segunda-feira, 13 de maio de 2024

Sergio Lamucci - Incertezas monetárias se juntam às dúvidas fiscais

Valor Econômico

Com a decisão dividida do Copom na semana passada sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária

As incertezas em relação às contas públicas ganharam uma companhia preocupante na semana passada. Com a decisão dividida do Copom do Banco Central (BC) sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária. Cinco integrantes votaram por uma queda de 0,25 ponto da Selic, para 10,5% ao ano, e quatro - todos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - por uma baixa de 0,5 ponto. Num momento em que o cenário externo é mais nebuloso, com a perspectiva de que os juros americanos demorem mais para cair e recuem menos, a combinação de incertezas fiscais e monetárias aumenta as pressões sobre o dólar e os juros de longo prazo no Brasil, o que pode diminuir o espaço para redução da Selic e prejudicar o crescimento da economia.

A troca do comando do BC no fim do ano, quando expira o mandato do atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, já era um fator de incerteza para a política monetária a partir de 2025. Além da saída de Campos Neto, também deixarão a instituição em dezembro de 2024 os diretores Otavio Damaso (Regulação) e Carolina de Assis Barros (Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta). Com isso, Lula terá indicado sete dos nove integrantes do Copom.

Com as críticas frequentes de Lula à condução da política monetária por Campos Neto, há uma preocupação quanto a uma eventual guinada na orientação do BC no próximo ano, que poderá ter uma visão dominante mais leniente quanto à inflação. O diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, um economista não ortodoxo, é apontado como o favorito para substituir Campos Neto. As dúvidas sobre como será o BC de 2025 em diante ajudam a explicar o fato de as expectativas de inflação estarem acima da meta de 3%. O consenso do mercado para o IPCA do próximo ano está em 3,64%; para o de 2026 e 2027, em 3,5%.

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, diz, em nota escrita com o economista Rafael Castilho, que as expectativas, hoje desancoradas, são bastante importantes num ciclo de redução dos juros, por ser um momento em que o BC busca diminuir as restrições na economia, “frequentemente com a inflação corrente em baixa, mas ainda acima de uma meta pré-definida”.

A decisão do Copom da semana passada elevou a incerteza sobre a política monetária. Com a perspectiva de menos quedas dos juros americanos e a piora da percepção sobre a trajetória fiscal por aqui, Campos Neto havia indicado, numa apresentação em Washington em abril, uma mudança na orientação do BC sobre a Selic, abandonando o compromisso de fazer mais um corte de 0,5 ponto. Nesse quadro, a maior parte dos analistas passou a ver então como mais provável uma redução de 0,25 ponto.

Cinco dos integrantes do Copom votaram por um corte dessa magnitude na reunião da semana passada, inclusive Campos Neto. Os outros quatro membros do colegiado se manifestaram por uma queda de 0,5 ponto - todos eles indicados por Lula ao BC, inclusive Paulo Picchetti, diretor de Assuntos Internacionais, tido até então como defensor de uma política mais dura.

O resultado da decisão foi mal recebido por muitos investidores e analistas. O Copom diminuiu o ritmo de queda da Selic, fez um comunicado duro após a reunião, não se comprometeu com novos cortes da taxa e mesmo assim a avaliação foi negativa, pela divisão em dois grupos, um dos quais integrados apenas por diretores indicados por Lula. O risco é de nova piora das expectativas inflacionárias, que têm um papel fundamental na condução da política monetária, como dizem Srour e Castilho, lembrando que elas afetam a inflação corrente, pelo impacto na definição de preços e salários.

A ata da reunião do Copom, a ser divulgada nesta terça-feira, será uma oportunidade para o BC tentar desfazer os ruídos. Um corte de 0,5 ponto não seria absurdo, mesmo com a piora do cenário externo e o aumento dos riscos fiscais, depois da mudança da meta do resultado primário (exclui gastos com juros) de 2025, de um superávit de 0,5% do PIB para zero. Os juros reais (descontada a inflação) seguiriam elevados. O problema foi de coordenação e comunicação. Primeiro, a mudança na orientação dos próximos passos do Copom, feita em Washington por Campos Neto, não foi informada ou discutida previamente com todos os integrantes do colegiado.

Além disso, na nota divulgada após a reunião, o comitê avalia, de modo unânime, que “o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela”, além de reforçar “que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”. No entanto, ao mesmo tempo em que todo o colegiado faz essa avaliação, houve divisão sobre o ritmo de queda da Selic, com os quatro indicados por Lula votando em bloco pela queda de 0,5 ponto. A divisão e a composição dos dois grupos causaram o mal estar, por reforçar a ideia de que o BC poderá tolerar uma inflação mais alta a partir do ano que vem. Um corte de 0,5 ponto com um colegiado menos dividido, em tom duro e sinalizando a mesma cautela para as próximas reuniões, poderia ter sido mais bem recebido.

A ata da reunião é a chance de mostrar um quadro de menor polarização no Copom. Srour e Castilho dizem que seria essencial o BC “demonstrar um certo grau de coesão” entre os membros, de modo que a transição de sua presidência e da sua diretoria não crie ruídos em relação “à convergência da inflação em direção ao centro da meta”, notando que as perspectivas fiscais para o Brasil e para a política monetária americana estão fora de controle da instituição. Isso aumentaria a possibilidade “de reancorar as expectativas e de uma Selic mais baixa no fim do ciclo de queda dos juros”, afirmam eles.

As chuvas no Rio Grande do Sul deverão elevar os preços de alguns alimentos, mas esse fenômeno tende a ser localizado e passageiro. O temor de um BC mais leniente com a inflação, contudo, pode levar a uma alta mais forte e preocupante das expectativas inflacionárias. É mais um fator que pode piorar a percepção de risco do Brasil, num cenário em que as incertezas em relação à trajetória das contas públicas aumentaram, depois do afrouxamento das metas fiscais dos próximos anos. Do lado do governo, seria importante a adoção de medidas mais firmes de ajuste fiscal pelo lado do gasto; do lado do BC, mostrar mais coesão e não deixar a impressão de que haverá tolerância com uma inflação mais alta. Se isso não for feito, as expectativas inflacionárias tendem a se deteriorar e o dólar e os juros de longo prazo poderão subir ainda mais, dificultando a tarefa de quem assumir o comando do BC a partir do ano que vem.

 

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