Folha de S. Paulo
Juros nos EUA, contas do governo, ruído no BC
e na Petrobras e RS pioram ânimos
Notícias ruins desde meados de março têm
comido pelas bordas o otimismo relativo a respeito de um ano que começou bem.
Além da tristeza horrível com as mortes e da
apreensão com o futuro das vidas arrasadas, a catástrofe
no Rio Grande do Sul turva ainda mais o cenário. Vamos ter pelo
menos três meses de trimestre de incerteza ruim, se tivermos alguma sorte e
cabeça no lugar.
Durante quase o primeiro trimestre inteiro,
as perspectivas para a economia melhoraram.
Como ocorre desde 2021 e, em particular, desde 2022, o PIB andava em ritmo
melhor do que o estimado.
A receita do governo aumentava bem, consequência da atividade econômica melhor, mas também de mais impostos e dinheiros de petróleo etc. Aliás, até o fim de abril, a arrecadação federal continuou a crescer: mais de 8% maior do que no ano passado, descontada a inflação.
No palco, esse era o show. Modesto, mas bom e
melhor do que o esperado. Nos bastidores e camarins, houvera alguma piora
despercebida, ruído que começou a vazar em fins de março.
Depois do otimismo de dezembro, as taxas
de juros de
longo prazo, mais de dois anos, começaram a subir. A partir de abril,
ultrapassaram os níveis em que estavam em agosto de 2023, quando o Banco Central começara
a cortar a Selic.
Era o efeito do vaivém dos humores da finança
americana sobre o destino da
inflação e da taxa de juros deles. Quanto maiores por lá, mais
difícil manter dólar e juros em baixa por aqui.
Desde meados de março, as expectativas de
inflação no Brasil para 12 meses adiante começaram a subir. Além do mais, havia
o zum-zum de que o governo mudaria suas metas de redução de déficit.
Era o cenário descrito nestas colunas no
início do mês passado ("Piora
nas contas do governo e nos EUA é aviso para que Lula 3 pare com bobagem").
Piorou.
A julgar pelas taxas de juros na praça do
mercado, a Selic baixa quase nada ou nada até o final do ano. As taxas de longo
prazo, que são o piso geral do custo do dinheiro e definem o preço dos
empréstimos para o governo, continuam a subir de modo preocupante.
Para prazos de dois a sete anos, estão um
ponto percentual além do nível de agosto de 2023, bastante para machucar ânimos
de investir em negócio novo.
O pessimismo é bastante para vermos tanto
altas nas expectativas de inflação quanto nas de taxas de juros —em tese, em
mundo mais normal, deveriam andar em direções contrárias.
Os motivos dos donos do dinheiro são sabidos.
Desfez-se a expectativa de queda rápida dos juros nos EUA. Pouco depois, o
governo mudou a meta fiscal para 2025 etc.
Uma cereja passada nesse bolo mais azedo foi
a divisão da diretoria do BC quanto ao ritmo da queda da Selic. Por mais que a
divergência tenha sido "técnica" ou circunstancial, os donos do
dinheiro ficarão ainda mais ariscos e cobrarão um tico mais. Até quando?
Até que se dissipe a suspeita, alardeada pelo
próprio governo, de que a o BC será mais mansinho com os juros assim que sua
diretoria for composta, na maioria, de nomeados por Luiz Inácio Lula da
Silva, o que pode demorar até o primeiro trimestre do ano que vem.
A mudança na Petrobras, com lista de
tarefas presidenciais para a nova direção, foi outra cereja passada.
A arrecadação federal andou quente no primeiro terço do ano, mas deve arrefecer
de agora em diante, pois algumas receitas extraordinárias vão parar de pingar e
porque não vão bem algumas grandes receitas novas esperadas pelo governo.
Ainda não dá para estimar o efeito da
desgraça no Rio Grande do Sul. O crescimento do país vai diminuir, mas pode ser
recuperado com intervenção rápida (mais dinheiro e bons projetos). Deve ter
pouco impacto na inflação. Mas vai custar, inevitável.
Não é diagnóstico de crise, embora seja bem
ruim qualquer ameaça a um crescimento já miúdo. Mas é alerta para que se pare
com bobagem na gestão econômica.
Pois é.
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