O Globo
Divergências falam mais que as concordâncias
neste momento em que as decisões começam a ser tomadas no RS
A enormidade da tragédia que se abateu sobre
o Rio Grande do Sul está todos os dias nas telas, nas páginas, nas ondas do
rádio, mas quando você passa alguns dias em solo gaúcho é possível sentir o
cheiro, ver o estrago a olho nu e compreender as muitas camadas de iniciativas
que serão necessárias por parte do poder público e que estão longe de estar
sequer iniciadas.
É salutar que palavras como reconstrução,
união, cooperação e outras rimas estejam na boca das autoridades há mais de 20
dias, quando as chuvas começaram a dizimar o estado, mas as divergências falam
mais que as concordâncias neste momento em que as decisões começam a ser
tomadas.
A questão fiscal, como sempre, é uma delas. O
governador Eduardo Leite (PSDB) negou no Roda Viva que tivesse feito uma
contraposição, em entrevista à Folha de S.Paulo, entre a prevenção a
calamidades climáticas e “outras agendas” prioritárias, como colocar as contas
do estado em dia. Mas acabou reafirmando que seus primeiros anos de mandato
foram dedicados a reformas para recuperar a capacidade de investimento do Rio
Grande do Sul.
Em seguida, engatilhou uma nova estratégia: passar a tratar o ministro extraordinário para a reconstrução do estado, Paulo Pimenta, como “aliado” ou “embaixador”, dois termos que usou, para defender os interesses rio-grandenses junto ao presidente Lula. Em vez de um concorrente, ou “interventor” branco, Pimenta passaria a ser visto como alguém a quem pressionar em nome do melhor interesse do estado. No caso, a favor da quitação da dívida do Rio Grande do Sul com a União, algo que não passa pela cabeça do Ministério da Fazenda e que poderia levar a um precedente explosivo caso fosse aceito, pois automaticamente passaria a ser pleiteado por outros estados, mesmo que não assolados por intempéries.
A atitude passivo-agressiva que parece pautar
o início da relação entre os governos federal e estadual é só um ingrediente a
mais das inumeráveis dificuldades para dar a largada no plano de reconstrução.
Mais de 20 dias depois do caos instalado na
vida dos gaúchos, ninguém sabe nem mesmo chutar a situação do aeroporto Salgado
Filho, um atestado completo de falência de autoridade num serviço essencial. Os
prazos de reabertura, o porquê de o principal terminal aeroportuário do estado
ter sido atingido com essa violência e o que fazer são respostas que nem o
ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, nem a concessionária,
Fraport, nem a Anac conseguem esboçar. Parecem estar esperando o sol abrir e a pista
secar para ir ver de forma displicente se sobrou alguma coisa.
Da mesma forma, a questão fulcral — para onde
vão os milhares de desabrigados e desalojados daqui para a frente — vai sendo
empurrada com a barriga com propostas lançadas a esmo, como cidades
provisórias, aluguel social, estadia social, regimes especiais de contratação,
sem que haja locais para essas intervenções, destinação de que tipo de recursos
e vindos de onde e, sobretudo, prazos. Os atingidos pelas enchentes nos
municípios do Vale do Taquari em setembro e novembro do ano passado estavam sem
solução definitiva até hoje — ou melhor, até ser de novo engolfados pelas
águas.
Também não há nenhuma garantia de que o
trauma com o que se vê no Rio Grande do Sul orientará um compromisso dos
políticos com uma pauta ambiental mais responsável. Quando questionados sobre
seu legado no tema, ou a respeito do pacote da destruição que segue tramitando
como se nada tivesse acontecido, deputados, senadores, ministros, governadores
tergiversam, dizem que uma coisa não tem nada a ver com a outra e que as
propostas têm de ser analisadas de forma “técnica”. Parecem sentados
placidamente à beira da estrada esperando a água baixar.
Excelente! Leite mente, pois diminuiu a proteção dada pela legislação ambiental, contrariou as propostas dos ambientalistas e do Ministério Público, e agora nega que tenha feito isto.
ResponderExcluirE agora chora sobre o leite derramado.
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