sexta-feira, 31 de maio de 2024

Vinicius Torres Freire - Lula 3 perde e perderá no Congresso

Folha de S. Paulo

Mesmo que azeite sua política, governo tem pouco a fazer com um Parlamento reacionário

Causou impressão o baile com rasteiras que o governo Lula tomou no Congresso nesta semana. O ano inteiro tem sido assim. A consternação era menor porque as derrotas foram espalhadas.

Não se viam tantos corpos boiando de uma vez só. Mas essa estatística de fracassos políticos não é importante. O essencial é que Lula 3 quase não tem o que fazer para mudar a situação, nem jamais teve.

É possível especular que derrotas e goleadas seriam menos frequentes caso se trocassem articuladores ou se azeitasse o sistema de pagamentos para a cooperativa de feudos e currais político-financeiros que é o Congresso.

Mas tabelas de votações mostram que dinheiros ou cargos não evitam "traições" nem mesmo daquelas parcelas dos partidos que fizeram acordos mais estáveis com o governo.

É preciso repetir a obviedade, notória desde a eleição legislativa de 2022: a esquerda é minoritária como nunca antes desde 1986, em números e "ideias". Se Lula 3 tivesse entendido o tamanho do estrago desde cedo, talvez apenas tivesse atenuado seus problemas.

A esquerda e agregados nominalmente esquerdistas quase sempre tiveram algo em torno de um quarto da Câmara. A diferença agora é que o centro morreu e a direita é extremista e/ou negocista pura. Os partidos dessa direita têm facções bolsonaristas por convicção ou adesismo.

Esses parlamentares de resto prestam contas a um eleitorado não apenas mais conservador mas mais vocal e ainda mais inclinado a aderir em hordas a soluções binárias, simplórias e rudes para os problemas públicos, graças às redes sociais, onde a direita brinca feliz feito pinto no lixo.

PL, União Brasil, PP e Republicanos, bases do governo de Jair Bolsonaro, têm ora 246 deputados de 513 (48%). Esses partidos ou aqueles que vieram a se fundir nessas legendas fizeram 114 deputados em 2014 e 154 em 2018. Não há mais nada parecido com um centro, em conteúdo ou tamanho, como houve até 2014, com PSDB e MDB.

A Câmara é constituída grosso modo por um bloco cinzento de lideranças de classes mais altas de pequenas localidades, alguns empresários maiores, gente da área de segurança e da religião, conservadora e/ou com espírito de centrão —o espírito do tempo.

As esquerdas não têm conversa, lideranças e articulação social para mudar essa situação nas urnas —assunto para outro dia. Também se diz que a esquerda deveria aprender a lidar com as redes. Pode ser que progressistas ou centristas entendidos do assunto inventem o bom combate digital.

Depois de pelo menos seis anos de fracasso, nada apareceu. Será que as redes e seus algoritmos permitirão alguma conversa razoável? Por ora, mais se vê é a esquerda fazendo propaganda de velhas maluquices econômicas e de nutela ideológica de salão.

Quanto à política politiqueira, seria possível inventar uma coalizão, distribuindo cargos e dinheiro de modo proporcional ao tamanho da direita? Essa é a receita de bolo de muito politólogo.

Nesse semipresidencialismo de coabitação com a direita dominante, Lula 3 seria descaracterizado. De resto, seria um parlamentarismo sem cabeça, sem premiê, sem responsabilidade (mais ou menos como agora). Mesmo assim, a coalizão seria instável. Os partidos são ainda mais rachados por abrigarem facções mais extremistas ou bolsonaristas.

O acordo limitado que Lula 3 conseguiu fazer é uma mixórdia. O PDT, de "esquerda", com dois ministros, faz parte do bloco liderado por União Brasil e PP. O União Brasil, com dois ministros, pode lançar o governador Ronaldo Caiado (Goiás) a presidente em 2026. O estrategista-mor do PSD, com três ministros, é Gilberto Kassab, secretário de governo de Tarcísio de Freitas.

Difícil. Seria preciso tirar um gênio político da garrafa. Que foi jogada ao mar, porém.

 

 

 

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