O Globo
Lula escolhe rivalizar com Tarcísio em tema no qual o governo não sofre derrotas no parlamento
A segurança pública será um dos temas
centrais da campanha presidencial de 2026, e Lula parece decidido a encarar a
disputa com a direita bolsonarista por alguns aspectos espinhosos de um dos
temas mais suscetíveis aos vieses ideológicos do eleitorado. Pisa em campo
minado, portanto.
A sessão de votação dos vetos presidenciais
pelo Congresso ontem escancarou a polarização em torno do assunto, e o placar
evidenciou as dificuldades da esquerda para fazer seu discurso ganhar aderência
entre os parlamentares — e, portanto, na sociedade, pois o Parlamento nada mais
é que uma antena que capta movimentos com grande precisão.
O contraste entre a manutenção de um veto de Jair Bolsonaro à nova Lei de Segurança Nacional que considerava crime a disseminação em massa de notícias falsas em período eleitoral e a derrubada de outro veto, de Lula, à proibição da “saidinha” de presos para visitar familiares, ambos por placares para lá de dilatados, foi uma derrota acachapante para o governo.
Ficou claro que, até aqui, tem prevalecido a
visão “linha dura” da segurança, que destoa fortemente do discurso que o
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, vem entoando e fez questão de
reforçar no mesmo dia da votação dos vetos, com a divulgação da portaria que
estabelece balizas para o uso de câmeras corporais pelos policiais.
Não foi aleatória a escolha desse assunto
para marcar uma das primeiras iniciativas da gestão Lewandowski à frente da
pasta que também comanda a segurança. Tem sido um tema em que um dos nomes mais
citados como provável oponente de Lula em 2026, o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, tem sido mais questionado por entidades ligadas à defesa
dos direitos humanos e especialistas em segurança.
Depois de idas e vindas em relação às câmeras
nos uniformes, estabelecidas na gestão João Doria, Tarcísio decidiu trocar os
dispositivos atuais por outros, com a possibilidade de que os próprios
policiais liguem ou desliguem os equipamentos.
Essa possibilidade não é de todo vedada pela
norma do governo federal, que permite ao usuário desligar o dispositivo para
preservar sua intimidade durante as pausas de trabalho. Esse item deu a
Tarcísio a deixa para dizer que as diretrizes adotadas por São Paulo não
contradizem em nada o que estipulou a portaria federal.
Como ela não obriga estados a adotar as
câmeras, e ainda são poucos os que adotam, nem estabelece que elas passarão a
ser obrigatórias na Polícia Federal, fica evidente que a entrada do governo
Lula no assunto atende primordialmente ao objetivo de polarizar com Tarcísio,
bolsonarista mais cotado para a disputa presidencial. O que torna a decisão um
risco considerável, ainda mais num cenário de derrotas recentes nessa seara.
Até aqui, Lula vem demonstrando ter muitas
dúvidas sobre até que ponto pretende assumir protagonismo num tema que a
Constituição de 1988 definiu como prerrogativa dos governos estaduais, mas em
que, cada vez mais, a União é foco de cobranças do público para uma atuação
mais direta.
O limite entre liderar o debate e assumir
pepinos que não são da alçada federal é quase imperceptível, e, num ambiente em
que pesquisas mostram a guinada do eleitor em defesa do punitivismo mais
radical, fazer disso uma pauta de disputa com o bolsonarismo tanto tempo antes
da campanha eleitoral pode não ser muito inteligente ou frutífero.
A questão das câmeras é relevante, e as
mudanças que Tarcísio quer fazer em seu uso são claramente um retrocesso em
termos de transparência e combate à letalidade policial. Um modo mais eficaz de
travar a discussão seria inserir o tema num conjunto mais amplo de iniciativas,
que constitua um plano nacional para a segurança, com recursos, comandos e
coordenação com os estados, em vez de chamar o provável opositor para dançar e
para os holofotes com tanta antecedência.
Pode ser.
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