Revista Veja
A República não fez da educação uma questão
nacional
Quase século e meio depois da Proclamação da República, mais de 11 milhões de brasileiros adultos ainda não reconhecem a bandeira do Brasil, por não saberem ler o lema escrito nela. Metade das crianças ainda não está alfabetizada aos 8 anos de idade, apenas uma a cada cinco delas concluirá a educação de base preparada para participar do mundo contemporâneo. A República falhou porque não fez da educação uma questão nacional com estratégia de longo prazo; cada governo, mesmo quando sucede a seu próprio partido, joga nos anteriores a responsabilidade das deficiências herdadas. A República fracassou por nunca valorizar os professores como os construtores do progresso do país.
A educação foi sequestrada pelo caráter
nacional que não vê o Brasil com vocação para educação e aceita como normal a
desigualdade entre “escolas senzala” para pobres e “escolas casa-grande” para
ricos. Até hoje, nenhum governo se propôs a criar um sistema nacional público
de qualidade. Falhamos porque confundimos democracia com eleição de diretores
de escola, não com o direito à educação de qualidade. A ditadura sequestrou a
educação nas mãos dos comandantes militares e a democracia a sequestrou nas mãos
de civis escolhidos por eleitores sem a ambição de o Brasil ter sua educação
entre as melhores do mundo.
“Mais de 11 milhões de brasileiros adultos
não reconhecem a bandeira, por não saberem ler o lema”
Falhamos porque
nossos professores são escolhidos e remunerados nos limites dos recursos
municipais, trabalham em prédios com deficiências, enquanto garantimos
excelência federal para as atividades de interesse nacional. A educação foi
sequestrada por pais sem preparo para complementar a escola dos filhos, e por
pais educados que se importam apenas com a formação de seus próprios filhos. O
sequestro começou quando aceitamos a imagem de que em nossa terra “em se
plantando tudo nela dá”, por isso não precisa de ciência, tecnologia, estudo; e
para plantar e colher trouxemos mão de obra da África, escravizada. O Ministério da
Educação foi sequestrado pelo ensino superior para cuidar dos
poucos que entram na universidade, não para assegurar que todos terminem o
ensino médio com máxima qualidade, adquirindo os conhecimentos de que precisam
para facilitar a busca de sua felicidade e obtendo as ferramentas necessárias
para construir um país democrático, justo, eficiente, republicano, sustentável.
Nossa educação foi sequestrada pelos
sindicatos de professores, quando fazem longas paralisações por reivindicações
corporativas. Também por educadores que lutam pela adoção de suas teorias
pedagógicas, sem preocupação real com a implementação de um sistema nacional
capaz de assegurar os melhores métodos de educação libertária e eficiente para
todas as escolas do país.
Falhamos, enfim, porque não percebemos que
todos os nossos problemas decorrem sobretudo da baixa qualidade e da
desigualdade como nossa educação é oferecida, desperdiçando o potencial
intelectual de até 80% dos cérebros de cada geração de brasileiros. Sequestramos
a educação por uma mentalidade equivocada, que não considera cada cérebro como
potencial indutor do progresso, nem percebe o desperdício econômico, social,
cultural e político de cada criança deixada para trás no processo de sua
formação. Falhamos.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896
Sim, falhamos, por tudo isto e ainda muito mais.
ResponderExcluirProfessores municipais e estaduais quase abandonados em tantas escolas sem condições de funcionamento, recebendo salários miseráveis por décadas e décadas, fizeram até muito mais do que se esperaria deles! Lembro de muitos que realmente se esforçavam para suprir tantas deficiências... Dedicação e esforço destes MESTRES nunca faltaram! Se falhamos, a culpa não é deles!
Conhecimento não tem nada a ver com felicidade,quase sempre a ignorância é uma benção,rs.
ResponderExcluirEis dois comentários que servem como boas evidências do texto do Buarque. Não enxergam um palo à frente do nariz. Trágico!
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