quarta-feira, 22 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Combate a armas ilegais está no rumo certo

O Globo

PF desbaratou quadrilha que falsificava registros para fornecer armamento ao crime organizado

A oferta farta de armas a organizações criminosas está associada aos altos índices de violência no Brasil. Pistolas, revólveres, fuzis ou metralhadoras à disposição é tudo o que querem os bandidos. Nos últimos meses, o governo tem demonstrado estar no caminho certo ao combater a venda ilegal de armamento. Nesta terça-feira, uma força-tarefa comandada pela Polícia Federal (PF) prendeu mais de 15 suspeitos de envolvimento com o crime organizado nos estados de Alagoas, Bahia e Pernambuco. Entre os alvos dos mandados de busca e apreensão, diversos policiais militares, lojistas e CACs (categoria formada por colecionadores, atiradores e caçadores).

Em ação que contou com 320 agentes de forças policiais e do Exército, a operação adotou a estratégia mais eficaz para desbaratar organizações criminosas: inteligência financeira. Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentação de R$ 2,7 milhões na conta de um policial militar. Outro investigado e sua mulher enviaram Pix a um comerciante de armas somando R$ 185 mil. Os rastros desses pagamentos foram cruciais para entender o modus operandi dos suspeitos.

Os investigados são acusados de falsificar o Certificado de Registro de Arma de Fogo e retirar o armamento em lojas legítimas, estratagema cada vez mais comum para abastecer o crime. De acordo com um informante da polícia, os vendedores davam baixa no sistema como se a compra tivesse sido feita pelo dono do certificado, quando na realidade as armas eram desviadas para quadrilhas. Os próprios proprietários das lojas, diz a PF, orientavam como driblar a fiscalização. Somente um lojista em Alagoas recebeu R$ 700 mil de um suspeito. A polícia calcula que o esquema funcionava havia pelo menos três anos.

O controle de armas no Brasil ficou mais difícil depois das normas que, no governo Jair Bolsonaro, facilitaram aos CACs o acesso a armamentos legais. De lá para cá, aumentaram as irregularidades em lojas de armas e munições. Pesquisa do Instituto Sou da Paz com dados oficiais identificou que, entre 2011 e 2020, nove armas legais foram desviadas por dia para criminosos somente no Estado de São Paulo.

Na tentativa de reverter esse descalabro, o Exército revisou nesta semana uma portaria que aumentava a quantidade de armas de uso restrito disponíveis a policiais militares, bombeiros e agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Antes, eles podiam comprar até seis armas, cinco delas de uso restrito. O limite agora é quatro, das quais duas de uso restrito. Quanto menos armas em circulação, melhor.

Noutra frente, a PF tem combatido o tráfico internacional. Em dezembro, o alvo foi uma importadora com sede em Assunção e um esquema de lavagem de dinheiro em Miami que movimentaram R$ 1,2 bilhão vendendo 43 mil armas entre 2021 e 2023. Armas contrabandeadas da Europa eram adulteradas no Paraguai antes de transportadas a facções criminosas.

No momento em que a PF mostra determinação para combater o comércio ilegal de armas, o Congresso dá passos preocupantes. No fim de abril, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou projeto de lei complementar que permite aos estados legislar sobre posse e porte de armas. Uma das lições das medidas liberalizantes entre 2019 e 2022 é que elas incentivaram o descontrole. Já ficou claro que só os bandidos ganham com isso.

Retomada das aulas é prioritária para vítimas das cheias no Sul

O Globo

Não se podem repetir os erros da pandemia, quando estudantes ficaram tempo demais longe da escola

Entre as demandas que se acumulam no Rio Grande do Sul depois da devastação, a retomada das aulas deve ser prioridade. Nesta semana, alguns estabelecimentos começam a ser reabertos depois de quase três semanas fechados, mas pelo menos 28% dos alunos ainda não voltaram às aulas. Parte deles nem sabe quando poderá voltar. Além das escolas atingidas pelas cheias, professores e funcionários perderam suas casas e não têm como trabalhar.

