Valor Econômico
Livro de Marcus Melo e Carlos Pereira apresenta explicação para resiliência e ineficiência da democracia brasileira
N a semana passada, o Congresso impôs uma
acachapante derrota de 366 a 137 votos na apreciação do veto do presidente Lula
ao projeto que proíbe a “saidinha” de presos. Não foi a primeira vez.
“Como seria possível um líder político dos
mais experientes e tido como sagaz na arte de negociar estar sofrendo tantos
reveses no Legislativo a ponto de se colocar na posição de refém de exigências
das principais lideranças do Congresso e dos seus novos (velhos) aliados do
Centrão?”
A pergunta é feita pelos cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira no penúltimo capítulo de “Por que a Democracia Brasileira não Morreu?”, que acaba de chegar às livrarias.
O livro promete dar o que falar entre
acadêmicos e interessados na política brasileira. Oferece explicações polêmicas
para os principais acontecimentos que sacudiram o país na última década, como
os protestos de 2013, a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma, a ascensão
de Bolsonaro e o retorno de Lula à Presidência.
A resposta para a pergunta-título do livro -
e aqui o spoiler não traz nenhum prejuízo ao leitor, pois o maior mérito dos
autores reside na argumentação, repleta de referências à bibliografia mais
atual - está no tão vilipendiado presidencialismo de coalizão.
Para Marcus Melo e Carlos Pereira, a
democracia brasileira não sucumbiu às investidas autoritárias de Jair Bolsonaro
devido ao intricado sistema de freios e contrapesos presentes em nosso sistema
político - em outras palavras, porque as instituições funcionaram.
Segundo os autores, Bolsonaro teria sido
contido por uma base frágil num Congresso multipartidário, que cobrou alto para
não abrir um processo de impeachment contra ele durante a pandemia.
Além disso, todas as investidas bolsonaristas
contra o sistema eleitoral teriam sido refutadas por órgãos de controle
autônomos, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, seguido pelo Ministério
Público, Tribunais de Contas e até mesmo a cúpula das Forças Armadas, sem falar
na oposição de alguns governadores e da imprensa.
Essas características do sistema político
brasileiro, com tantos pontos de veto e a necessidade de construção de
consensos sequenciais com múltiplos agentes para se fazer avançar a agenda
presidencial, não são apenas o segredo para não termos sucumbido às manobras
antidemocráticas de Bolsonaro. Segundo Marcus Melo e Carlos Pereira, essas
restrições também explicam a queda de Dilma Rousseff e as dificuldades de
governabilidade de Lula em seu terceiro mandato.
Isso não significa, entretanto, que os
presidentes brasileiros estejam fadados a se tornar reféns do Congresso. Melo e
Pereira defendem que governantes que montam coalizões mais homogêneas,
ideologicamente próximas à mediana do Congresso e com uma boa distribuição de
poder e recursos entre os partidos-membros tendem a conseguir sucesso no
Congresso.
Ao longo da leitura do livro, os autores
insistem que a explicação para as derrotas recentes de Lula está na montagem e
gerenciamento de sua base, incorrendo nos mesmos erros que levaram ao colapso
de Dilma. Mas não é justo afirmar que o líder petista não tenha extraído lições
do passado.
Além de abrigar os partidos de esquerda e
centro-esquerda, logo na transição, Lula atraiu para seu governo as legendas de
centro-direita menos bolsonaristas, aquinhoando-os com pastas de orçamento
robusto ou importância política: MDB (Transportes, Cidades e Planejamento), PSD
(Agricultura, Minas e Energia e Pesca) e União Brasil (Comunicações, Turismo e
Integração Regional).
Na primeira reforma ministerial, Lula se
aproximou ainda mais da mediana do Congresso, contemplando Republicanos (Portos
e Aeroportos) e PP (Esportes). Dentro das limitações que um Congresso
majoritariamente conservador lhe impõe, Lula fez movimentos corretos, segundo o
manual de Melo e Pereira. Ainda assim, o Congresso continua aprontando
armadilhas para o governo, extorquindo mais e mais verbas orçamentárias.
Apesar de reconhecerem que o jogo ficou mais
difícil para os presidentes depois das emendas impositivas e do fundão
eleitoral, Melo e Pereira ainda assim apostam na funcionalidade de nosso
presidencialismo de coalizão em conter abusos autoritários e atribuem as crises
políticas que periodicamente sacodem o país à incapacidade de gestão
presidencial da base.
Os autores citam Michel Temer como
contraexemplo bem-sucedido de presidente que construiu uma coalizão eficiente,
capaz de aprovar reformas estruturantes (teto de gastos, trabalhista, novo
ensino médio) e de poupá-lo de um grande escândalo de corrupção.
Fiquei imaginando se um presidente com essa
habilidade política e afinidade ideológica com os congressistas, mas com
pendores autoritários, não seria capaz de contornar à la Viktor Orbán os pontos
de veto de nosso presidencialismo de coalizão, inclusive os órgãos de controle,
“com o Supremo, com tudo”.
Além disso, o livro me levou a pensar a que
ponto vale a pena manter um sistema ineficiente e de alto custo político e
orçamentário em nome de uma certa vacina (de eficácia duvidosa) contra golpes.
Sei.
ResponderExcluirMuito bom! Espero que numa próxima coluna, o autor aborde mais profundamente os 2 últimos parágrafos do seu texto.
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