terça-feira, 28 de maio de 2024

Míriam Leitão - Difícil debate do déficit

O Globo

O país precisa discutir o que fazer com um Orçamento engessado a um grau que não tem paralelo no mundo

Há um aumento da preocupação fiscal no Brasil, mas isso não está refletido nos números colhidos pelo Banco Central junto ao mercado financeiro nas projeções das contas públicas. O Brasil tem um problema fiscal, mas o curioso é que o mercado tem hoje o mesmo cenário que tinha há um mês para o déficit público deste ano e dos próximos. Algumas sombras pairam sobre as contas públicas. A rigidez do Orçamento é uma delas. As vinculações das despesas de saúde e educação, a indexação dos benefícios previdenciários vão provocar o fim do arcabouço fiscal. Mas dentro do governo o debate está longe de estar amadurecido porque isso atinge bandeiras caras ao PT.

Há um mês a previsão do Focus para o déficit deste ano era de 0,70%. Ontem o mesmo número apareceu: 0,70%. No começo do ano era 0,80%. Para 2025 a projeção caiu ligeiramente de 0,68% para 0,63%. Em 2026 está no mesmo 0,50%. Mesmo quem não tenha grande interesse por esses cenários do mercado financeiro, entende que essa repetição de números acontece porque ninguém está prevendo uma escalada de deterioração fiscal. Houve uma ligeira piora das projeções de inflação, mas na margem e tudo dentro da meta. Era 3,73% e foi para 3,86%.

Onde é que está o problema? Quando se olha para frente fica claro que há situações insustentáveis e muito difíceis de serem resolvidas. A ministra Simone Tebet e o ministro Fernando Haddad tocaram, em falas recentes, num ponto sensível, mas crucial para a questão fiscal, o excesso de vinculação de despesas no Orçamento. Mas como enfrentar isso num governo do PT que sempre defendeu vinculações?

O teto de gastos ao ser oficialmente eliminado, depois de muito desrespeitado pelo governo anterior, deixou essa lacuna: as vinculações que haviam sido alteradas pela lei do teto, voltaram a vigorar da mesma forma que eram antes.

Outro fator de engessamento das despesas públicas veio com o crescimento despropositado das emendas parlamentares. Grande parte delas é obrigatória. A cada ano o volume de gastos decididos pelos parlamentares cresce, tornando o Orçamento cada vez mais difícil de administrar. O ritmo de crescimento dessas despesas ordenadas do Congresso tem sido acelerado. E o valor hoje é quase o mesmo do total de investimentos do governo. Isso não faz sentido, mas não há previsão de recuo.

Nas vinculações das despesas de educação e saúde há algumas contradições. Na saúde é um percentual (15%) da Receita Corrente Líquida (RCL). Isso é definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Só que ela deveria excluir as receitas extraordinárias, mas o conceito de RCL inclui, por exemplo, outorgas e concessões, a arrecadação proveniente de Refis, royalties de petróleo. Essa definição larga do que seja a Receita Corrente Líquida acaba reduzindo o espaço para outras despesas. No arcabouço fiscal o conceito de receita recorrente é outro. Isso deveria ser harmonizado de alguma forma.

Na educação o problema é diferente. Está na Constituição e é um percentual (18%) da receita líquida de impostos, que oscila muito dependendo do ciclo econômico, o que produz muita volatilidade para uma política pública que tem caráter de médio e longo prazos. Há queda nos ciclos de baixa econômica, e quando há uma boa surpresa na arrecadação, o gestor tem que correr para gastar para cumprir o piso mínimo.

A política de valorização de salário mínimo teve efeito positivo na redução de desigualdades num país desigual como o Brasil, explicam os técnicos. Só que como há a indexação dos benefícios, tudo fica impactado. Os gastos da Previdência, o seguro desemprego, o abono salarial tudo sobe porque aumentou o salário mínimo pago a quem está na ativa e com emprego.

Todos esses são desafios reais, que o país nunca enfrentou diretamente. No governo atual pode ser ainda mais difícil. Mas nenhum desses impasses e desafios deixará de existir. O país precisa discutir em algum momento o que fazer com um Orçamento engessado a um grau que não tem paralelo no mundo.

Não há caminho fácil quando o assunto é equilíbrio entre despesa e receita no Brasil. A receita tem se recuperado este ano, mas a trajetória das despesas, com vinculações e indexações, levará a uma desorganização mais adiante. Mesmo que não esteja ainda nas projeções, será necessário enfrentar esses delicados e difíceis debates do déficit.

 

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