segunda-feira, 3 de junho de 2024

Bruno Carazza - Bem ou mal, as instituições continuam funcionando?

Valor Econômico

Livro de Marcus Melo e Carlos Pereira apresenta explicação para resiliência e ineficiência da democracia brasileira

N a semana passada, o Congresso impôs uma acachapante derrota de 366 a 137 votos na apreciação do veto do presidente Lula ao projeto que proíbe a “saidinha” de presos. Não foi a primeira vez.

“Como seria possível um líder político dos mais experientes e tido como sagaz na arte de negociar estar sofrendo tantos reveses no Legislativo a ponto de se colocar na posição de refém de exigências das principais lideranças do Congresso e dos seus novos (velhos) aliados do Centrão?”

A pergunta é feita pelos cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira no penúltimo capítulo de “Por que a Democracia Brasileira não Morreu?”, que acaba de chegar às livrarias.

O livro promete dar o que falar entre acadêmicos e interessados na política brasileira. Oferece explicações polêmicas para os principais acontecimentos que sacudiram o país na última década, como os protestos de 2013, a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma, a ascensão de Bolsonaro e o retorno de Lula à Presidência.

A resposta para a pergunta-título do livro - e aqui o spoiler não traz nenhum prejuízo ao leitor, pois o maior mérito dos autores reside na argumentação, repleta de referências à bibliografia mais atual - está no tão vilipendiado presidencialismo de coalizão.

Para Marcus Melo e Carlos Pereira, a democracia brasileira não sucumbiu às investidas autoritárias de Jair Bolsonaro devido ao intricado sistema de freios e contrapesos presentes em nosso sistema político - em outras palavras, porque as instituições funcionaram.

Segundo os autores, Bolsonaro teria sido contido por uma base frágil num Congresso multipartidário, que cobrou alto para não abrir um processo de impeachment contra ele durante a pandemia.

Além disso, todas as investidas bolsonaristas contra o sistema eleitoral teriam sido refutadas por órgãos de controle autônomos, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, seguido pelo Ministério Público, Tribunais de Contas e até mesmo a cúpula das Forças Armadas, sem falar na oposição de alguns governadores e da imprensa.

Essas características do sistema político brasileiro, com tantos pontos de veto e a necessidade de construção de consensos sequenciais com múltiplos agentes para se fazer avançar a agenda presidencial, não são apenas o segredo para não termos sucumbido às manobras antidemocráticas de Bolsonaro. Segundo Marcus Melo e Carlos Pereira, essas restrições também explicam a queda de Dilma Rousseff e as dificuldades de governabilidade de Lula em seu terceiro mandato.

Isso não significa, entretanto, que os presidentes brasileiros estejam fadados a se tornar reféns do Congresso. Melo e Pereira defendem que governantes que montam coalizões mais homogêneas, ideologicamente próximas à mediana do Congresso e com uma boa distribuição de poder e recursos entre os partidos-membros tendem a conseguir sucesso no Congresso.

Ao longo da leitura do livro, os autores insistem que a explicação para as derrotas recentes de Lula está na montagem e gerenciamento de sua base, incorrendo nos mesmos erros que levaram ao colapso de Dilma. Mas não é justo afirmar que o líder petista não tenha extraído lições do passado.

Além de abrigar os partidos de esquerda e centro-esquerda, logo na transição, Lula atraiu para seu governo as legendas de centro-direita menos bolsonaristas, aquinhoando-os com pastas de orçamento robusto ou importância política: MDB (Transportes, Cidades e Planejamento), PSD (Agricultura, Minas e Energia e Pesca) e União Brasil (Comunicações, Turismo e Integração Regional).

Na primeira reforma ministerial, Lula se aproximou ainda mais da mediana do Congresso, contemplando Republicanos (Portos e Aeroportos) e PP (Esportes). Dentro das limitações que um Congresso majoritariamente conservador lhe impõe, Lula fez movimentos corretos, segundo o manual de Melo e Pereira. Ainda assim, o Congresso continua aprontando armadilhas para o governo, extorquindo mais e mais verbas orçamentárias.

Apesar de reconhecerem que o jogo ficou mais difícil para os presidentes depois das emendas impositivas e do fundão eleitoral, Melo e Pereira ainda assim apostam na funcionalidade de nosso presidencialismo de coalizão em conter abusos autoritários e atribuem as crises políticas que periodicamente sacodem o país à incapacidade de gestão presidencial da base.

Os autores citam Michel Temer como contraexemplo bem-sucedido de presidente que construiu uma coalizão eficiente, capaz de aprovar reformas estruturantes (teto de gastos, trabalhista, novo ensino médio) e de poupá-lo de um grande escândalo de corrupção.

Fiquei imaginando se um presidente com essa habilidade política e afinidade ideológica com os congressistas, mas com pendores autoritários, não seria capaz de contornar à la Viktor Orbán os pontos de veto de nosso presidencialismo de coalizão, inclusive os órgãos de controle, “com o Supremo, com tudo”.

Além disso, o livro me levou a pensar a que ponto vale a pena manter um sistema ineficiente e de alto custo político e orçamentário em nome de uma certa vacina (de eficácia duvidosa) contra golpes.

 

2 comentários:

  1. Muito bom! Espero que numa próxima coluna, o autor aborde mais profundamente os 2 últimos parágrafos do seu texto.

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