Algumas escolas foram inundadas. Mobília, equipamentos e material didático foram perdidos. Em Muçum, no Vale do Taquari, as escolas Família Feliz e Castelo Branco ficaram de novo debaixo d’água depois de recuperadas recentemente dos estragos das enchentes de 2023. Outras escolas foram destruídas e precisarão ser reerguidas. A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, diz que ao menos 40 precisarão ser reconstruídas ou realocadas. Há ainda as usadas como abrigo, que só poderão retomar a rotina quando os desabrigados voltarem para casa. As salas de aula da Escola Professor Alcides Cunha, em Porto Alegre, acolhem 250 pessoas e 200 animais.

Em meio ao caos, é correta a decisão do Ministério da Educação de adiar as inscrições no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O MEC decidiu também isentar gaúchos da taxa de inscrição de R$ 85. A medida deverá beneficiar 40 mil estudantes que não tinham direito à isenção. A destruição sem precedentes justifica maior flexibilidade.

A exemplo do que é feito com hospitais, governos deveriam cogitar a instalação de escolas de campanha para suprir a falta das unidades que precisarão ser reconstruídas. É impensável que estudantes fiquem semanas ou meses sem aulas. Isso criaria uma situação de desigualdade na própria rede de educação.

Não se podem repetir os erros cometidos na pandemia, quando gestores prorrogaram demais o fechamento das escolas, causando um impacto no aprendizado que se tenta recuperar até hoje. De certo modo, a situação agora é ainda mais desafiadora. Parte dos alunos perdeu casas e equipamentos. Em abrigos, não conseguiriam nem acompanhar aulas remotas.

São comoventes as iniciativas para promover atividades de recreação com as crianças, mas é preciso um plano consistente para lidar com a situação que promete perdurar. Compreende-se que o Rio Grande do Sul tenha outras demandas, não menos importantes. Mas retomar as aulas para todos os alunos é essencial, pelas implicações que a paralisação traz para a vida dos alunos. Mais que apenas educar, a escola fornece alimentação, socializa, acolhe. Num momento crítico para o povo gaúcho, ela será um alento para estudantes fragilizados.

Ainda há 11,4 milhões de brasileiros na escuridão

Folha de S. Paulo

Mesmo com gasto considerável, Brasil foi incapaz de alfabetizar 7% da população acima dos 15 anos; urge inovar gestão

Dados do Censo 2022 recém-divulgados pelo IBGE mostram que 93% dos brasileiros com 15 anos de idade ou mais são alfabetizados —sabem ler e escrever um bilhete simples. É o maior índice da série histórica, que teve início em 1940.

Entretanto o número revela que, apesar dos gastos consideráveis em educação, o poder público nacional foi incapaz de prover letramento básico a 11,4 milhões de brasileiros. Países vizinhos já conseguiram alcançar taxas melhores.

Números do Banco Mundial e da Unesco, compilados pela plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, apontam taxa de alfabetização de 94,7% no Brasil, um percentual semelhante ao apurado pelo IBGE. No Chile, eram 97,2% em 2022 e, na Venezuela, que vive sob ditadura e crise humanitária, 97,6%; a Argentina alcançou 98,1% em 2015.

Mesmo cidadãos com acesso à educação têm alfabetização precária. Dentre 65 países que em 2021 realizaram o Pirls, prova internacional que avalia o letramento de alunos do 4º ou do 5º ano do ensino fundamental, o Brasil ficou à frente apenas de Irã, Egito, Jordânia, África do Sul e Marrocos.

Para melhorar essa situação, é preciso racionalizar a alocação de recursos, que não são poucos. Aqui, as verbas destinadas à educação representam 11% dos serviços totais do Estado, pouco acima da média das nações desenvolvidas que compõem a OCDE.

