sexta-feira, 3 de maio de 2024

Vera Magalhães - Lula o risco do 'datapovo' precoce

O Globo
Presidente precipita desnecessariamente competição com Bolsonaro pelo posto de melhor padrinho eleitoral

Lula não conseguiu esconder a irritação por ter sido levado a uma roubada. Se ele próprio advertira, como discursou, que o evento do 1º de Maio seria esvaziado, por que aceitou participar? Se reconhece que havia pouco a anunciar, de novo, por que dar essa sopa ao azar? E, por fim, diante do cenário adverso, a cereja do bolo foi pedir voto para Guilherme Boulos e sair do ato com uma multa por propaganda eleitoral antecipada espetada na conta. Desastre total.

O presidente da República ainda tem dois anos e cinco meses de mandato até a eleição. A pior cilada em que pode cair é começar a disputar público, se lançar no “datapovo” com Jair Bolsonaro. A começar porque o antagonista está inelegível. Ao cair nessa esparrela, Lula prorroga e amplifica o prestígio do adversário como cabo eleitoral e a campanha que o ex-presidente e aliados já empreendem no sentido de causar uma comoção popular pela reabilitação eleitoral.

As aglomerações que Bolsonaro provoca nos aeroportos e eventos que convoca, sabe-se desde 2017, são obtidas à custa de uma diligente mobilização digital, empresarial e logística. Têm, claro, um componente orgânico, como evidenciam as pesquisas de apoio ao ex-presidente, mas também grandes doses de arregimentação minuciosamente cuidada.

A tendência é que, mais e mais, o ex-capitão aposte nesses flashmobs em terminais aeroportuários e nesses atos em capitais do país como forma, também, de pressionar o Judiciário a não prosseguir com os inquéritos contra ele, que se aproximam da reta final, como lembrei na minha última coluna neste espaço.

Ao se lançar numa disputa pueril para ver quem reúne mais apoiadores, Lula corre o risco de ficar com a foto de eventos esvaziados, como no último feriado. E aí a farra narrativa comerá solta nas redes, evidentemente.

O presidente da República dispõe de eventos oficiais e de inúmeras oportunidades menos arriscadas para se comunicar com o eleitorado e mostrar as realizações de sua administração, quando elas existirem e se sustentarem.

Não foi, sob nenhum critério, o caso do ato do Dia do Trabalho, que, para culminar, ainda suscita uma inevitável comparação com os tempos em que o Lula líder sindical, ou mesmo o presidente do primeiro e segundo mandatos, reunia multidões em eventos nessa data simbólica para o partido que fundou e lidera.

O discurso de Lula forneceu fartas amostras de incômodo com a plateia esvaziada e de como o próprio petista relacionou isso à inevitável comparação com Bolsonaro. Ao incluir na fala críticas ao prefeito Ricardo Nunes e ao governador Tarcísio de Freitas, a quem chamou de “adversários”, e pedir o mesmo número de votos a Boulos que a cidade deu a ele próprio em 2022, o presidente antecipa desastrosamente uma competição com Bolsonaro pelo papel de maior padrinho eleitoral na disputa municipal, risco que ele não precisa correr com tanta antecedência em relação a sua própria reeleição.

Lula usou o expediente de chamar para si a responsabilidade por eleger Dilma Rousseff e Fernando Haddad, chamados em 2010 e 2012 de seus “postes”, terminologia pejorativa que, no entanto, foi assumida pelo marketing, numa clara tática de transformar limões em limonada.

Mais de dez anos se passaram, São Paulo tem sido bipolar nas inclinações à direita e à esquerda, a depender da eleição, e Boulos tem características que aumentam a rejeição a ele na cidade e deveriam ser trabalhadas pela própria campanha antes de o presidente mergulhar na tarefa de tentar alavancar sua candidatura, sob pena de colher não apenas prejuízo financeiro, mas, sobretudo, mais desgaste de imagem quando deseja justamente recuperar popularidade.

 

Um comentário: