislumbrar uma solução equilibrada, que preserve os interesses dos usuários e a sustentabilidade econômica das empresas. Debatê-la, no entanto, é urgente.

Os planos de saúde individuais e familiares oferecem mais proteção ao usuário e reajustes regulados pela ANS, mas são poucas as operadoras que oferecem a modalidade atualmente – sobretudo, a preços acessíveis.

À maioria, resta apelar a planos coletivos, que possuem regras bem mais flexíveis e que têm gerado tanta insatisfação – tanto por parte dos clientes, que se sentem abandonados no momento em que mais precisam, quanto por parte das empresas, que reclamam de fraudes e de custos excessivos.

Não basta ao governo assistir a esse debate a distância, como se fosse um mero observador, delegando a responsabilidade à Câmara. Cada cliente que deixa de fazer parte da carteira dos planos de saúde onera e sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS). Passou da hora de o Executivo assumir a liderança dessa discussão.

Receita de um liberticida

O Estado de S. Paulo

Questionado sobre sua viagem para enxovalhar o Brasil no exterior, deputado bolsonarista prefere o deboche

Com bastante tempo ocioso em Brasília e dinheiro dos contribuintes à disposição, uma comitiva de parlamentares bolsonaristas viajou a Washington, no início de maio, para difamar o Brasil na capital dos Estados Unidos. Durante uma audiência na Câmara dos Representantes daquele país, entre a gravação de um vídeo e outro para as redes sociais, o grupo alardeou que aqui haveria “perseguição” e “censura” contra opositores do governo Lula da Silva sob o tacão de uma assim chamada “ditadura do Judiciário”.

Tudo isso é mentira, claro, como este jornal já sublinhou há cerca de um mês (ver editorial Não, o Brasil não está sob uma ditadura, de 23/4/2024). Mas a verdade factual é irrelevante para o bolsonarismo – movimento que, entre outras trapaças retóricas, vive de abastardar o conceito de liberdade de expressão para levar a cabo uma campanha de desinformação e desqualificação de adversários políticos e instituições democráticas, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF).

Dos nove parlamentares que embarcaram nessa excursão infame – os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG), Gustavo Gayer (PL-GO), Marcos Pollon (PL-MS), Filipe Barros (PL-PR), Cabo Gilberto Silva (PL-PB) e Rodrigo Valadares (União-SE), além do senador Eduardo Girão (Novo-CE) –, ao menos cinco, até o momento, pediram ressarcimento das despesas de viagem, como revelou o Estadão. Entre passagens aéreas e diárias para os que alegaram cumprir “missão oficial” no exterior, a Câmara já desembolsou quase R$ 53 mil.

Questionados pela reportagem sobre a natureza dos gastos realizados às expensas dos contribuintes – ou seja, nada mais do que a imprensa profissional fazendo o seu trabalho –, nenhum dos parlamentares se dignou a responder, numa inequívoca demonstração de descaso com a sociedade. Só Gustavo Gayer se manifestou: à guisa de “resposta” a este jornal, o deputado goiano enviou uma receita de bolo. Segundo consta, o sr. Gayer é useiro e vezeiro em debochar de jornalistas quando instado a prestar contas do mandato.

Durante um dos períodos mais violentos da ditadura militar, em 1973, tanto o Estadão como o Jornal da Tarde (JT) foram impedidos de publicar aquilo que o regime preferia manter ao abrigo do escrutínio público. Como forma de protesto contra a censura – esta, sim, real e violenta –, o Estadão passou a publicar poemas no espaço reservado aos textos censurados pelos militares e o JT, receitas culinárias. Foi a isso que o sr. Gayer aludiu com sua infame resposta a este jornal, bem ao gosto do cinismo bolsonarista.

Agindo dessa forma indigna, o sr. Gayer se engana se acredita estar ridicularizando a história de resistência do Grupo Estado. E nem teria como fazê-lo, pois oito anos antes de ele nascer os jornalistas desta casa já lutavam contra as barreiras à liberdade de imprensa impostas por uma ditadura que ele nem conheceu e pela qual nutre escancarada simpatia.

O sr. Gayer, a bem da verdade, debocha mesmo é do Congresso Nacional. E debocha mesmo, e principalmente, é dos eleitores goianos que o honraram com um mandato parlamentar.

Atividades no campo reduzem o bioma Cerrado

Correio Braziliense

A região mais afetada pelo desmatament foi a de Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia —, com 47% de perda de vegetação nativa, para as atividades agropecuárias, que ocupam 98% da área desmatada no bioma

O Cerrado perdeu 1,11 milhão de hectares de vegetação nativa em 2023, um aumento de 67,7% em relação a 2022 (662.186 hectares), conforme o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, divulgado pelo MapBiomas. A devastação segue a todo vapor. Em fevereiro deste ano, 3.798 km² foram desmatados, segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Enquanto, na Amazônia, houve uma retração de 40% no primeiro trimestre deste ano, no Cerrado, o desmatamento registrou um avanço comprometedor do bioma, considerado o Berço das Águas, devido ao avanço das fronteiras agrícolas. A região mais afetada foi a de Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia —, com 47% de perda de vegetação nativa, para as atividades agropecuárias, que ocupam 98% da área desmatada no Cerrado. Entre esses estados, o Piauí foi o único a reduzir o desmatamento em 2023.

O Cerrado abriga nascentes de nove das 12 principais bacias hidrográficas do país e que contribuem para cursos hídricos de países vizinhos, como o Rio do Prata, e essenciais ao agronegócio e à vida humana. A supressão da vegetação compromete a perenidade dessas fontes de água potável, dos rios e dos lagos. Os impactos dessa escalada de destruição do Cerrado chegam às terras dos povos originários. É o caso da Terra Indígena Porquinhos dos Canelas-Apãjekra, no Maranhão, que teve 2.750 hectares de vegetação devastados. O que ocorre, hoje, com o povo Canelas tende a se estender por outros territórios,

Mas a repercussão não se restringe às aldeias indígenas e quilombolas, mas afetará outras comunidades e populações urbanas. A intervenção predatória destoa de quaisquer esforços e políticas ambientais voltadas à redução da emissão de gases que contribuem para o aquecimento global e para os fenômenos climáticos extremos.

Ao participar de uma audiência sobre mudanças climáticas, no Senado Federal, a bióloga e professora da Universidade de Brasília (unB) Mercedes Bustamante, anos atrás, alertava sobre os efeitos da substituição da cobertura vegetal do Cerrado pela pecuária e pelo plantio de grãos e de cana-de-açúcar. A alteração implicaria facilitar a liberação do carbono presente no solo e aquecer o ar. Embora o bioma seja um sumidouro de carbono no período chuvoso, torna-se fonte de emissão durante a seca, principalmente devido às queimadas.

A Amazônia tem 50% do seu território protegido, o Cerrado apenas 12%. No ano passado, o governo federal propôs um pacto com os governadores para conter o desmatamento do Cerrado, que ocorre em propriedades privadas, sobre as quais não cabem intervenções do Estado. No encontro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), lançado em novembro último. Diante dos recentes dados, se houve algum avanço, ele foi insuficiente para conter o desmatamento no bioma.

As catástrofes que ocorrem no Sul do país deveriam ser encaradas como alertas de que é necessário mudar a relação das atividades econômicas com o meio ambiente. O atual comportamento dos produtores rurais do Centro-Oeste ocorreu nos Pampas gaúchos. A perda de proteção da vegetação nativa está entre uma das causas da tragédia sulista. O momento exige reflexão e a adoção de um relacionamento harmonioso com o patrimônio natural, em defesa da vida. 

 


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