Mas gasta-se mal. No Brasil, a despesa pública média anual por aluno na educação básica é de US$ 2.981, ante US$ 3.497 na Colômbia e US$ 4.867 no Chile. Enquanto isso, cada estudante do ensino superior custa US$ 14.735, quase a média da OCDE (US$ 14.839).

Ademais, o sistema público de ensino carece de capacitação profissional e infraestrutura, e não preza por avaliações de desempenho que gerem estímulos ou sanções, muito por pressões corporativistas.

O tempo também é fator a ser observado, seja para o início dos estudos quanto para sua duração.

Quanto mais cedo a pessoa tem acesso ao processo formal de ensino, mais rapidamente será alfabetizada e melhor será seu futuro acadêmico. Logo, urge expandir o acesso a creches, que, em 2023, tinham 4,1 milhões de crianças de até 3 anos matriculadas —o que não chega a 50% dessa faixa etária.

Mais horas em sala de aula, como no sistema integral, contribuem para os indicadores de aprendizado e diminuem a evasão escolar. É preciso expandir as matrículas nesse modelo também.

Não há motivos para que o Brasil ainda mantenha tantos na escuridão do analfabetismo. Erradicá-lo é política civilizatória, assim como fornecer educação de qualidade contra a desigualdade social.

Falta pouco para 2040

Folha de S. Paulo

É possível se adaptar à crise do clima, mas aproveitando informação de qualidade

O debate sobre a tragédia do Rio Grande do Sul se viu capturado, como de hábito, pelos extremos do espectro político. Em meio à algaravia, ganhou notoriedade o mau passo do governo Dilma Rousseff (PT) com o estudo Brasil 2040, sobre mudanças climáticas.

Tratava-se de iniciativa incomum no Estado brasileiro: partir dos cenários de impactos do aquecimento global para identificar vulnerabilidades e estabelecer prioridades. Um plano baseado na melhor informação científica, analisada na Secretaria de Assuntos Estratégicos, não um compilado com iniciativas desconexas de ministérios.

Os cenários vinham sendo gerados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais desde a virada do século. A ideia era regionalizar ao máximo a informação, por exemplo até o nível de bacias hidrográficas, e projetar o que poderia acontecer com a geração hidrelétrica, a agropecuária e assim por diante.

Iniciado em 2013, o estudo orçado em cerca de R$ 4 milhões em valores corrigidos pela inflação nunca chegou à fase conclusiva. Em março de 2015, o filósofo Roberto Mangabeira Unger assumiu a SAE e desmantelou a iniciativa.

Dilma publicou nota há poucos dias negando que o Brasil 2040 tenha sido "engavetado". Alega que o documento foi enviado ainda no primeiro semestre de 2015 ao Ministério do Meio Ambiente e incorporado ao Plano Nacional de Adaptação para Mudança Climática.

Só faltou dizer que o estudo estava inacabado. A parte final do programa, de proposição de medidas estratégicas de adaptação climática, não chegou a ser elaborada.

Justiça seja feita: um relatório desses, mesmo completo, teria pouca implicação direta para prevenção do desastre gaúcho. A previsão genérica de que o aquecimento global traria mais chuvas ao Sul não chega a ser informação de relevância operacional.

O episódio impõe duas lições. Primeiro, que o país tem especialistas capazes de produzir base sólida para um plano mais ambicioso de adaptação. Segundo, que é hora de engavetar a prática de governantes ignorarem informação de qualidade quando ela não concorda com sua orientação ideológica.

