Folha de S. Paulo
Mesmo que azeite sua política, governo tem
pouco a fazer com um Parlamento reacionário
Causou impressão o baile com rasteiras que
o governo Lula tomou no Congresso nesta semana. O ano inteiro tem
sido assim. A consternação era menor porque as derrotas foram espalhadas.
Não se viam tantos corpos boiando de uma vez
só. Mas essa estatística de fracassos políticos não é importante. O essencial é
que Lula 3
quase não tem o que fazer para mudar a situação, nem jamais teve.
É possível especular que derrotas e goleadas
seriam menos frequentes caso se trocassem articuladores ou se azeitasse o
sistema de pagamentos para a cooperativa de feudos e currais
político-financeiros que é o Congresso.
Mas tabelas de votações mostram que dinheiros ou cargos não evitam "traições" nem mesmo daquelas parcelas dos partidos que fizeram acordos mais estáveis com o governo.
É preciso repetir a obviedade, notória desde
a eleição legislativa de 2022: a esquerda é minoritária como nunca antes desde
1986, em números e "ideias". Se Lula 3 tivesse entendido o tamanho do
estrago desde cedo, talvez apenas tivesse atenuado seus problemas.
A esquerda e agregados nominalmente
esquerdistas quase sempre tiveram algo em torno de um quarto da Câmara. A
diferença agora é que o centro morreu e a direita é extremista e/ou negocista
pura. Os partidos dessa direita têm facções bolsonaristas por convicção ou
adesismo.
Esses parlamentares de resto prestam contas a
um eleitorado não apenas mais conservador mas mais vocal e ainda mais inclinado
a aderir em hordas a soluções binárias, simplórias e rudes para os problemas
públicos, graças às redes sociais, onde a direita brinca feliz feito pinto no
lixo.
PL, União
Brasil, PP e Republicanos, bases do governo de Jair Bolsonaro, têm
ora 246 deputados de 513 (48%). Esses partidos ou aqueles que vieram a se
fundir nessas legendas fizeram 114 deputados em 2014 e 154 em 2018. Não há mais
nada parecido com um centro, em conteúdo ou tamanho, como houve até 2014, com
PSDB e MDB.
A Câmara é constituída grosso modo por um
bloco cinzento de lideranças de classes mais altas de pequenas localidades,
alguns empresários maiores, gente da área de segurança e da religião,
conservadora e/ou com espírito de centrão —o espírito do tempo.
As esquerdas não têm conversa, lideranças e
articulação social para mudar essa situação nas urnas —assunto para outro dia.
Também se diz que a esquerda deveria aprender a lidar com as redes. Pode ser
que progressistas ou centristas entendidos do assunto inventem o bom combate
digital.
Depois de pelo menos seis anos de fracasso,
nada apareceu. Será que as redes e seus algoritmos permitirão alguma conversa
razoável? Por ora, mais se vê é a esquerda fazendo propaganda de velhas
maluquices econômicas e de nutela ideológica de salão.
Quanto à política politiqueira, seria
possível inventar uma coalizão, distribuindo cargos e dinheiro de modo
proporcional ao tamanho da direita? Essa é a receita de bolo de muito
politólogo.
Nesse semipresidencialismo de coabitação com
a direita dominante, Lula 3 seria descaracterizado. De resto, seria um
parlamentarismo sem cabeça, sem premiê, sem responsabilidade (mais ou menos
como agora). Mesmo assim, a coalizão seria instável. Os partidos são ainda mais
rachados por abrigarem facções mais extremistas ou bolsonaristas.
O acordo limitado que Lula 3 conseguiu fazer
é uma mixórdia. O PDT, de "esquerda", com dois ministros, faz parte
do bloco liderado por União Brasil e PP. O União Brasil, com dois ministros,
pode lançar o governador Ronaldo Caiado (Goiás) a presidente em 2026. O
estrategista-mor do PSD, com três ministros, é Gilberto Kassab, secretário de
governo de Tarcísio de Freitas.
Difícil. Seria preciso tirar um gênio
político da garrafa. Que foi jogada ao mar, porém.
Coitado do presidente!
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