segunda-feira, 3 de junho de 2024

Alex Ribeiro - BC precisa repensar sua comunicação sobre o juro

Valor Econômico

Declarações em reuniões fechadas, comunicado só com pontos consensuais são alguns dos problemas

A pior notícia que o Banco Central teve nos últimos meses foi a alta das expectativas de inflação de 2026, de 3,5% para 3,58%, depois de 46 semanas de estabilidade. Este é um horizonte de tempo muito distante para ser afetado pelas decisões que estão sendo tomadas agora sobre a taxa Selic, e até lá se presume que todos os choques que pressionam a inflação podem se dissipar sozinhos ou com a ajuda da política monetária. Trata-se, portanto, de um questionamento frontal dos especialistas de mercado financeiro à credibilidade da política monetária.

A maior parte da responsabilidade se deve ao voto dissidente de todos os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) indicados pelo presidente Lula em favor de uma baixa mais forte de juros. Mas falhas na comunicação de política monetária do colegiado também pioraram as coisas. Algumas delas não são, exatamente, novas. Será preciso debatê-las para corrigi-las.

Em 17 de abril, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mudou a comunicação do Copom, em um evento da XP Investimento dentro da agenda do encontro de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI). A mudança tinha justificativas: a inflação nos Estados Unidos se mostrava mais resistente, e o mercado passou a precificar o adiamento do corte de juros; no Brasil, o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) adotou uma trajetória de consolidação fiscal mais frouxa.

Até então, o Copom havia sinalizado um corte de 0,5 ponto percentual para a sua reunião de maio, e essa era a aposta predominante nas opções negociadas na B3. Depois da fala de Campos Neto, a aposta em corte de 0,25 ponto passou a ser preponderante.

Quando Campos Neto falou, a interpretação mais comum dos especialistas do mercado foi que ele transmitia uma visão única do colegiado. O presidente do BC tinha ao seu lado o diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, um respeitado acadêmico indicado pelo governo Lula.

Mais tarde, tomou-se conhecimento de que não era bem assim. Integrantes do mercado financeiro capturaram os primeiros sinais da falta de articulação do BC em torno da nova comunicação, em reuniões fechadas com dirigentes da instituição. Aqui já há um problema: palestras como essa, que podem modificar a precificação de mercado, deveriam ser sempre públicas. O BC fez um grande esforço para dar transparência aos pronunciamentos de seus membros, que costumam ser abertos à imprensa, mas essas reuniões dos encontros do FMI seguem como um clube fechado. Costumam dar problemas: em outubro de 2023, em Marrakech, uma fala de Campos Neto foi interpretada de forma equivocada e causou ruídos.

Em 15 de maio, Galípolo foi questionado num evento público, o Summit Valor Econômico Brazil-USA, se havia sido consultado - e confirmou que não. Ele procurou contemporizar: disse que Campos Neto tinha direito a emitir opiniões e que ele mesmo não consultava o presidente do BC nas suas falas.

Difícil concordar com isso. O voto de Campos Neto vale como os demais dentro do Copom, mas ele é o porta-voz do colegiado. A regra do silêncio do Copom, por exemplo, diz que é o presidente do BC quem deve falar em público, representando o colegiado, quando há fato novo que exige mudanças na sinalização de política monetária.

Hoje, aos olhos do mercado, há dois presidentes do BC. Um deles é Campos Neto, que fica no cargo até 31 de dezembro deste ano. Outro é Galípolo, que é tido como o mais forte candidato a suceder Campos Neto. Galípolo pode até não vir a chefiar o BC, mas não importa: para efeitos práticos, o mercado reage a seus votos e pronunciamentos como se de fato ele fosse sentar na cadeira.

Os integrantes do Copom deveriam deixar bem claro, a cada pronunciamento, se estão emitindo a própria opinião ou se estão expressando uma visão do colegiado como um todo. Nos períodos mais delicados, quando há mudanças na comunicação, a prática deveria ser ler um texto previamente preparado pelo comitê.

Outra parte importante dos ruídos de comunicação foi causada pelo hiato que existe entre a divulgação do comunicado do Copom, na noite de uma quarta-feira, e a da ata da reunião, na manhã da terça-feira seguinte. O comunicado é mais curto, e não cabem todas as explicações. O mercado passa três pregões no escuro sobre o que realmente o comitê decidiu na reunião.

Os principais bancos centrais procuram eliminar, de cara, essa incerteza. Nos Estados Unidos e na zona do euro, os presidentes dos BCs concedem uma entrevista coletiva pouco depois de o comunicado sair.

Um dos problemas é uma prática, adotada na gestão Campos Neto, de colocar no comunicado apenas os pontos consensuais. Isso significa que ninguém sabe ao certo por que os membros dissidentes do Copom votaram como votaram. Em maio, a ala minoritária discordou apenas de rasgar a sinalização de corte de 0,5 ponto, segundo eles explicaram mais tarde. Havia uma concordância sobre o diagnóstico do cenário inflacionário, que piorou, e sobre o remédio, mais juros. Em agosto do ano passado, ocorreu algo muito semelhante.

Essas duas reuniões mostraram que o placar das votações do Copom pode ter efeitos tão importantes no mercado quanto a decisão em si. O Copom poderia dedicar uma ou duas linhas de seus comunicados para os dissidentes explicarem as suas razões. Não vai aliviar nada se o mercado achar que as razões não foram boas, mas pelo menos se elimina uma fonte de incerteza.

 

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