Crime rápido, Estado lento

O Estado de S. Paulo

Enquanto o crime organizado avança, o plano de segurança para a Amazônia, anunciado com pompa eleitoreira pelo governo, ainda não saiu do papel, bem ao estilo do lulopetismo

Quase um ano depois de ser anunciado com o tom palanqueiro típico dos governos lulopetistas, o plano de segurança para a Amazônia do governo federal ainda não saiu do papel, informou reportagem do Estadão. Batizada de “Plano Amazônia: Segurança e Soberania”, a iniciativa, voltada para uma região tisnada pelo avanço do crime organizado, previa a implementação de 34 bases de segurança na Amazônia Legal, aquisição de equipamentos como viaturas, armas, lanchas e helicópteros, criação da chamada Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública para atuar no território e R$ 2 bilhões para combater a criminalidade. De junho do ano passado para cá, constata-se, pouco andou. Segundo reconhece o próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pelo projeto, o plano ainda está em fase de “construção conjunta” com os nove Estados da Amazônia Legal.

É a máxima da inépcia governamental – enquanto organizações criminosas avançam com rapidez, o Estado brasileiro reage de forma lenta. A Amazônia exibe um retrato fiel desse descompasso de ritmo e eficácia entre o crime e as instâncias que deveriam combatêlo. No caso do governo do presidente Lula da Silva, o enredo é conhecido: ante um problema, convoca-se uma reunião ministerial; diante do fracasso, monta-se uma força-tarefa; se a questão envolve governos estaduais e municipais, produz-se um plano supostamente robusto, lançando-o de maneira estrepitosa. A prática é adornada pela convicção do presidente de que é um demiurgo, e de que seu governo constitui uma espécie contemporânea da arca de Noé pronta para recomeçar a vida e salvar a população quando cessar o dilúvio (e, claro, o dilúvio, segundo sua visão, surgiu nos governos anteriores, jamais em sua gestão). O roteiro foi levado ao paroxismo com um ministro mais preocupado em prestar contas às redes sociais do que pôr em prática grandes planos, como era o caso do animador de auditório Flávio Dino.

Como se trata de um governo lulopetista, não foi a primeira vez e provavelmente nem será a última em que planos mirabolantes ou lançados ruidosamente se resumem ao papel e ao palanque. Para citar um exemplo amazônico, desde janeiro de 2023 se sabe que o povo yanomami enfrenta uma crise humanitária sem precedentes. Desassistência sanitária, malária, pneumonia, desnutrição, doenças sexualmente transmissíveis e mortes atingem os indígenas, resultado de anos e anos de interferência indevida de não indígenas e do avanço do garimpo ilegal na região. Naquele primeiro mês de governo, Lula anunciou um plano para salvar os indígenas. Quando se viu perto do marco de um ano das ações de emergência anunciadas, e diante da constatação de que a operação fracassara, Lula convocou uma reunião ministerial para tratar do tema, apontou culpados externos e, como se desembarcasse ali mesmo no problema, anunciou, ora vejam, um novo plano. Práticas similares já foram percebidas em áreas-chave como a saúde, o meio ambiente e a economia – não sem recauchutar velhas ideias para dar-lhes o verniz de novidade.

Bons governos concebem bons planos. Governos realmente eficazes e preocupados com o interesse público organizam o Estado de tal modo que bons planos sejam postos em prática, com metas, indicadores, detalhamento de cronograma, orçamento e responsabilidades – e com capacidade para revê-los rapidamente, ajustá-los ou encerrá-los conforme o impacto das medidas implementadas. A literatura especializada no assunto chama isso de capacidade estatal e capacidade burocrática. Significa que não basta a pura vontade dos agentes políticos para que objetivos sejam alcançados. Requer mecanismos destinados a induzir a implementação de políticas públicas, mesmo com mudança na cabeça da gestão como foi o caso da Justiça – dos recursos financeiros à capacidade de resolver conflitos e divergências, da profissionalização das burocracias à capacidade de escutar atores relevantes da sociedade sem perder a independência em relação a eles.

Diferentemente do que acredita o presidente Lula, não se faz política pública efetiva só no gogó.

Analfabetismo assombra o Nordeste

O Estado de S. Paulo

A região com o pior índice de analfabetismo é também aquela que tem ilhas de excelência na educação, enquanto programas para jovens e adultos são incapazes de frear a disparidade

Um dos retratos mais exemplares e perversos do atraso brasileiro, o analfabetismo é daqueles temas que inspiram análises adversativas, em que uma boa notícia é invariavelmente sucedida por um porém. É esse o caso dos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na semana passada, com base no Censo 2022: naquele ano, 93% dos 163 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais estavam alfabetizados – uma taxa de analfabetismo, portanto, de 7%. Algo positivo se comparado ao índice de 2010 (10%) e notável quando se sabe que, em 1940, quando iniciada a série histórica, chegava a inacreditáveis 56%.

Há um porém nos números apresentados. Vem do Nordeste mais da metade dos 11,4 milhões de analfabetos do Brasil, uma região cuja taxa é simplesmente o dobro da média nacional. Ou seja, mais de 14% da população do Nordeste não sabe ler e escrever uma carta simples. Se é verdade que a curva dos números é descendente (19,1% em 2010; 14,2% em 2022), também é verdade que há uma insistente desigualdade no Brasil, assim como uma inconcebível lentidão na redução do analfabetismo entre nordestinos e pessoas mais velhas.

Chega a ser espantoso que, no Brasil, haja 50 municípios com índices de analfabetismo iguais ou superiores a 30%, dos quais 48 – isso mesmo: 48! – estejam no Nordeste. E o mais surpreendente: trata-se da mesma região que se notabilizou por ilhas de excelência na escola pública, atestada por sucessivos testes de avaliação de âmbito nacional e internacional.

São notórios os bons exemplos e resultados educacionais de municípios do Piauí e de Alagoas, e de Estados como Ceará e Pernambuco – além de Sobral, cidade cearense do ministro da Educação, Camilo Santana. Diferentemente do que sugere o senso comum, a educação básica pública brasileira não é exatamente uma terra arrasada. Há experiências bem-sucedidas em alguns sistemas educacionais, entre Estados e municípios País afora, marcados por ensino de qualidade, boa gestão, capacidade de formação de professores e diretores de escolas e, sobretudo, continuidade das boas políticas – condição essencial para resultados positivos de longo prazo.

De novo, porém, estamos diante de uma análise adversativa: todos os Estados nordestinos tiveram melhora significativa, muitos deles em nível mais acelerado do que outras unidades da Federação – é natural ter avanço em ritmo menor quando a curva já se encontra em patamar melhor. Nenhum desses Estados, contudo, superou a marca de 87% na taxa de alfabetizados. Tal disparidade certamente não começou ontem, e sim é fruto de um histórico de atraso e de intermitência de garantia de recursos para a educação, sobretudo a educação básica e gratuita. (Recursos só foram assegurados à educação a partir da Constituição de 1988 e, mais adiante, com a Lei de Diretrizes e Bases, de 1996.) É também um sinal de que programas voltados para a alfabetização de jovens e adultos não tiveram bons resultados em diferentes governos. Em português ainda mais claro: programas do gênero foram varridos para debaixo do tapete ao longo da história brasileira.

O fato é que sucessivos governos fecharam a torneira do analfabetismo focando na universalização do ensino dos mais jovens. Era um imperativo, mas insuficiente. A alfabetização de adultos pouco avançou no País – tanto que o índice nacional é menor entre a população de 15 a 19 anos (1,5%) e maior entre pessoas acima de 65 anos (20,3%). As faixas etárias mais altas, em síntese, não tiveram acesso à expansão educacional que aconteceu no Brasil a partir do início da década de 1990. As consequências são conhecidas, isto é, pessoas que se inserem no mercado de trabalho em profissões que exigem baixa qualidade. Com isso, a elas não é garantida a expectativa do chamado “bônus educacional” na renda ao eventualmente voltarem para a escola. No caso nordestino, não seria exagero dizer que, na prática, a redução do analfabetismo é favorecida na medida em que as pessoas analfabetas com mais idade vão morrendo.

É um dado sombrio de um país que prometeu erradicar o analfabetismo até este ano.

