Folha de S. Paulo
Dois livros abordam a relação do compositor
com a censura e a sociedade brasileira
Em 1973, os censores da ditadura escandalizaram-se com a letra de "Flor
da Idade", em que Chico Buarque arma uma ciranda amorosa —Dora amava Lia
que amava Léa que amava Paulo que amava Juca— inspirada no poema
"Quadrilha", de Drummond, àquela altura já clássico.
O regime preparava a "distensão lenta e gradual", mas nada mudara entre Chico e a censura. O jogo de gato e rato se estendeu ao longo de três décadas, com episódios de repressão artística explícita e outros de ridículo universal —a proibição de a escola de samba Canarinhos da Engenhoca exibir um enredo em homenagem ao compositor, em 1974.
Impedido de cantar "Flor da Idade",
o autor preparou a própria defesa, citando o dicionário Caldas Aulete: "O
verbete amar não faz qualquer alusão a sexo. Vemos amar como sentir amor ou
ternura, ter afeição, dedicação, devoção ou querer bem. Amar os filhos, amar a
pátria, amar a Deus". A canção acabou liberada, mas Chico não comemorou:
"Enquanto persistir a mentalidade segundo a qual arte e cultura são coisas
de pederastas, drogados e vagabundos, não haverá jeito", disse em
entrevista ao Jornal do Brasil.
A censura foi banida na Constituição de 1988, embora seu espectro continue
assombrando o país ao retirar livros das escolas. Após um período
envergonhados, a mentalidade a que se refere Chico e o ridículo estão de volta:
a Câmara aprovou uma moção de repúdio contra as cantoras Madonna, Anitta e Pabllo Vittar.
Dois livros recém-publicados —"Trocando
em Miúdos", de Tom Cardoso, e "O Que Não Tem Censura Nem Nunca
Terá", de Márcio Pinheiro– retratam Chico Buarque nos seus 80 anos e
revelam que a frase de Millôr, de que ele era a única unanimidade nacional, no
fundo era irônica. Hoje Chico é uma das vítimas preferidas do ódio
bolsonarista, uma Geni nas redes. Mas felizmente uma infinidade de brasileiros
ainda conhece o significado do verbo amar.
Não tinha notado que a ciranda amorosa tinha conotação ambígua.
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