O Globo
O país precisa discutir o que fazer com um Orçamento engessado a um grau que não tem paralelo no mundo
Há um aumento da preocupação fiscal no Brasil, mas isso não está refletido nos números colhidos pelo Banco Central junto ao mercado financeiro nas projeções das contas públicas. O Brasil tem um problema fiscal, mas o curioso é que o mercado tem hoje o mesmo cenário que tinha há um mês para o déficit público deste ano e dos próximos. Algumas sombras pairam sobre as contas públicas. A rigidez do Orçamento é uma delas. As vinculações das despesas de saúde e educação, a indexação dos benefícios previdenciários vão provocar o fim do arcabouço fiscal. Mas dentro do governo o debate está longe de estar amadurecido porque isso atinge bandeiras caras ao PT.
Há um mês a previsão do Focus para o déficit
deste ano era de 0,70%. Ontem o mesmo número apareceu: 0,70%. No começo do ano
era 0,80%. Para 2025 a projeção caiu ligeiramente de 0,68% para 0,63%. Em 2026
está no mesmo 0,50%. Mesmo quem não tenha grande interesse por esses cenários
do mercado financeiro, entende que essa repetição de números acontece porque
ninguém está prevendo uma escalada de deterioração fiscal. Houve uma ligeira
piora das projeções de inflação,
mas na margem e
tudo dentro da meta. Era 3,73% e foi para 3,86%.
Onde é que está o problema? Quando se olha
para frente fica claro que há situações insustentáveis e muito difíceis de
serem resolvidas. A ministra Simone Tebet e
o ministro Fernando
Haddad tocaram, em falas recentes, num ponto sensível, mas
crucial para a questão fiscal, o excesso de vinculação de despesas no
Orçamento. Mas como enfrentar isso num governo do PT que sempre
defendeu vinculações?
O teto de gastos ao ser oficialmente
eliminado, depois de muito desrespeitado pelo governo anterior, deixou essa
lacuna: as vinculações que haviam sido alteradas pela lei do teto, voltaram a
vigorar da mesma forma que eram antes.
Outro fator de engessamento das despesas
públicas veio com o crescimento despropositado das emendas parlamentares.
Grande parte delas é obrigatória. A cada ano o volume de gastos decididos pelos
parlamentares cresce, tornando o Orçamento cada vez mais difícil de
administrar. O ritmo de crescimento dessas despesas ordenadas do Congresso tem
sido acelerado. E o valor hoje é quase o mesmo do total de investimentos do
governo. Isso não faz sentido, mas não há previsão de recuo.
Nas vinculações das despesas de educação e
saúde há algumas contradições. Na saúde é um percentual (15%) da Receita
Corrente Líquida (RCL). Isso é definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Só
que ela deveria excluir as receitas extraordinárias, mas o conceito de RCL
inclui, por exemplo, outorgas e concessões, a arrecadação proveniente de Refis,
royalties de petróleo. Essa definição larga do que seja a Receita Corrente
Líquida acaba reduzindo o espaço para outras despesas. No arcabouço fiscal o
conceito de receita recorrente é outro. Isso deveria ser harmonizado de alguma
forma.
Na educação o problema é diferente. Está na
Constituição e é um percentual (18%) da receita líquida de impostos, que oscila
muito dependendo do ciclo econômico, o que produz muita volatilidade para uma
política pública que tem caráter de médio e longo prazos. Há queda nos ciclos
de baixa econômica, e quando há uma boa surpresa na arrecadação, o gestor tem
que correr para gastar para cumprir o piso mínimo.
A política de valorização de salário mínimo
teve efeito positivo na redução de desigualdades num país desigual como o
Brasil, explicam os técnicos. Só que como há a indexação dos benefícios, tudo
fica impactado. Os gastos da Previdência, o seguro desemprego, o abono salarial
tudo sobe porque aumentou o salário mínimo pago a quem está na ativa e com
emprego.
Todos esses são desafios reais, que o país
nunca enfrentou diretamente. No governo atual pode ser ainda mais difícil. Mas
nenhum desses impasses e desafios deixará de existir. O país precisa discutir
em algum momento o que fazer com um Orçamento engessado a um grau que não tem
paralelo no mundo.
Não há caminho fácil quando o assunto é
equilíbrio entre despesa e receita no Brasil. A receita tem se recuperado este
ano, mas a trajetória das despesas, com vinculações e indexações, levará a uma
desorganização mais adiante. Mesmo que não esteja ainda nas projeções, será
necessário enfrentar esses delicados e difíceis debates do déficit.
E a colunista entende do riscado.
ResponderExcluir