O Irã em rota de colisão

O Estado de S. Paulo

A morte do presidente não alterará, e pode agravar, o apetite da teocracia por repressão dentro e agressão fora

A morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, despertará nervosismo em tempos turbulentos. A economia está em decomposição, assim como a popularidade do regime, recentemente desafiado pelas ruas. O mundo civilizado está apreensivo com os avanços nucleares de Teerã, e a pressão dos EUA aumenta. O Hamas, uma de suas milícias biônicas, está em guerra aberta. Outras, na Síria, no Iêmen, no Iraque ou no Líbano, estão em alerta e ocasionalmente se engajam em hostilidades. Pela primeira vez, o Irã saiu por um instante das sombras na guerra contra Israel, disparando mísseis de seu território. O Oriente Médio está à beira de uma conflagração.

Em muitos países esses seriam ingredientes para mudanças. Não no Irã. Quem nutre esperanças em reformas – quanto mais numa revolução – será frustrado.

Decerto haverá movimentações. Novas eleições foram marcadas para 28 de junho. A linha de sucessão que vinha sido cuidadosamente urdida pelo líder supremo, o octogenário aiatolá Ali Khamenei, foi rompida, e o clero xiita precisa concertar novos arranjos.

Raisi era o principal candidato. Especialista na lei islâmica, ele fez carreira como um servidor canino do regime. Nos anos 80, o “açougueiro de Teerã” executou milhares de dissidentes. A abordagem mão pesada seguiu em linha de continuidade até a execução da jovem Mahsa Amini, em 2022, por não usar adequadamente o hijab, e na truculenta repressão aos protestos cujo slogan era “mulher, vida e liberdade”. Sob sua presidência, desde 2021, o Irã acelerou o enriquecimento de urânio e freou a renegociação do pacto de não armamento nuclear, apoiou a Rússia contra a Ucrânia e intensificou ataques de suas milícias contra Israel e os EUA.

Esse é o modo como Khamenei vem pondo sua casa em ordem, após um presidente mais reformista como Mohammad Khatami, ou um centrista como Hassan Rouhani, um dos arquitetos do pacto nuclear. Desde a revolução de 1979 os líderes ocidentais acalentam esperanças em interlocutores “moderados” desse tipo, mas sempre em vão. Nas próximas eleições, como já nas últimas, eles nem sequer aparecerão nas cédulas.

É possível que, enquanto concerta sua transição interna, o regime transmita uma imagem mais conciliatória domesticamente e razoável externamente. Mas Raisi era a ferramenta de um projeto de endurecimento, e qualquer aparência de moderação será um arranjo de conveniência enquanto os aiatolás buscam outra.

Há, é verdade, um espaço possível para mudança – mas não do tipo que a comunidade democrática deseja. A Guarda Revolucionária, que controla amplos pedaços da economia, pode aproveitar o momento para forçar a mão e avançar um golpe em câmera lenta. Isso até pode mitigar o conservadorismo religioso em casa, mas levará a mais hostilidades fora.

Num futuro previsível, o Irã seguirá perseguindo a revolução jihadista mundial de Khomeini. Com um regime assim, negociações são contingenciais; a postura natural é de oposição, o que significa empregar todas as forças para impedir que ele ponha as mãos em armas nucleares e para apoiar os focos de resistência que buscam miná-lo a partir de dentro.

Expectativas pioram e reduzem espaço para corte de juros

Valor Econômico

O início da queda dos juros nos EUA, com arrefecimento do dólar, pode melhorar as expectativas e permitir ajustes adicionais para baixo na Selic

Mesmo após uma ata dura do Comitê de Política Monetária (Copom), afirmando que houve unanimidade de seus membros de que o cenário para a inflação havia piorado e o ritmo de corte teria de diminuir, as expectativas inflacionárias continuaram se deteriorando. Para este ano, o IPCA previsto no boletim Focus aumentou de 3,73%, há quatro semanas, para 3,80% agora. No período relevante para a política monetária, 2025, o índice subiu de 3,6% para 3,74%. Ao mesmo tempo, as perspectivas de avanço da economia no ano, que cresciam até a semana passada, tiveram sua primeira inflexão, de 2,09% para 2,05%. Em reunião com diretores do Banco Central, participantes do mercado indicaram que não veem mais espaço para redução de juros, que, pelas projeções de inflação, deveriam estacionar em 10,5% este ano.

