O Globo
Não será mais possível a governantes locais e
nacionais postergar ações que têm de ir além do emergencial
As medidas emergenciais até aqui anunciadas
para a reconstrução do Rio Grande do Sul, devastado depois de uma semana de
chuvas que atingiram todas as regiões do estado, são só o começo. Autoridades
de Brasília e gaúchas reconhecem que ainda não têm sequer uma estimativa
aproximada de quanto será necessário para enfrentar emergências que vão da
destruição de toda a infraestrutura do estado a necessidades básicas da
população, como abastecimento de água e moradia.
Excluir os gastos com a calamidade da meta fiscal é uma medida justificável e necessária. Espera-se que, para o Rio Grande do Sul, os efeitos da intempérie sem precedentes sejam comparáveis aos da pandemia em termos de colapso econômico e social. Para o resto do país, os reflexos devem se fazer sentir nas próximas semanas, com elevação do preço de alimentos, entre outras consequências.
O quadro sombrio, portanto, não dá margens
para duvidar do poder de devastação sobre a vida das comunidades — ora
municípios, ora estados, por vezes países, mas, em escala mais ampla, o mundo —
das mudanças climáticas e dos fenômenos meteorológicos extremos.
Não será mais possível, depois do choque
provocado pela extensão do estrago no Rio Grande do Sul, tratar a emergência
climática como um futuro de ficção científica sobre o qual é possível ser
cético, alienado ou cínico.
Governos locais e nacionais não poderão mais
postergar a adoção de planos integrados e complexos, multidisciplinares, de
prevenção de desastres, porque as medidas de mitigação dos estragos depois que
eles acontecem são mais caras, ineficazes e, por óbvio, não restauram nunca as
vidas perdidas ou cindidas pela tragédia.
Em ocasiões como esta, não faltam relatos de
alarmes ignorados ou subestimados, planos engavetados que poderiam ter reduzido
os danos e investimentos suspensos para dar lugar a outros menos essenciais,
mas talvez mais providenciais para gerar popularidade e votos para aqueles —
governantes ou parlamentares — que os priorizaram.
É a crônica tardia da constatação, óbvia, de
que ninguém, no Brasil ou nos países mais desenvolvidos, assumiu até aqui a
necessidade de enfrentar as mudanças climáticas como plataforma concreta de
governo.
O Rio Grande do Sul tem sido um laboratório
de eventos extremos. Estiagens severas se revezam com chuvas cada vez mais
devastadoras graças a uma série de circunstâncias geográficas que fazem da
região uma confluência de sistemas climáticos, mas também porque a essas
características tem se somado o peso da ação humana sobre o ambiente, como
painéis mostram há décadas.
Não será mais possível a governantes locais e
nacionais postergar ações que têm de ir além do emergencial e precisarão
começar assim que a água baixar, com a urgente reconstrução de estradas, pontes
e cidades.
Para o governo federal se colocará a
necessidade de enfrentar a enormidade de gastos e logística, mantendo a
elogiável orquestração que Lula desde logo construiu com o governador Eduardo
Leite, seu adversário político, e com os demais Poderes.
O foco na reconstrução da vida em solo gaúcho
certamente sacrificará prioridades traçadas ainda nos tempos em que era
possível achar que emergência climática era uma expressão bonita para fóruns
globais, mas ainda distante do dia a dia da elaboração de orçamentos.
Às medidas já anunciadas é possível imaginar
que se somem ações como o pagamento, por alguns meses, de auxílio emergencial à
parcela da população gaúcha mais castigada pela calamidade. Mesmo excluídas do
cálculo da meta fiscal, essas iniciativas custarão caro e deverão fazer com que
se tenha de sacrificar outras propostas. E outras tragédias virão até que haja
um protocolo brasileiro de prevenção a desastres climáticos, algo que nem
sequer começou a sair do papel. A hora é já.
A polarização política é que está acabando com o mundo,devemos amar o semelhante como a nós mesmo.
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