O Estado de S. Paulo
Ao lado dos bons resultados, existem outros,
preocupantes, que sugerem que o sistema público paulista não pode continuar
acomodado
Desde 1989 o Estado de São Paulo vincula
9,57% de sua arrecadação do ICMS para suas três universidades, em uma proporção
fixa de 5,02% para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,19% para a Unicamp. Neste ano,
o governo do Estado tentou incluir outras instituições estaduais nessa conta,
mas voltou atrás depois dos protestos dos reitores. Essa vinculação tem sido
defendida como garantia da autonomia financeira contra a instabilidade e as
interferências de políticos que afetam, por contraste, as universidades federais.
Muitos dados têm sido apresentados como prova de que a autonomia tem funcionado, como o aumento da produção científica, as posições da USP e Unicamp nos rankings internacionais e a qualidade profissional dos formados pelas principais faculdades. Mas é difícil saber se esses bons resultados se devem à vinculação financeira ou a outros fatores, como a disponibilidade de recursos e a maneira pela qual professores e alunos são selecionados entre os mais qualificados do Estado mais rico do País. E, ao lado dos bons resultados, existem outros, preocupantes, que sugerem que o sistema público paulista não pode continuar acomodado.
O dado mais evidente, que mereceria maior
atenção, é a cobertura extremamente reduzida do setor público estadual. No
Brasil como um todo, em 2022, 78% da matrícula no ensino superior estava em
instituições privadas. No Estado de São Paulo, essa proporção sobe para 84,3%.
O setor estadual público só atende a 11% dos alunos de graduação, sendo 120 mil
nas três universidades, para uma matrícula total de 2,5 milhões no Estado. O
setor federal, menos de 3%. Isso é o resultado de uma política deliberada, de manter
um sistema público pequeno e elitista, deixando o setor privado lidar com o
resto? Não parece, dada a preocupação nos últimos anos com as políticas de ação
afirmativa. Não seria mais justo, socialmente, investir mais dinheiro público
em instituições de mais fácil acesso e mais eficientes e baratas, como as do
sistema Paula Souza, a Universidade Virtual e parcerias, proporcionando
formação mais prática, gratuita e de boa qualidade para mais gente? E como
combinar isso com a manutenção de qualidade da pesquisa e da formação de alto
nível dos cursos mais tradicionais?
Se o sistema atual falha do ponto de vista da
cobertura e equidade, ele também tem problemas na outra ponta, de manutenção e
garantia da excelência. O processo de concursos públicos para escolha de
professores é formal, burocrático e dificulta que as universidades recrutem
professores com perfis adequados para suas necessidades. A rigidez e
padronização das carreiras e salários faz com que muitas áreas não consigam
mais competir com o setor privado e instituições internacionais pelo talento
que seria indispensável para dar continuidade às pesquisas de ponta e à
formação de alto nível de que o País necessita.
Nestas questões, tenho ouvido o argumento de
que o ótimo é inimigo do bom, e que é melhor manter a rigidez orçamentária
conquistada 35 anos atrás do que abrir o vespeiro de sua revisão anual. Mas
seria lamentável se conformar com a ideia de que instituições com tantas
qualidades não deveriam buscar novos caminhos. A reforma tributária, com o fim
do ICMS, de qualquer maneira vai forçar uma revisão, e é melhor, para as
universidades, saírem à frente com novas propostas do que serem atropeladas.
Um novo modelo para o sistema estadual
deveria contemplar pelo menos três aspectos. O primeiro é elaborar um plano
diretor que tome em conta os objetivos de médio e longo prazo que o setor
público deve ter e as parcerias que precisa estabelecer com outros níveis de
governo e o setor privado para aumentar a cobertura, a qualidade e as vocações
das diferentes instituições na formação profissional, formação para o
magistério, pesquisa e cultura. Deve ser um documento conciso, construído em
diálogo com diferentes setores, que estabeleça um consenso básico sobre o que o
Estado deve fazer. Há anos que o conhecido sistema da Califórnia, com seus
community colleges, universidades estaduais de ensino e a pósgraduação e
pesquisa concentrados na Universidade da Califórnia, tem sido citado como um
modelo que o Estado poderia adotar, e ainda pode servir de inspiração. O
segundo é criar um mecanismo regular de elaboração de orçamentos plurianuais
com participantes e processos definidos que possa garantir estabilidade de recursos
e espaço para aperfeiçoamentos e mudanças de rumos com metas e indicadores de
resultados conforme o plano diretor, e não somente das antigas vinculações. E
terceiro, fortalecer ainda mais a autonomia universitária, sobretudo no que se
refere à flexibilidade no uso de recursos, processos administrativos e
políticas de recrutamento, contratação e remuneração de professores, que não
podem continuar a serem rígidos e idênticos para todas as instituições e áreas
de atuação.
Com isso, o sistema público paulista poderia
de fato se tornar mais funcional e equitativo, e suas universidades poderiam
finalmente entrar para o século 21, como todos desejamos.
Muito bom.
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