Um dos principais motivos para a mudança foi a alteração feita pelo governo na meta fiscal de 2025, reduzida de superávit de 0,5% do PIB para zero, mostrando menor disposição para cumprimento das regras do novo regime fiscal que ele próprio havia proposto em substituição ao teto de gastos - e em seu primeiro ano de vigência. As previsões sobre as contas fiscais haviam melhorado um pouco e voltaram a subir em 2024 (de déficit de 0,64% para 0,7%). Também começaram a subir para o ano que vem (de 0,6% para 0,63%). Mesmo que não houvesse ajuste, os números novos e os anteriores reiteram a descrença de que as metas fiscais do governo serão atingidas em ambos os exercícios. Com resultados negativos maiores, os juros que o Tesouro terá de pagar para rolar suas dívidas tendem a ser maiores.

A divisão ocorrida no Copom, em linhas que opuseram os indicados pelo governo Lula e os que vieram do governo de Jair Bolsonaro, acabou introduzindo nas expectativas um fator de incerteza latente, mas que não estava plenamente incorporado às análises - a chance de a política monetária ser muito mais frouxa em um BC cujo presidente esteja alinhado com os desejos do Planalto. A inflação recua muito mais lentamente há meses porque a política fiscal não é restritiva o suficiente, tendo como resultado que a economia exibe um desempenho que não é compatível com a meta de inflação de 3%. Essa interpretação dos investidores fica mais clara no comportamento da inflação de serviços, que tem recuado, mas não a ponto de permitir a consecução da meta.

Cálculos da Instituição Financeira Independente (IFI) mostram que, retirando todos os fatores extraordinários ou não recorrentes de despesas e receitas fiscais, o governo central passou a ter um déficit estrutural de 1,3% do PIB. Vários analistas estimam que seria preciso um superávit primário de 1,5% do PIB para que a dívida pública em relação ao PIB se estabilizasse e depois começasse a cair. Pelos cálculos apresentados no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 isso só vai ocorrer, se ocorrer, a partir de 2028, ano para o qual já estão instaladas armadilhas deixadas pelo novo regime que podem pôr o funcionamento do governo em xeque. Com despesas obrigatórias de saúde e educação avançando de acordo com o aumento de receitas, e não com o limite de despesas (máximo de 2,5%), os gastos discricionários do governo cairão a R$ 43 bilhões em 2028, e não haverá recursos para a máquina pública realizar suas tarefas.

As expectativas fiscais tiveram sua influência sobre a desvalorização do real, ainda que o fator preponderante para isso tenha sido o adiamento do início da redução dos juros pelo Federal Reserve americano. Este fator causou uma saída forte de recursos pelo câmbio financeiro, de US$ 21 bilhões no primeiro quadrimestre, o segundo pior fluxo da história - o pior foi durante a pandemia, em 2020. Real desvalorizado estimula a inflação, ainda que a força do dólar tenha sido contida recentemente.

Apesar desses fatores, as projeções do Focus são contraditórias com as do Banco Central. No cenário de referência de 2025 do Banco Central, que considerou uma Selic de 9,63%, já superior aos 9% antes considerados, o IPCA atingiria 3,6%. O câmbio considerado foi de R$ 5,15 por dólar. Agora, com uma Selic maior, de 10%, no Focus a inflação dá um salto para 3,74% e com uma taxa de câmbio mais modesta, de R$ 5,05. Mais ainda, boa parte dos analistas acredita que o Banco Central deveria interromper o corte dos juros em 10,5% sob pena de não apenas não atingir os 3%, mas de ver o IPCA se distanciar ainda mais da meta. Projeções de inflação acima dos 4% começam a se tornar correntes.

