segunda-feira, 20 de maio de 2024

Ricardo Henriques - Rio Grande do Sul e a emergência climática

O Globo

Precisamos avançar numa agenda que coloque a tecnologia a serviço do desenvolvimento dos estudantes, e não o contrário

Em incêndios, terremotos, secas, inundações ou acidentes aéreos, passada a fase de consternação e solidariedade com as vítimas, mobilizamos sempre nossos melhores esforços para diagnosticar causas e criar caminhos que minimizem riscos ou impactos de uma nova tragédia. O que testemunhamos agora no Rio Grande do Sul deveria, de uma vez por todas, ser entendido como um desses momentos críticos.

Em todas as áreas, em todo o território nacional, precisaremos intensificar os esforços de elaboração e implementação de estratégias de mitigação e de adaptação dos efeitos das catástrofes climáticas. Será fundamental desta vez fortalecer o controle social e a cobrança por transformações para evitar o fenômeno frequente da memória curta que se esvai e reduz o fôlego para sustentar as mudanças estruturais que se fazem urgentes.

Não esqueçamos que são tragédias socioclimáticas, na expressão do sociólogo Sérgio Abranches, por serem tanto consequência do aquecimento global produzido pela sociedade humana, como pelos desastres ambientais afetarem os seres humanos, em especial os mais vulneráveis, com menor capacidade de recuperação e adaptação. Em artigo recente, Abranches contabiliza a resultante mais nefasta: em 2023, cerca de 24 mil pessoas morreram no mundo em decorrência dessas tragédias.

Um dos elementos relevantes do esforço coletivo é a melhoria da infraestrutura. Segundo o relatório Infrastructure for a Climate-Resilient Future (Infraestrutura para um Futuro Resiliente ao Clima), publicado em 2024 pela OCDE, o número de eventos extremos quintuplicou entre as décadas de 1970 e 2010. E as perdas econômicas causadas por esses desastres cresceram oito vezes, passando de uma média de US$ 198 bilhões para US$ 1,6 trilhão.

Eventos extremos afetam negativa e desproporcionalmente as infraestruturas nos países em desenvolvimento. Nesses locais, as desigualdades habitacionais e de saúde, por exemplo, tendem a ser exacerbadas. E o Brasil, como largamente documentado pelos estudos científicos, é um país com elevada vulnerabilidade às mudanças climáticas, sobretudo projetando seus ciclos de secas e enchentes.

Nesse sentido, precisamos financiar, com recursos públicos e privados, planos estruturados de mitigação e de adaptação. A mitigação, hoje mais reconhecida, implica reduzir as emissões de gases de efeito estufa com, entre outros, redução do desmatamento, plantio com menor uso de fertilizantes nitrogenados, melhoria da eficiência energética e diversificação com fontes de energia renovável.

A agenda de adaptação, ainda percebida como menos prioritária, implica reduzir a vulnerabilidade dos sistemas frente aos efeitos esperados da mudança do clima. Isso passa, entre outros aspectos, pela construção de barreiras e diques, gestão de manguezais, recuperação de bacias hidrográficas, integração floresta-pecuária-lavoura, aumento da capacidade de armazenamento de água potável, sistemas de alerta preventivo e pela substituição e adequação de pontes, estradas e asfalto.

Há muitos desafios também para o campo educacional. No Rio Grande do Sul, por exemplo, são quase 400 mil estudantes afetados diretamente, mais de 550 escolas danificadas e outras 90 funcionando como abrigos. Globalmente, não faltam exemplos como o do Sudão do Sul, que em março fechou todas as suas escolas devido ao calor extremo.

Essas situações serão cada vez mais comuns. Diante dessa nova realidade, fazer —ainda que melhor — o que sempre foi feito não é mais suficiente. O planejamento educacional precisa incorporar elementos inequívocos das mudanças climáticas, o que demandará novos protocolos, construção de escolas resilientes, investimento em infraestrutura, além de estratégias pedagógicas para minimizar perdas de aprendizagem e psicossociais para lidar com os traumas e a ansiedade ambiental.

No caso do Rio Grande do Sul, os estudantes precisam, mais do que nunca, de seus professores fortalecendo os vínculos da relação pedagógica. No Brasil, o novo normal deveria ser um em que é seguro e prazeroso estudar e aprender.

Pagamos hoje o preço do descaso, da baixa prioridade e da falta de ousadia — para não falar de negacionismos — e não dá mais para dizer que fomos surpreendidos, pois não faltaram alertas da comunidade científica. Já passou da hora! É necessário agir com firmeza para implementar as transformações estruturais que reduzam prejuízos e sofrimentos com novas tragédias climáticas e projetem nosso compromisso, enquanto sociedade, com um novo futuro.

 

Um comentário:

  1. https://climainfo.org.br/2024/05/15/extensao-territorial-e-numero-de-afetados-tornam-tragedia-no-rs-inedita-no-brasil/

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