O Banco Central segue em uma situação incômoda, com as expectativas desancoradas e juros muito altos diante de uma inflação de 3,7% e prestes a interromper os cortes. Juros nesse nível piorarão as contas públicas de um governo que só parece fazer questão de ampliar gastos. O início da queda dos juros nos EUA, com arrefecimento do dólar, pode melhorar as expectativas e permitir ajustes adicionais para baixo na Selic, assim como um ritmo menos intenso da economia, que deve predominar no segundo semestre. Seria vital que a política fiscal fosse comedida, mas ainda não há sinais disso.

Um problema de todos nós

Correio Braziliense

Em 2023, houve 72 mil denúncias de imagens relacionadas ao abuso sexual infantil, um aumento de mais de 77% com relação ao ano anterior

As tristes marcas que o Brasil carrega com relação ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes dão a dimensão de quanto o tema precisa ser trabalhado nas escolas, entre as famílias e pelos órgãos públicos. A cada hora há mais de quatro registros policiais de menores de 13 anos estuprados no país. A maioria das vítimas é do sexo feminino: de cada 10 estupros, sete foram cometidos contra meninas de até 13 anos, de acordo com dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Uma das ameaças está no mundo digital. Mais do que apresentar estatísticas — numa tentativa de coibir esse tipo de crime —, o Brasil tem que começar a traçar estratégias para combater práticas sexuais envolvendo crianças e adolescentes no ambiente on-line. Em 2023, a Safernet recebeu 72 mil denúncias de imagens relacionadas ao abuso sexual, um aumento de mais de 77% com relação ao ano anterior, um recorde em 18 anos de funcionamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. 

Esse salto dos números refere-se a fatores como a geração de imagens de crianças e adolescentes por inteligência artificial (IA), somada ao aumento exponencial da participação dessa faixa etária nas redes sociais (embora muitas tenham como princípio não autorizar a inscrição de jovens com menos de 14 anos) e à redução no contingente dedicado à moderação de conteúdo de algumas plataformas, resultante de demissões em massa no setor.

Para os especialistas, o problema, em parte, passa pela questão comportamental. A cada ano, as crianças entram em contato com a tecnologia mais cedo; em alguns casos, dedinhos de bebês deslizam sobre os tablets para a "alegria" inconsciente dos pais. 

Fato é que a responsabilidade e o combate a crimes que envolvam abuso sexual de crianças e adolescentes devem ser de âmbito coletivo — sociedade civil, instituições de ensino e governos. No caso dos pais, é preciso manter um controle rigoroso sobre as redes sociais dos filhos e sobre os conteúdos a que eles têm acesso, e aqui incluem-se os joguinhos on-line, muitos dos quais têm bate-papo entre os jogadores. No caso das escolas, é estimulando rodas de conversa envolvendo docentes e discentes, enfim, a comunidade escolar para alertar os alunos. Aos governos, além dos órgãos de fiscalização contra crimes cibernéticos, é possível estabelecer parcerias com organizações não governamentais para o desenvolvimento de projetos com a criação de plataformas que impeçam a publicação de imagens expondo a intimidade das crianças e adolescentes. 

Vale destacar a empresa Meta, gestora do Instagram, do Facebook e do Threads, que usa a Take it Down, ferramenta que cria uma espécie de impressão digital dos usuários para garantir a moderação e a preservação do público infantojuvenil. 

Enquanto as brechas para coibir o crime vão sendo preenchidas, devemos manter os olhos atentos diante de qualquer ameaça às nossas crianças e jovens. O Maio Laranja, dedicado a ações efetivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, trouxe e traz oportunidades de se discutir um assunto tão sensível. Que os alertas e números vindos à tona com a campanha reverberem todos os dias, todos os meses. Como um grito de socorro aos mais vulneráveis.

 

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